Contrariando a firmeza com que, há 14 anos, a pá do pedreiro cimentou aquele jazigo no cemitério de São João del Rey, nada mais oportuno do que aproveitar a efeméride de um discurso histórico – o que Tancredo Neves pronunciou a 15 de janeiro de 1985 durante a última eleição presidencial indireta da história da República – para ressuscitar algumas de suas palavras. Quem quiser usar a mineirice de Tancredo para justificar a moratória de 90 dias que o recém-empossado governador de Minas Gerais, Itamar Franco, anunciou na última semana, então que pince a seguinte frase bombástica: "Nós devemos aos nossos credores dinheiro. Dinheiro se paga com dinheiro. Não se paga dinheiro com a fome, a miséria e o desemprego dos cidadãos brasileiros." Exemplo único de mineiro que passou pelo Palácio do Planalto antes de ocupar o Palácio da Liberdade, Itamar talvez se fie nestas palavras de seu antigo desafeto na política estadual para decretar o enfrentamento com o governo federal.

Como discurso, a moratória rende dividendos políticos imediatos: num só golpe, Itamar denuncia um pretenso fracasso financeiro do governador que sai, aglutina a simpatia de colegas de outros Estados às voltas com o pagamento de dívidas com a União e se torna a voz alternativa à política econômica recessiva deste início de segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. Mas Itamar deveria continuar a ouvir Tancredo e quem quiser usar uma frase do antigo presidente para defender o novo, então que pince a seguinte: "A moratória não resolverá nenhum dos problemas financeiros do Brasil." Como ato administrativo, a decisão de Itamar é nula. Nos acordos assinados com a União, o governo federal tem garantias suficientes para fazer Minas – ou qualquer outro Estado – honrar os compromissos assumidos pelo governo anterior e aprovados pela Assembléia Legislativa. Basta querer fazer, e aí Fernando Henrique pode novamente se inspirar em Tancredo para escolher o caminho a seguir.

Se o presidente capitular diante do temperamento de Itamar, e não executar os pagamentos contratados, então que ceda com a seguinte frase: "É mais fácil eu deixar de ser presidente a ser presidente da República imperial." É algo que se coaduna com o estilo moderado de Fernando Henrique. Se mantiver a intransigência que a lei, a unidade federativa e a prudência política recomendam e se impõem, FHC pode ser duro com Itamar sem agredir seu jeito temperado. "Venho em nome da conciliação, mas o entendimento nacional não exclui o confronto de idéias." Basta ouvir Tancredo.


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