Uma anedota conhecida nos meios pedagógicos conta que um homem foi congelado por muitos séculos e, ao despertar, espantou-se com a existência de carros, aviões e computadores. Só reconheceu uma cena igual à de sua infância quando entrou numa sala de aula e reencontrou as carteiras, a lousa, o professor falando. Mas as inovações anunciadas pelo Ministério de Educação para o ensino médio (antigo colegial) e as mudanças iniciadas há um ano no ensino fundamental (antigo primeiro grau) começam a dar uma cara mais contemporânea às escolas. Ainda se vai falar nos afluentes da margem esquerda do Amazonas, mas, cada vez mais, os temas acadêmicos estarão relacionados aos assuntos da vida, como violência, trânsito e sexo. "A escola não pode mais ser uma enciclopédia, com cada matéria em uma caixinha separada", explica o secretário de Ensino Médio e Tecnológico, Ruy Berger Filho. "O ensino médio tem de ajudar o aluno a entrar da vida adulta amparado por habilidades e conhecimentos."

Entre as linhas de conduta divulgadas pelo governo figuram nomes complicados e conceitos lógicos. Decidiu-se, por exemplo, que o ensino deve ser interdisciplinar e contextualizado: os conhecimentos de cada área devem ser utilizados na produção de projetos comuns e os alunos precisam saber como aquilo que estudam tem a ver com o que vivem. Decidiu-se também que em vez das divisões convencionais por matéria – Português, Matemática, História e Geografia –, os conhecimentos vão ser agrupados em áreas, para permitir mais autonomia às escolas. As áreas se chamam, por exemplo, "Linguagens, Códigos e suas Tecnologias" ou "Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias". Mas há utilidade sob esses nomes pomposos. "Assim, um colégio cujos alunos já usam computador não precisa ter uma matéria chamada Informática e pode limitar-se a usar sua linguagem nos trabalhos de outras disciplinas", explica Berger. "Os conhecimentos das velhas matérias estarão nos currículos, mas colocados onde os educadores julgarem mais conveniente." Outras inovações: o ano letivo passa a ter 200 dias, em vez de 180, e as escolas usarão 25% desse tempo com matérias optativas. Há liberdade para diversas interpretações.

No colégio Friburgo, em São Paulo, as matérias optativas incluem História da Arte, Arquitetura, Cálculo, Espeleologia e Xadrez. E a partir deste ano, da quinta série do ensino fundamental até a terceira do ensino médio, haverá um semestre de trabalho comunitário. O colégio Oswald de Andrade, também de São Paulo, adicionou ao seu cardápio de opcionais Tecnologia de Transportes, Matemática Financeira e História das Américas. No colégio D. Quixote, de 450 alunos, em Jacarepaguá, no Rio, além de uma oficina de jornal, cuja produção deságua na seção teen de um jornal carioca, os estudantes poderão recorrer a um plantão permanente de língua portuguesa. Em escolas modernas como essas, já se trabalhava na direção proposta, embora em menor escala. "A lição mais importante que podemos dar hoje é ensinar a pensar, pois a informação está disponível em toda parte", diz a diretora do D. Quixote, Amélia Lacombe. Nas escolas tradicionais e nas mais carentes, as mudanças demorarão mais. "A estimativa é de que em cinco anos a reforma do ensino esteja implantada em todo o País, mas até que se consolidem deve levar uma década", diz Maria Helena Guimarães, diretora do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais do Ministério. Na rede pública estadual de São Paulo, onde 100 mil professores de ensino fundamental passararam por uma reciclagem em 1998, a não ser pelas aulas de língua estrangeira não haverá mudanças notáveis no ensino médio este ano. "Mas os alunos vão ver é uma nova qualidade nas aulas", garante Vera Wey, da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas da Secretaria de Educação. A professora Zaia Brandão, do Departamento de Educação da PUC-Rio, olha com algum ceticismo a animação reinante: "Muito poucas escolas saberão fazer de imediato um currículo flexível", ela diz. "Afinal, qualidade não se improvisa e não se muda cabeça de professor num passe de mágica." Para que a transformação aconteça, o professor tem que abdicar do papel de única fonte do saber para se tornar um mediador. Muitos talvez resistam. Mas vão ficar para trás.

Colaborou Rachel Melo (DF)