O estúdio fotográfico da revista erótica G, em São Paulo, tem de tudo. Manicure, pedicure, cabeleireiro, maquiador, aparelho de bronzeamento artificial, óleo de amêndoas para o corpo, cêra com mel de abelhas para depilar a virilha e as pernas. Coisas de mulher? Negativo. Ali é território exclusivamente masculino. A publicação é consumida pelo público gay, que cultua corpos de garotões depilados e musculosos. De preferência, heteros. Há um ano, a revista só exibia modelos anônimos. Até que o bonitinho, Matheus Carriere, resolveu posar e elevou a modesta tiragem da publicação para 60 mil exemplares. "Fiz por dinheiro e acho difícil alguém fazer por outro motivo", diz o ator da Record, cujo cachê, não revelado, foi suficiente para ele trocar de carro e de apartamento. Na capa da edição do dia 11 de janeiro, foi a vez do meio-campista do Corinthians Vampeta mostrar seus dotes atléticos, em troca de uma fortuna calculada, extra-oficialmente, em R$ 100 mil e, na semana passada, o ponta-de-lança corintiano Dinei posou no cenário de uma sauna. "Foi fácil. Estou acostumado a ficar pelado em vestiários cheios de gente", explicou Dinei, que topou a proposta por dinheiro e vaidade. "Gosto muito do meu corpo. Como atleta, me cuido muito", comentou. A próxima atração está sendo negociada. É o ator Victor Wagner, protagonista do filme Bocage, de Djalma Limongi.

A nudez masculina parece ser o estágio mais radical do movimento que se chamou nos anos 60 peacock revolution – a revolução do pavão, ou a disposição masculina de assumir a vaidade jogando tinta e brilho no velho guarda-roupa austero. Quatro décadas depois, os homens se permitem até exibir-se em pêlo. Para o psicanalista Alberto Goldin, autor de uma coluna sobre sexualidade no jornal O Globo, os homens tiram a roupa pelos mesmos motivos que as mulheres: vaidade, dinheiro e fama. "O homem sempre foi vaidoso e negava isso. Agora, ele se sente mais livre e é menos rígido."

O nu masculino também invadiu a televisão. A minissérie Labirinto, da Rede Globo, promoveu um festival de peitos, torsos, coxas e bumbuns. Os atores André Segatti, Luciano Szafir, Marcelo Serrado e Fábio Assunção viveram cenas de sexo onde tiraram tudo sem reclamar. Os homens brasileiros nunca estiveram tão à vontade para lentes e câmeras. "Aprendemos a cultivar nossa imagem", teoriza André Segatti, 25 anos, capa da Sui Generis de outubro de 1998. O ator passa horas diante do espelho, faz limpeza de pele e aplica sempre um creme em volta dos olhos antes de dormir. Na sua opinião, mostrar o derrière na tevê ou posar para uma revista gay dá quase no mesmo. "Não estou vendendo meu corpo. Estou investindo no meu trabalho", declara Segatti, que apareceu em Labirinto de costas e de perfil, enquanto a atriz Alice Borges simulava sexo oral.

Em seu primeiro trabalho com nu para a tevê, o modelo Luciano Szafir – 30 anos , 95 quilos, 1,90 metro de altura – viveu pelo menos sete cenas de nudez. "Como meu personagem namorava uma ninfomaníaca, achei cabível. Mas não vamos ser hipócritas. Sabemos que o nu também serve para aumentar a audiência", diz Szafir. Ele usou um esparadrapo cirúrgico sobre o sexo. "Senti tanta tensão que no dia seguinte tinha dores pelo corpo todo", lembra o ator, que hoje se diverte com os efeitos: "As fãs passaram a me olhar com malícia."

Em 1979, quando a fotógrafa Vânia Toledo publicou em livro um ensaio sobre homens nus, a iniciativa foi interpretada como um desafio à repressão dominante. "Foi quase um ato de transgressão política", recorda Vânia. Posaram, entre outros, Caetano Veloso, Ignácio de Loyola Brandão e Ezequiel Neves. Hoje, 20 anos depois, os homens, que já se despem sem precisar de filosofia legitimadora, também não precisam mais disfarçar o prazer de se vestir com apuro. E eles nunca se dedicaram tanto à moda. Nos anos 60, só os loucões ousavam enfeitar-se. "Agora até os mais conservadores o fazem", ressalta o sociólogo Dario Caldas, organizador do livro Homens – comportamento, identidade, crise, vaidade. O consumo é prova disso. Os guias de moda masculina viraram best seller e as griffes para homens faturam alto. A nova atitude estende-se aos cosméticos, às cirurgias plásticas, aos tratamentos de beleza e, por que não dizer, ao espelho. Hoje, gente como o empresário gaúcho Emílio Casani, 40 anos, encomenda às lojas roupas e acessórios de marcas como Gucci, Prada ou Dolce & Gabana, pinçadas de revistas estrangeiras. "Sei o que quero", diz o empresário, que recebe a vendedora e uma arara de roupas no escritório, em Porto Alegre. "Eu era conservador, hoje meu estilo é contemporâneo", define. Rui Fragoso, 42 anos, presidente do Instituto dos Advogados em São Paulo, descreve-se como clássico e sóbrio até em função de sua profissão. Depois de 20 anos com ternos iguais, feitos pelo mesmo alfaiate, revolucionou o guarda-roupa com modernos ternos italianos Ermenegildo Zegna e gravatas Gucci. "Apesar de ter muita atividade intelectual, cultivo a vaidade. Gosto de me apresentar bem."

barbeiros Na opinião de Wanderlei Nunes, dono do salão Estudio W, em São Paulo, os homens já se acostumaram às delícias dos salões de cabeleireiro. "Hoje eles acompanham as tendências dos cortes, tratam os cabelos, pintam os pêlos brancos no peito, fazem reflexos, mão e pé. E não estão nem aí", diz Wanderlei, que atende famosos como os atores Edson Celulari e Miguel Fallabela. A vaidade dos homens esteve adormecida desde que o dândi inglês Brumel, pai da moda masculina contemporânea, decretou no século XIX que ser elegante era ser discreto a ponto de parecer invisível. Assim, as cores escureceram e o brilho se apagou do vestuário masculino. A vaidade deveria ser disfarçada em displicência. O problema sempre foi estabelecer uma fronteira entre a displicência e o desleixo e evitar tediosas repetições. Na Daslu Homem, em São Paulo, um templo da moda, entre uma taça de champanhe e outra os clientes podem chegar a torrar numa tarde até R$ 20 mil em peças de um completo mostruário das griffes mais famosas do mundo. "Há dez anos, uma loja desse porte para homens seria inviável, porque um tabu barrava os homens", diz Elena Montanarini, diretora da Daslu Homem. "Eles cansaram da mesmice da camisa xadrez e do mocassim. Hoje querem aprimorar a aparência", afirma Dipa di Pietro, gerente de marketing da griffe masculina VR.

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A nova elegância responde à exigência de uma geração de mulheres que recusam homens barrigudos e desleixados, mas também funciona como uma estratégia de carreira. "Os anos 90 trouxeram a cultura da imagem. O homem deve ser e parecer poderoso, sentir-se bem-sucedido. Por isso deve vestir-se bem", diz por telefone, de Milão, Andrea Zegna, um dos donos da griffe italiana Ermenegildo Zegna. "Quando meu avô Ermenegildo visitava Nova York, corria no Central Park, mas não era por vaidade. O homem vaidoso é aquele que corre ao lado de seu personal trainer porque se preocupa com a forma física, com o estilo e a qualidade de vida. Essa é a cultura da imagem", afirma Andrea, que se define um "poquetito" vaidoso.

 

Cartão de visita "Além de competente, hoje o presidente de uma empresa deve também ser lindo", acredita Katya Hochleitner, gerente de marketing da Avon. Uma pesquisa sobre a aparência do executivo brasileiro, realizada em abril pelo grupo Catho, de recrutamento e seleção de executivos, confirma a importância da aparência no trabalho. "Raramente há duas oportunidades de causar boa impressão. Um visual desleixado pode sugerir desleixo no desempenho profissional", diz Thomas Case, presidente do grupo Catho. "A boa aparência facilita a disposição da outra parte para negociar." Assumir a vaidade faz parte de um novo momento do chamado sexo forte. "O homem agora divide seu poder com a mulher e se sente desobrigado de demonstrar força. Em consequência disso, estaria recuperando um prazer perdido ao longo da história", diz o escritor francês Farid Chanoune, que esteve há um mês em São Paulo para falar sobre o tema.

Viva a cosmética O interesse por produtos sofisticados é traduzível em números. A central de atendimentos ao consumidor da Avon recebeu em 1997 5.180 ligações de homens para pedir informações sobre produtos. De 1989 até agora, o número de ligações subiu para 33.750 até agora. Significa que o interesse masculino por essa área aumentou 552%. Entre as principais perguntas estão: o que fazem e como agem os produtos antiidade; o que são e o que fazem os alfahidroxiácido. O empresário carioca Júlio Lopes herdou da ex-namorada Adriane Galisteu o hábito de usar o filtro solar japonês Shiseido com fator de proteção 10. Aos 39 anos, Lopes é um vaidoso assumido. "Só tomo cuidado para não parecer fútil", ressalva. Atento à forma física, corre oito quilômetros por dia, faz esteira e musculação em academia de ginástica. Seus ternos são feitos pelo estilista Ricardo Almeida e seu fraco são os relógios. "Tenho vários, Cartier, Rolex e Bulgari, que uso de acordo com a roupa que visto", diz.

Os dermatologistas também notaram que algo mudou. São procurados pelos maridos de suas clientes. "Nos últimos cinco anos minha clientela masculina subiu de 1% para 40%", diz o médico carioca Walter Guerra Peixe, especialista em medicina estética. Cabelo, barriga e rugas são as grandes preocupações dos homens. "Muitos me perguntam o que podem fazer na pele antes de partir para a plástica, diz ele. "O cuidado com a alimentação aumentou muito, assim como a procura de tratamentos contra a flacidez, como a mesoterapia e o ultratone – choquinhos que enrijecem a musculatura", diz. Nas academias de ginástica, a presença masculina é cada vez maior e muitas, a exemplo da Triatlon, em São Paulo, criaram aulas específicas para abdômens masculinos "De 100 homens que passam por nossa avaliação física, 90% querem perder a barriga, ficar mais magros e mais definidos", diz Claudia, da Triatlon. O engenheiro Sergio Ferreira, 40 anos, pratica jiu-jítsu, musculação e exercícios abdominais. "Aparência é um trunfo profissional e pessoal. Estou 100% sem barriga, mas sigo uma dieta com baixo teor de gordura", afirma.

O ator Antônio Grassi acredita que é mais vaidoso quem enfrenta mais imperfeições. Ele já fez praticamente todos os tratamentos de pele disponíveis no mercado. "Minha pele tem graves problemas, por isso estou sempre atentíssimo às novidades", confessa. Cliente do cabeleireiro paulista Wanderlei Nunes, Grassi frequenta uma salinha reservada de que o profissional dispõe. "Os homens gostam de privacidade na hora de se cuidar", diz Wanderlei.

 

Depilação e lipo A privacidade é mais procurada ainda na hora da depilação. Homens insatisfeitos com excesso de pêlos fazem depilação definitiva nas costas, no tórax e até na barba, que, apesar da paciência que exige, é um símbolo de virilidade. O médico Arthur Tykocinski faz a depilação com o método lightskin – luz de alta energia que atravessa a pele atingindo a raiz do pêlo. "Ela atua como um flash de máquina fotográfica, em segundos é capaz de eliminar centenas de pêlos, sem ferir a pele", diz. Cliente de Tykocinski, o administrador de empresas Urânio Bonoldi, 36 anos, que tinha de se barbear no mínimo duas vezes por dia por causa da barba cerrada, ficou felicíssimo com duas sessões de depilação. "Às seis da tarde eu já estava com aquele aspecto de barba por fazer. Demorava até 20 minutos para me barbear. Agora, mais de 70% da minha barba foi eliminada e faço uma vez ao dia em cinco minutos.

Na área da cirurgia plástica, liftings, lipoaspiração na barriga e implante de cabelo são bem requisitados. O cirurgião plástico Henrique Radwanski, da clínica Ivo Pitanguy, no Rio, conta que nos últimos quatro anos a frequência masculina nos consultórios cresceu 30%.

A escritora Faith Popcorn, especialista em previsão de tendências chama de "homencipação" a mudança de atitude masculina que liberou a vaidade. No livro Click –16 tendências que irão transformar sua vida, seu trabalho e seus negócios no futuro, ela cita que os gastos dos homens americanos com cosméticos passaram de US$ 25 milhões para US$ 55 milhões anuais, nos últimos anos. "A homencipação permite que os homens sejam mais livres, mais sentimentais e dispostos a experimentar coisas que não podiam", descrevem Faith e sua co-autora Lys Marigold. Em outras palavras, a idéia é, também, viver o que mulheres já fazem há mais tempo. "Os homens estão se enfeitando, apertando e encolhendo a barriga", relata a escritora. "Essa é uma tendência para os homens que não se limitam a cuidar de negócios e são livres para exercer sua individualidade" conclui. Inclusive diante do espelho.


Colaboraram: Celina Côrtes (RJ) e Luciane André (produção)


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