01.jpg

A renúncia inesperada de Bento XVI, no mês passado, reintroduziu um grande debate dentro da Igreja Católica que, há décadas, ninguém tinha coragem de levar adiante. Apesar de vozes de insatisfação aqui e acolá acenarem para a necessidade de reformas, a grande maioria dos senhores da alta cúpula do Vaticano desconsiderava essa demanda. Mas a corrupção financeira no Banco do Vaticano, os escândalos de pedofilia, as lutas internas na Cúria pelo poder e, por consequência, a saída do papa alemão ligaram de vez o sinal de alerta para os ajustes que o catolicismo precisa encarar para se comunicar melhor com os povos. Muitos deles foram levantados há meio século no Concílio Vaticano II – o evento religioso mais importante do século XX, ocorrido entre 1962 e 1965 – e esquecidos, às vezes de forma intencional, com o passar dos anos pelas autoridades da Santa Sé.

21 concílios

A memória daquele concílio, o último dos 21 que já aconteceram na história, e de suas propostas modernizadoras nunca deixou de provocar debates mundo religioso afora. Só que, agora, com a grande assembleia midiática criada pela renúncia do papa, foram criadas as condições propícias para que voltassem à tona com força. Realizar um Concílio naqueles moldes talvez seja difícil – na época participaram 2.850 religiosos, entre bispos, patriarcas, superiores de ordens e de comunidades religiosas. Hoje seriam convidadas cerca de seis mil pessoas. Mas os temas do Concílio Vaticano II podem ser retomados, segundo teólogos e religiosos. “O concílio marcou uma época e está aí, reprimido, mas nos corações e na fé do povo e de uma infinidade de agentes de pastoral está vivo”, diz o padre José Maria Vigil, espanhol naturalizado nicaraguense, teólogo pela Universidade Pontifícia de Salamanca, na Espanha. O padre José Oscar Beozzo, especialista em história do catolicismo, caminha na mesma direção: “Um concílio é salutar para a Igreja porque devolve a voz a todo mundo. É um processo de cura à centralização do poder no Vaticano.”

Um governo mais descentralizado, em que os bispos e suas dioceses recuperem a autonomia para dar respostas aos problemas de suas localidades em vez de apenas transmitir recado ao papa e esperar Roma deliberar sobre a demanda, como ocorre hoje, é uma das principais mudanças que deveriam ocorrer. Temas discutidos no Concílio Vaticano II, como o papel dos leigos na religião, a ordenação de padres casados, a utilização de meios artificiais para o controle da natalidade, a aceitação do segundo matrimônio, o aborto e o diálogo inter-religioso, entre outros, ganharam fôlego nos dias que antecederam a eleição do papa Francisco ao trono de Pedro.

Papel ativo

Para teólogos e vaticanistas, no topo da agenda do novo pontificado deveria estar a retomada da capacidade da Igreja de falar para as culturas contemporâneas. Afinal, enquanto os costumes e hábitos da sociedade mudam com a rapidez própria de um mundo globalizado, a assimilação desses avanços pelo Vaticano e a reflexão sobre eles ainda caminham na velocidade do início do século passado. “Não percebo na Igreja de 2013 a presença de movimentos renovadores, como havia no final dos anos 50 e começo dos anos 60, antes do Vaticano II, que permitam o surgimento de um novo concílio”, opina o padre e teólogo jesuíta João Batista Libânio. Pelo contrário, o cenário atual da Cúria, onde reina com sobras a ala conservadora formada por bispos selecionados e moldados pelos papas João Paulo II e Bento XVI, não é favorável para as reformas.

É inegável, porém, a necessidade de mudança. A trajetória do papa Francisco é um indicativo de que a Igreja deverá se identificar mais com os pobres – uma opção preferencial nascida no Vaticano II e dizimada nos dois últimos pontificados. Isso pode aproximar a religião dos fiéis que, cada vez em maior quantidade, aceitam se alinhar ao discurso de pastores evangélicos. Mesmo sem a convocação de um concílio, um processo conciliar no qual leigos, bispos e outros religiosos tenham voz mais ativa na Igreja seria salutar para que o canal de comunicação do catolicismo com o mundo, obstruído pela concentração de poder no Vaticano, voltasse a funcionar.

02.jpg

Fotos: Pierluigi Praturlon / Rex Featur