Até os ascensoristas do prédio do Banco Central (BC), em Brasília, já sabiam: a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), encerrada na quarta-feira 14, terminaria com um corte de 0,25 ponto nos juros básicos da economia (a taxa Selic). Em março, o resultado foi idêntico, o que levou nove entre dez analistas a apostar no repeteco. Os juros foram fixados em 16% ao ano. Em janeiro, estavam em 16,5%. Um próximo corte só será possível na reunião de maio, marcada para os dias 18 e 19. Até meados do quinto mês do ano, portanto, apenas 0,5 ponto terá sido eliminado pelos diretores do BC que formam o comitê. Ao longo do ano passado, marcado por uma pressão sem precedentes por uma política monetária mais flexível, dez pontos evaporaram.

O novo corte pouco efeito terá sobre a atividade econômica, assim como a queda de março também praticamente não foi sentida “nas ruas”. O ritmo de 2004 é definitivamente outro. Não há mais margem para cortes abruptos dentro da lógica do BC, preso que está a um compromisso inabalável com a estabilidade da moeda. A taxa real de juros, descontada a inflação, permanece em torno dos 10% ao ano, uma das mais elevadas do planeta. Chamem o Copom de insensível às demandas sociais, gritem em nome de um impulso no consumo, esperneiem em busca de incentivo à produção, nada tirará a instituição de seu curso conservador.

Quem mesmo assim ainda acredita que o crescimento virá do condão política monetária deve prestar atenção nas declarações do próprio comandante dela, o presidente do BC, Henrique Meirelles. Em entrevista ao jornal O Globo da quarta-feira 14, Meirelles disse considerar um erro cobrar crescimento da instituição que dirige. O compromisso do BC, segundo ele, é criar condições positivas para a economia se desenvolver. Mesmo se isentando de responsabilidades, o executivo garante que o País está na rota do crescimento sustentado desde o ano passado. Mudanças na política econômica? Nem pensar. Até agora, segundo ele, as sugestões de mudança só englobaram “receitas velhas”, desgastadas pelo mau uso ao longo das décadas de desvario econômico.

A percepção de que o País terá de conviver mesmo com a política restritiva de juros e, mesmo assim, encontrar uma forma de crescer já havia surgido numa reunião de empresários com o presidente Lula, no Palácio do Planalto, na terça-feira 13. Liderados por Armando Monteiro Neto, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), eles deixaram com Lula um documento intitulado “Uma agenda pró-crescimento para 2004”. A reclamação contra os juros altos está registrada logo no terceiro item da pauta. Mas, no parágrafo seguinte, a CNI adota um tom bem distante da histeria que marcou as reclamações ao longo de 2003: “Desenvolver iniciativas que não anulem os resultados positivos da política macroeconômica, mas abram novas perspectivas para a economia é o principal item da agenda de curto prazo.”

Sobraram críticas aos bancos, segundo relatos de participantes do encontro com Lula. A avidez das instituições financeiras em adicionar seu quinhão de lucro à taxa básica (o que, em linguagem técnica, é conhecido como spread) foi eleita a vilã da temporada. As sugestões da agenda passam ainda por medidas que facilitariam os investimentos, com menos burocracia e menos tributos. Algumas, como a adoção de uma política industrial e a priorização dos investimentos em infra-estrutura, já são prioridades governamentais, ao menos no discurso.

O ritmo da atividade econômica nos próximos meses vai responder ao dilema: Meirelles está certo e conseguiremos crescer com taxas altas de juros ou estamos condenados a mais um longo período de crescimento medíocre da atividade econômica? Alguns sinais positivos aparecem eventualmente, como o crescimento de 2,6% da indústria paulista em fevereiro, em relação ao mesmo mês do ano anterior, segundo registro da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Nada que garanta, de forma cristalina, que estamos na rota do desenvolvimento, como quer Meirelles. O desemprego não cede e continua a atingir um em cada cinco brasileiros economicamente ativos nas regiões metropolitanas. Política monetária, já sabemos, não enche o prato de ninguém.