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Mesmo depois de julgado pelo Supremo Tribunal Federal, o chamado processo do mensalão continua a provocar polêmicas. Muitos acreditam que as penas impostas a empresários, banqueiros e à antiga cúpula do PT, principalmente ao ex-ministro José Dirceu, possam servir como um divisor de águas em relação ao sentimento de impunidade ainda reinante no País. Outros definem o processo conduzido pelo ministro Joaquim Barbosa como um atentado ao estado democrático de direito, falam em ditadura do Judiciário e chegam a assegurar que o desvio de recursos públicos para compra de parlamentares em troca de sustentação política no Legislativo nem sequer existiu. Diante desse antagonismo, é desafiador deixar de lado as paixões políticas e chegar a uma conclusão isenta sobre o que realmente significou todo o processo e julgamento da Ação Penal 470. Para quem tem interesse em aceitar esse desafio, o livro “A Outra História do Mensalão – As Contradições de um Julgamento Político”, do experiente jornalista Paulo Moreira Leite, diretor da sucursal de ISTOÉ em Brasília, é uma ferramenta da qual não se pode abrir mão.

Desde que o esquema de corrupção foi denunciado pelo ex-deputado Roberto Jefferson, Moreira Leite acompanha passo a passo o escândalo: os trabalhos da CPI dos Correios, as investigações da Polícia Federal, a ação do Ministério Público, os embates entre os ministros do STF e as artimanhas dos melhores criminalistas do Brasil. Nada saiu do foco do autor. O jornalista compara seu trabalho no caso ao esforço de um correspondente de guerra que, mesmo sem patente militar, procura compreender e narrar grandes batalhas. Criterioso, contextualizou todos os lances do processo e, com o rigor adquirido ao longo de 40 anos de carreira, conseguiu separar de forma muito clara o que é fato, interpretação e opinião. Assim, o leitor tem todo o instrumental necessário para firmar sua própria convicção, ainda que essa seja diferente daquela a que chegou o jornalista. Moreira Leite em nenhum momento nega a possibilidade de ter havido corrupção, mas se diz convencido de que  as principais acusações não se sustentam nas investigações realizadas e reclama da falta de corruptores no banco dos réus.

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ISENÇÃO
O livro reúne mais de 40 textos que o jornalista
publicou em seu blog durante o processo no STF

“Tratei do mensalão como um jornalista deve tratar suas reportagens”, diz Moreira Leite. “Observei os fatos com profundidade, curiosidade, desconfiança e independência.” Didático, com um texto fluente e leitura fácil, “A Outra História do Mensalão” não trata a Ação Penal 470 como um compêndio jurídico, embora abra espaço para toda a argumentação usada por procuradores, advogados e ministros da mais alta corte de Justiça do País e até busque referências e analogias em outros processos que tramitaram no mesmo STF e até nas cortes americanas. O jornalista descreve de forma absolutamente isenta, por exemplo, como o Supremo Tribunal Federal tratou de forma desigual dois casos muito semelhantes: o mensalão e o chamado mensalão mineiro, ou mensalão tucano. O primeiro, com todos os réus julgados no STF, e o último, desmembrado, com parte de seus atores a serem julgados pelas instâncias inferiores, ganhando assim maiores possibilidades de futuros recursos. O confronto dos dois casos divide juristas e políticos. A diversidade de opiniões está retratada no livro e a conclusão do autor também. Mas acima de tudo estão colocados os fatos.

Perante tanta polêmica escancarada ao longo dos quatro meses e 53 sessões do STF, muito se questionou sobre o papel dos ministros, uma vez colocados diante dos elementos colhidos durante sete anos de investigações. A essa discussão, Moreira Leite agrega uma importante contribuição. O livro relata a experiência de Oliver Wendel Holmes, juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos entre 1902 e 1932 e um dos mais influentes juristas americanos. Ele ensina que é papel dos juízes “fazer o possível para aplicar a lei em vez de tentar fazer justiça”. Durante sessão da Suprema Corte, cansado da oratória de um jovem advogado que insistia para que os magistrados desconsiderassem o que expressamente dizia a legislação e fizesse justiça, Holmes o interrompeu e disse: “Este é um tribunal de direito e não uma corte de justiça.”

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"É papel dos juízes fazer o possível para aplicar
a lei em vez de tentar fazer justiça"

Oliver Wendel Holmes, juiz da Suprema Corte dos EUA entre 1902 e 1932

No caso do mensalão, prevaleceu, segundo o jornalista, a tese, muitas vezes verbalizada pelos ministros, de que “a Constituição é aquilo que o Supremo diz que ela é”.
Ao longo das 350 páginas do livro, Moreira Leite reproduz os 37  artigos que publicou durante o julgamento em seu blog Vamos Combinar, atualmente hospedado no site da revista ISTOÉ. No ar desde 2006, trata-se de um dos mais respeitados blogs de política do País. Ao longo desses anos, jamais contou com patrocínios públicos ou privados, o que lhe assegura a independência necessária para um trabalho isento. No final do livro, Moreira Leite faz uma análise do que pode representar o julgamento da Ação Penal 470 para os próximos anos. Estará o País mais perto de um efetivo combate à corrupção ou estamos diante de uma armadilha que poderá desembocar em ditadura do Judiciário? Uma leitura atenta permitirá a cada leitor chegar a sua própria resposta.

Lançado na segunda-feira 18 em São Paulo, “A Outra História do Mensalão” já figura nas listas dos livros mais vendidos do País. A partir desta semana, o jornalista dará início a uma série de lançamentos em diversos Estados. O próximo será no Rio de Janeiro na segunda-feira 25.

Fotos: Adriano Machado; Roberto Castro/AG. ISTOÉ