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INCLUSÃO CULTURAL
A ministra da Cultura, Marta Suplicy, durante painel sobre o Vale Cultura em Porto Alegre:
seu objetivo é levar o benefício, numa primeira fase, para um milhão de pessoas

Nascida numa família riquíssima do Rio de Janeiro, dona de castelos e de linhagem nobre, a ministra da Cultura, Marta Suplicy, possui uma ascendência junto às camadas mais pobres do eleitorado de fazer inveja a seu próprio partido, o PT. Militante tardia, que entrou na atividade política quando era mãe de três filhos crescidos, Marta escreveu a própria história acumulando brigas, polêmicas e encampando causas que pareciam fora de lugar, mas que, na verdade, se encontravam à frente do seu tempo. Foi à tevê defender a liberdade feminina, quando o País ainda não estava inteiramente habituado ao divórcio. Assumiu a bandeira dos direitos homossexuais, quando o assunto não entrava nas conversas de família. Agora, a mais nova cruzada de Marta envolve a aprovação do Vale Cultura pelo Congresso, que prevê benefício de R$ 50 para trabalhadores que ganham até cinco salários mínimos. Ela herdou a proposta quando assumiu a pasta e fez dela sua bandeira.

A ideia é um projeto original do ex-ministro Juca Ferreira, que chegou a rascunhá-lo ainda em 2009, mas foi forçado a desistir no meio do caminho. Faltava apoio político interno e sobrava pancadaria externa, num volume tão grande que Ana de Holanda, sua sucessora, nem se animou a comprar a briga. O que parecia um jogo perdido vai se transformar em realidade a partir de julho, quando os beneficiários do programa poderão receber dinheiro para comprar ingressos de espetáculos, cinemas, museus e adquirir livros, revistas e CDs.

Num país que sempre reservou a cultura para os bem-nascidos, o projeto surge com uma reserva econômica modesta e uma bênção política decisiva. Após demoradas negociações com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o governo decidiu que o Vale Cultura terá início com uma renúncia fiscal de R$ 300 milhões. Não é uma quantia gigantesca quando se recorda que só a renúncia fiscal da Lei Rouanet, que serve para patrocinar investimentos culturais, é sete vezes maior. A própria Marta, no início, chegou a sonhar que poderia convencer a equipe econômica abrir mão de R$ 11 bilhões. Convencida a reduzir sua proposta, baixou para R$ 7 bilhões, depois para R$ 4 bilhões e, por fim, conformou-se com os R$ 300 milhões. Mas é um bom começo, quando se recorda que a alternativa anterior era zero. Ocorreram outras negociações importantes. No Congresso, Marta encontrou deputados que tentavam aumentar o piso do Vale Cultura, para beneficiar suas bases eleitorais. A ministra teve de explicar que, se atingisse faixas mais altas, o projeto acabaria vetado na mesa de Guido Mantega. Outra ideia era permitir que o Vale Cultura fosse usado para pagar assinaturas de tevê a cabo. Foi destruída pela argumentação definitiva da atriz Fernanda Montenegro: “Que força estranha nos levou a acreditar que deveríamos dar dinheiro para as pessoas ficarem em casa vendo televisão?”

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A presidenta Dilma Rousseff decidiu bancar a ideia e determinou que as empresas estatais devem aderir ao programa assim que as medidas passarem a valer. Com isso, espera-se que dentro de pouco tempo o Vale Cultura seja capaz de levar 350 mil empregados de estatais, todos os meses, para o mercado cultural – seja para comprar um livro, seja para assistir a um filme ou a uma peça de teatro. O plano de Marta é que o benefício atinja, numa primeira fase, um milhão de pessoas. Já empenhada em negociações com grandes empresas e entidades como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e também com centrais sindicais de trabalhadores, ela calcula que a adesão do setor privado será mais lenta. Isso porque o Vale Cultura envolve uma parceria. A empresa que se cadastrar no programa deve depositar R$ 50 por mês no salário de cada funcionário – e abater essa quantia na hora em que for pagar seu Imposto de Renda. “As empresas pagam na frente para receber meses depois,” admite Marta. “Estou fazendo um trabalho de conscientização para mostrar que todos ganham com isso”, acrescenta a ministra.

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Nesse universo em que a cultura atravessa uma encruzilhada áspera na qual o governo e a iniciativa privada se encontram, Marta já foi convencida a negociar um benefício às empresas que pode facilitar a adesão ao Vale Cultura. As grandes empresas querem que a Fazenda abra mão de uma taxação sobre o lucro presumido para aderir com mais vigor ao projeto. Pequenos empresários, como cabeleireiros e donos de padaria, precisam de benefícios especiais para aderir ao programa sem cair no prejuízo. “As conversas estão fluindo. Mas a equipe econômica é osso duro. Se essa nossa ideia passar, atingiremos quase a totalidade das empresas”, comemora Marta. Sua nova cruzada tem tudo para dar certo.

Foto: Carlos Eduardo de Quadros / Fotoarena


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