A maioria dos críticos americanos de arte já ficou rouca de tanto repetir em coro que Jackson Pollock (1912-1956) é um dos maiores expoentes da pintura do país. Seus conterrâneos não tão familiarizados com artes plásticas, no entanto, costumam discordar. Segundo a percepção popular, até mesmo uma criança de três anos consegue pintar quadros como os dele. E quem vê o caos colorido de tinta borrifada sobre a tela custa a discordar desta impressão. O problema é que, nesta tarefa de pingar freneticamente, ninguém foi tão genial quanto Pollock, considerado o artista pioneiro do expressionismo abstrato. Há método em sua loucura. Um dos propósitos da mostra retrospectiva, em cartaz até dia 2 de fevereiro no Museum of Modern Art (MoMa), em Nova York – a maior já montada sobre ele –, é justamente tentar capacitar a visão do público para descobrir todo o talento do artista cujo conjunto da obra, quando visto coletivamente, guarda surpresas agradáveis.

As 340 telas que ele deixou para trás ao morrer jogando seu carro contra uma árvore definem bem sua lenda, comparada em estatura às mesmas do escritor beat Jack Kerouac e do ator James Dean, que juntos formam a santíssima trindade dos rebeldes dos anos 50. A ascensão artística de Pollock começou quando ele, num dado momento da década de 40, teve a idéia de retirar uma tela do cavalete e colocá-la deitada no chão de seu estúdio em East Hampton, Nova York. Começou então a despejar tinta diretamente sobre ela. Em seguida, pegou um pincel, depois uma vareta, uma espátula e remexeu tudo formando uma densa rede de cores. Mesmo para uma época que havia testemunhado o cubismo e o surrealismo, o resultado foi considerado revolucionário. Estava ali contida toda a violência e desleixo que as pessoas começavam a descobrir ser parte fundamental do mundo. A partir daquele momento, ninguém no estilo seria melhor que Pollock, um depressivo alcoólatra crônico, cheio de rompantes de fúria e autodestruição.

A criatividade vulcânica de Jackson Pollock, na verdade, atingiu o ponto de erupção no curto intervalo entre 1947 e 1952. Foram cinco anos de catarse, que trouxeram à luz obras-primas definitivas como Blue poles: number 11(1952), Number 32 (1950) e Echo: number 25 (1951). Sua ousadia tem inspirado artistas continuamente, façam eles pop-art, arte conceitual ou grafite. Pollock trouxe a liberdade necessária para se tomar vários caminhos distintos num trabalho. Em seis galerias do MoMa estão espalhados 46 trabalhos que culminam com as telas Number 32 e Blue poles: number 11 – este seria o último dos monumentais quadros abstratos do artista, que retorna aos Estados Unidos pela primeira vez, desde 1973, quando foi comprado pela National Gallery of Australia. No mais, não se espere uniformidade no enorme e rico conjunto. Ao contrário, os pingos de tinta evidenciam distintas composições. Trata-se de um caleidoscópio no qual se encontram texturas e emoções variadas. Há também uma seleção de cinco trabalhos feitos no começo dos anos 50, quando Pollock confundiu a crítica e voltou a introduzir imagens figurativas à sua obra.

Analisada em sua amplitude, a exposição determina a evolução do artista rumo a um calculado caos em seus trabalhos. Compare-se, por exemplo, a tela Guardians of the secret, de 1943, com Cathedral, de 1947. Ambas demonstram vigor, mas é possível perceber a técnica mais bem desenvolvida no quadro posterior. Em Cathedral, além da energia descarregada com fúria, nota-se um propósito estabelecido na confluência de linhas traçadas pelo espargir das tintas. Não há nada objetivo, no entanto, para se ver num quadro clássico de Pollock, além do caos colorido. Neles não existem flores, pessoas ou paisagens. Mas todos são inimitáveis. Nenhuma tentativa neste caminho até hoje ganhou o mesmo poder, a mesma força, o mesmo efeito. Esta é a grande diferença entre o trabalho de Jackson Pollock e o que uma criança atiraria na tela.


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