Lindsay G. Traynham/EFE - Bio Barreira

Celso Amorim: “Nossa intenção foi priorizar acesso a mercados. Os europeus, ao contrário dos americanos, aceitaram essa linha”

O Brasil e seus parceiros do Mercosul vão poder exportar para a Europa produtos agrícolas, como suco de laranja, café solúvel, açúcar, óleo de soja, etanol, trigo, e carnes de boi, porco e frango, entre outros, com tarifas mais baratas e cotas maiores. Essa é a principal novidade da oferta que a União Européia apresentou na quinta-feira passada ao Mercosul para negociação rumo à criação do segundo bloco econômico mundial. A nova oferta, desatando o nó da questão agrícola, é o item que faltava para colocar na reta final as negociações para a formação, até outubro, da poderosa área de livre comércio entre Mercosul e UE. Para o ministro das Relações Exteriores, embaixador Celso Amorim, o sucesso das negociações se deve à prioridade dada pelos dois lados ao acesso a mercados. “Nossa intenção sempre foi trabalhar dentro das regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) e priorizar o acesso a mercados para bens e serviços. Os europeus, ao contrário dos americanos, aceitaram essa linha e deu certo.”

Um dos entraves da negociação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), que deveria entrar em vigor em 1º de janeiro de 2005, é exatamente a intransigência americana em não aceitar discutir subsídios agrícolas. O cronograma acertado em dezembro do ano passado entre o Mercosul e a União Européia prevê outubro como prazo para assinatura do tratado e entrada em vigor no novo e poderoso bloco comercial. Uma solução para a questão agrícola, de acordo com o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, poderá destravar outros impasses do comércio mundial. “Um acordo entre esses dois blocos vai refletir na Organização Mundial do Comércio (OMC). E será a vez da última pedra do dominó cair, a Alca”, diz o ministro. Na verdade, a questão agrícola ganha importância vital e estava sendo um fator de entrave às negociações porque o Mercosul é um grande produtor e exportador de produtos agropecuários. O novo bloco será muito grande também nos setores industriais, de bens, serviços e investimentos. O Mercosul vai regulamentar o setor de serviços, facilitando a entrada de empresas da UE nos setores de telecomunicações e financeiro, por exemplo. Está prevista uma liberalização dos investimentos externos ao Mercosul, trazendo uma substancial injeção de recursos na moeda mais forte do mundo, o euro. Isso será, sem dúvida, o empurrão que faltava para a retomada do crescimento, especialmente no Brasil e na Argentina. Para se ter uma idéia do tamanho do mercado que será aberto de parte a parte, no setor de bens, dos 9.200 itens sujeitos a impostos de importação no Mercosul, nada menos que 8.000 deverão ter os impostos reduzidos a zero em no máximo seis anos, e não em dez como previa a proposta original. Os produtos importados que teriam alíquota zero em três anos passarão a ficar livres do imposto assim que o bloco entrar em vigor.

A concessão não será apenas do Mercosul. Do lado europeu, haverá um cenário semelhante, criando um poderoso estímulo às importações brasileiras. Setores como o automotivo, siderúrgico, químico e farmacêutico, por exemplo, já estão com tudo acertado rumo ao mercado comum. Nas áreas onde havia restrições a produtos agropecuários brasileiros, a mudança proposta pelos europeus deverá, em poucos anos, mudar o rumo das exportações brasileiras. O caso do suco de laranja, por exemplo, é exemplar. Nos Estados Unidos, o produto é taxado em 55%. Com o mercado europeu aberto, a saída será mudar a rota dos navios. Outra novidade importante é a exportação de óleo de soja. A produção do óleo e de todos os derivados da soja não-transgênica era feita lá, permitindo às empresas européias obter grandes lucros. Com a mudança prevista, o Brasil poderá fazer a industrialização e exportar produtos com maior valor agregado, faturando muito mais. No troca-troca da redução de impostos, uma boa novidade para quem gosta de bons vinhos e queijos. Esses produtos chegarão da Europa mais baratos.