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Carnificina: em menos de um mês, morreram no levante quase 100 soldados americanos e 500 iraquianos

Só pode ser por teimosia, para não dizer outra coisa. Mesmo com a espiral de violência que matou neste mês pelo menos 500 insurgentes iraquianos e cerca de 90 soldados americanos, sem contar os civis, o presidente americano George W. Bush insiste em que haverá transferência de poder no dia 30 de junho para um governo interino que, supostamente, marcará eleições livres para 2005. “Nós acreditamos na força das sociedades livres. É a liberdade que cura. É por isso que, quando dizemos que iremos fazer algo no Iraque, nós o fazemos”, disse Bush sobre a suposta “libertação do Iraque” em coletiva em Washington, na sexta-feira 16, ao lado do primeiro-ministro britânico Tony Blair. Antes da coletiva, Blair chegou a oferecer mais soldados para o Iraque. Está nos planos da Casa Branca que tropas americanas e aliadas permaneçam no Iraque depois do 30 de junho como uma força multinacional. Mas, ao ser indagado como será a transferência de poder e para qual grupo iraquiano, Bush fugiu da resposta e se limitou a dizer que o povo do Iraque estará “livre da tirania e da tortura”. Os dois líderes também não foram claros quanto ao verdadeiro papel das Nações Unidas a ser estabelecido a partir de 1º de julho. O jornal Washington Post, inicialmente favorável à guerra contra o Iraque, afirma em seu editorial que “Bush deixou passar a oportunidade de explicar o que será necessário para que o Iraque se torne estável e livre”. Washington já enviou 130 mil soldados, e nos próximos meses deverão chegar mais 20 mil e a calmaria parece estar a léguas e léguas de distância. Portanto, fica a questão se esse contingente militar será suficiente para colocar em ordem o país que vive essa crescente espiral de violência. E mais. Como será restabelecido o caminho do diálogo, dilacerado com a união dos insurgentes sunitas aos radicais xiitas, que antes da queda do ditador sunita Saddam Hussein eram inimigos?

Militarismo – As soluções estão sendo militares, porque as tentativas de
acordo fracassam. Para tentar reprimir a intifada xiita que acontece no sul
do país, sob o comando do extremista muçulmano Muqtada al-Sadr, as tropas americanas cercaram a cidade sagrada de Najaf, reduto dos xiitas a 160
quilômetros de Bagdá. Al-Sadr, acusado pelo governo americano de colaborar
com os terroristas do Hamas e do Hezbollah, exige a retirada das tropas americanas e que sua milícia Mehdi seja preservada. Ele chegou a dizer que sacrificaria sua vida em prol do povo iraquiano. Em resposta, os EUA iniciaram sua caça. Em Kufa, na sexta-feira 16, ele negou que haja negociações com os EUA e desafiou Washington a matá-lo. O jovem líder disse que, “se for morto ou detido, o povo iraquiano vai saber como responder com a força e a severidade”. É certo que a morte de al-Sadr seria como colocar gasolina na fogueira.

Luca Zennaro/EFE

Quatrocchi: italiano morto pelos rebeldes iraquianos

O arquiinimigo Irã (majoritariamente um país xiita) está tentando mediar a revolta xiita no sul. Mas, antes mesmo de qualquer negociação com os clérigos e o Conselho do governo iraquiano, o diplomata iraniano Hossein Sadeghi foi brutalmente assassinado por franco-atiradores. A insegurança no Iraque é tal que nem o enviado da ONU, Lakhdar Brahimi, teve como deixar a capital Bagdá. Brahimi está tentando apresentar um novo plano às lideranças iraquianas, que seria a dissolução do governo interino atual para um novo, com um presidente, dois vices e um primeiro-ministro. Mas o representante da organização internacional é visto com desconfiança. “A ONU é pau mandado da América”, disse o líder sunita Abu Hanifa. Em Fallujá, cidade reduto dos sunitas fiéis a Saddam Hussein, aproximadamente 2,5 mil soldados americanos fazem um cerco em resposta ao levante sunita. A repressão aos iraquianos foi uma resposta à morte dos quatro mercenários americanos, e a trégua estabelecida nos últimos dias é sólida como gelatina.

Para agravar ainda mais o quadro, o Iraque vive uma onda de sequestros de ocidentais. Foram 40 sequestrados de 13 nacionalidades: jornalistas, diplomatas e até empregados de empresas de países que apoiaram ou não a guerra. Entre eles estavam dois soldados e sete civis americanos. Na sexta-feira 16, o Exército dos EUA recebeu uma fita de vídeo em que um homem mantido como refém se identifica como soldado americano. O segurança italiano Fabrizzio Quatrocchi foi assassinado no mesmo dia em que três japoneses e um jornalista francês foram libertados pelos rebeldes. Assustados, os russos batem em revoada. Moscou enviou a Bagdá sete aviões para, em dois dias, retirar 553 russos e mais de 200 pessoas de
ex-repúblicas da antiga União Soviética