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NOVOS RUMOS
O papa argentino deverá nomear mais cardeais do Terceiro Mundo e,
assim, reduzir a influência dos europeus nos destinos da Igreja

Em seu primeiro discurso já como papa no Vaticano, Francisco foi sintético e eloquente no que disse. Depois de ser ovacionado pelas dezenas de milhares de fiéis que o aguardavam molhados de chuva na Praça São Pedro, o pontífice deu boa noite e logo anunciou. “Vós sabeis que o dever do conclave era dar um bispo a Roma. Parece que os meus irmãos cardeais foram quase ao fim do mundo para buscá-lo. Eis-me aqui!” Teria sido um esforço para neutralizar, nessas três frases, a piada que muitos dos membros da eurocêntrica Igreja Católica já estavam prontos para fazer? É possível. Nascido em Buenos Aires, na Argentina, Francisco, o primeiro papa latino-americano, representa ruptura sem precedentes na estrutura de uma das instituições mais conservadoras do mundo. Um legítimo homem do fim mundo. “Sua escolha é atípica e manda um recado claro: a Igreja finalmente entendeu a necessidade de superar a Europa e pensar a instituição de forma verdadeiramente internacional”, diz Fernando Altmeyer, professor do departamento de teologia e ciências da religião da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. “É o começo do fim do eurocentrismo na Igreja.”

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PRESENÇA NO ORIENTE
Artista indiano esculpe rosto do novo papa da praia de Puri 

Já não era sem tempo. Desde o começo do século XX, o eurocentrismo vinha cegando a Igreja para o rearranjo na distribuição do rebanho católico pelo mundo (leia mais à pág. 76). Nos últimos 100 anos, só na Europa, a queda no número de fiéis foi tão expressiva que especialistas já contam o Velho Continente como carta fora do baralho no futuro da Igreja. Entre 1970 e 2012, por exemplo, a proporção de católicos na população caiu de 38,5% para 23,7%. Enquanto isso, no continente africano, no mesmo período, a fatia de fiéis da Igreja de Roma saltou de 6,8% para 15,2%. “São mudanças importantes que tiveram pouco ou nenhum impacto sobre a escolha de líderes católicos com cargos no Vaticano”, diz Altmeyer. “Como instituição, a Igreja continuou privilegiando europeus para essas funções.” E a composição do colégio cardinalício é exemplo disso. Com 207 cardeais, ele tem 113 do Velho Continente, sendo 49 só da Itália, contra 30 de toda a América Latina, 20 da Ásia e apenas 18 da África.

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Mais fiéis no brasil

Não há dúvida, porém, que sob o novo papa essa composição deve mudar. Seria o começo, de fato, do fim do eurocentrismo. À medida que os atuais cardeais se aposentarem ou vierem a falecer, é esperado que Francisco comece a indicar mais membros de seu país e região. Foi assim com o papa João Paulo II, que nomeou um sem-número de poloneses, alguns dos quais continuam no colégio. A diferença é que Francisco pode trazer equilíbrio ao colégio, privilegiando a indicação de latino-americanos, asiáticos e africanos – todos sub-representados – e não apenas europeus, super-representados. “Os reflexos, a longo prazo, podem ser, inclusive, de aumento no número de fiéis no Brasil”, aposta Edson Luiz Sampel, doutor em direito canônico e professor da Escola Dominicana de Teologia (EDT).

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SINTONIA
ISTOÉ em sua edição de 20 de fevereiro de 2013 já registrava
a tendência de um papa oriundo do Terceiro Mundo

É o que muitos na Igreja Católica brasileira hoje esperam. Ainda que o Brasil e a América Latina sejam vistos internacionalmente como bastiões desta fé, com 41,3% do 1,2 bilhão de fiéis, a perda de membros para as igrejas evangélicas é um problema sério. Entre 2000 e 2010, por exemplo, o Censo brasileiro registrou um aumento de 61% no número de seguidores dessas denominações. No mesmo período, o número de católicos caiu 1,3%. O professor Altmeyer, da PUC, aponta ainda outro problema que também tem sangrado fiéis do catolicismo na região: o crescente secularismo. “Hoje pelo menos 15 milhões de pessoas se dizem agnósticas ou ateias no País”, afirma ele. O Censo também registra o fenômeno. Entre 2000 e 2010, os sem-religião cresceram 20% e hoje representam 8% da população nacional. Esses dados provam que, mesmo onde a Igreja Católica está bem, há problemas graves a serem enfrentados. Se o papa corresponder às expectativas e der espaço a religiosos de fora da Europa, suas chances de sucesso aumentam. Afinal, está provado que, pelo menos no Vaticano, velhas fórmulas apoiadas em velhas concepções de mundo já não dão mais certo.

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Fonte: AP Photo/Gregorio Borgia; AFP PHOTO/ASIT KUMAR