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SITUAÇÃO GRAVE
Desmoronamento em Petrópolis onde 18 mil pessoas vivem em área de risco

José de Oliveira Rocha, o seu Zezinho, jardineiro de 59 anos, parece um clone invertido de Fabiano, o retirante nordestino do romance “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos. Enquanto o personagem fictício tenta sobreviver à seca, seu Zezinho luta contra o excesso d’água que insiste em inundar as casas nas quais ele mora, na região serrana do Rio de Janeiro. “Em 1988, minha casa era novinha, eu mesmo construí, mas veio um deslizamento de terra e destruiu tudo. Chorei de alegria porque não morri. De lá para cá, mudei três vezes para fugir das desgraças”, afirmou, desta vez chorando de tristeza por ter perdido sete vizinhos na tragédia. Bastaria aos governantes, de todas as esferas, conversar com o seu Zezinho para entender que a desgraça que acomete Petrópolis, onde ele mora e cujos deslizamentos mataram 33 pessoas na semana passada, não é um episódio deste ano. É de todos. Nos últimos cinco anos, quase mil pessoas perderam a vida na região serrana do Rio em deslizamentos causados pela chuva. O enredo é o mesmo, mudam apenas os nomes dos mortos e os dos que sobrevivem para chorar as perdas.

Desta vez, o pior aconteceu no bairro Independência, o mais populoso da cidade imperial, atingida por forte chuva seguida de desabamentos de encosta, na madrugada da segunda-feira 18. Três dos sete vizinhos mortos são a filha e dois netos do pedreiro Jamil Luminato, 53 anos, outra testemunha do descaso que se repete. Em 1981, ele estampou a capa do “Jornal do Brasil” carregando um bebê morto, no mesmo bairro. Trinta e dois anos depois, Luminato enterrou a filha de 30 anos e dois netos, de 2 e 4 anos, vítimas de deslizamentos, no mesmo lugar. A existência de moradias em áreas de risco é o grande problema a ser enfrentado. E o poder público tem muita responsabilidade pela situação atual. “Os políticos, de modo geral, acabam estimulando a ocupação irregular”, admite, meio constrangido, o presidente da Câmara de Vereadores de Petrópolis, Paulo Igor. “Quando se colocam água, luz e pavimentação em uma área, passa-se a impressão para o morador de que ele está seguro.”

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"Mudei três vezes para fugir das desgraças"
José de Oliveira Rocha, morador de Petrópolis, que já
teve uma casa destruída em um deslizamento de terra

Mas ele não está. “A ocupação inadequada de encostas e das calhas dos rios detona as grandes tragédias”, alerta o professor Élson Nascimento, doutor em recursos hídricos pelo Coppe, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Somente Petrópolis tem 18 mil pessoas vivendo em situação de perigo. “Terão de ser tomadas medidas mais drásticas para que as pessoas não fiquem nas regiões onde não podem ficar”, afirmou a presidenta Dilma Rousseff. Para tanto, o poder público terá de agir, algo que não vem acontecendo, às vezes por puro desleixo. No ano passado, dos R$ 112,8 milhões do orçamento destinados ao programa de reassentamento de pessoas em área de risco do Estado, apenas R$ 2,2 milhões, ou 1,9%, foram gastos.

Levantamento da Universidade Federal de Santa Catarina, encomendado pelo Ministério da Integração Nacional, revelou que em dez anos a quantidade de desastres naturais no Estado do Rio cresceu 1.405%, sem que houvesse aumento de ocorrências da natureza na mesma proporção. E Petrópolis é o município que mais sofre: 41,45% dos casos aconteceram lá. Não é à toa que em uma década, a cidade decretou cinco vezes estado de calamidade pública. Por isso, espanta o descaso do poder público com a população. A Prefeitura de Petrópolis, em 2009, simplesmente perdeu os prazos para apresentar o projeto de reassentamento das famílias desabrigadas e deixou, assim, de receber R$ 60 milhões do governo federal. Há quatro anos nenhuma casa popular é construída na cidade. Outros municípios serranos passam por situação semelhante. A Prefeitura de Friburgo, devastada pelas chuvas em 2011, promete para maio a entrega de 1.800 casas. Em Teresópolis, a informação é de que 1.600 unidades habitacionais começarão a ser construídas em abril.

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Em Niterói, cidade vizinha ao Rio, a situação dos desabrigados do Morro do Bumba é desoladora. O desmoronamento fez 47 vítimas fatais e, três anos depois da tragédia, 400 pessoas que perderam suas casas ainda vivem de forma improvisada em dependências de um batalhão do Exército desativado. Dois dos 11 prédios – com 454 apartamentos cada um – que estavam sendo construídos para quem ficou sem moradia tiveram as obras paralisadas devido a rachaduras na estrutura. Com isso, a entrega dos imóveis, prevista para junho, foi adiada. Cada prédio custou R$ 2 milhões.

Em Petrópolis, agora, na hora de contar os mortos, a administração atual afirma ter planos para os R$ 106 milhões dos governos estadual e federal que devem entrar nos cofres da prefeitura. “Vamos contratar 500 homens para o trabalho de desobstruir as ruas, limpar a cidade e comprar móveis e utensílios para os desabrigados”, disse à ISTOÉ o prefeito Rubens Bomtempo, que está em seu terceiro mandato. “Vamos fazer também uma vistoria nas casas afetadas para disparar o aluguel social.” Espera-se que não fiquem esquecidos como os desabrigados do Morro do Bumba.

Fotos: MARCOS DE PAULA/ESTADÃO CONTEÚDO; Masao Goto Filho/Ag. IstoÉ