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Francisco Rodrigues Filho acorda todos os dias às 6h, toma banho, arruma a cama e segue para o trabalho, onde entra às 8h. Depois de tomar o café da manhã na empresa, vai para os cartórios, que abrem às 9h. Lá, reconhece firma, autentica documentos. "Aquela coisa normal", sintetiza. Às 10h, parte para os bancos. Faz pagamentos, depósitos. Almoça religiosamente às 13h para, às 14h, reiniciar sua ronda bancária – costuma visitar uns cinco por dia. "Fico na rua até umas 16h30", conta. De volta à base, tira xerox, organiza arquivos ou volta à rua para comprar alguma coisa. "Coisa de boy, né? De superboy", afirma, nada modesto. Rotina típica de milhares de trabalhadores, normalmente mais novos que Francisco, 76 anos completados em abril.

Muitas empresas estão revendo seus conceitos na hora de escolher um auxiliar administrativo – o famoso office-boy – e voltando os olhos para os homens com mais de 60 anos, como seu Francisco. Isso sinaliza uma mudança de parâmetros. Tradicionalmente, elas buscavam jovens com o ensino médio completo ou o superior incompleto para esse tipo de vaga e, com isso, limitavam a procura na faixa etária entre 18 e 30 anos. "Com mais de 60 anos, o sujeito não pega fila em banco, cartório ou fórum e não precisa pagar passagem de ônibus e metrô", explica Luiz Epitácio, presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores Aposentados (SNTA). Epitácio tem razão, mas o interesse das empresas por profissionais mais velhos vai além desses benefícios óbvios.

i71156.jpgHá três anos, quando Jarbas Gonçalves Faria trouxe o septuagenário Francisco Rodrigues Filho para trabalhar como office-idoso na construtora S. Pontes, da qual é sócio, buscava alguém de confiança. Segundo Faria, os concorrentes de Francisco – bem mais jovens – não tinham o preparo e o compromisso que ele exigia de alguém que trabalharia com informações tão vitais para seu negócio. Afinal, é pelas mãos do office-boy que circulam ordens de pagamento, cobranças, dinheiro e documentos oficiais. "O jovem se cansa rápido, não tem muita disposição para lidar com problemas e usa o primeiro emprego como trampolim, o que, de certa forma, é até natural", afirma Faria.

Mesmo aposentado, Francisco tem carteira assinada e todos os benefícios garantidos. "Algumas empresas acham que não precisam formalizar a contratação, pagar fundo de garantia e recolher impostos. Mas é tudo igual", diz Guilherme Gantus, advogado especializado em direito trabalhista. O emprego também ajuda a complementar a renda.

"No fim do mês tenho que pagar segurosaúde, alimentação, luz e outras despesas. Uma força é sempre bem-vinda", afirma Aurélio Saconi, office-idoso de 65 anos que trabalha num escritório de advocacia e costuma declinar de privilégios como filas especiais. "Estou trabalhando como todos os outros. Então, enquanto a saúde permitir, prefiro a fila normal", diz.

i71157.jpgPara especialistas, trabalhar depois dos 60 anos faz muito bem. "O idoso se mantém ativo social e fisicamente e se sente útil", diz Venceslau Antônio Coelho, médico do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP). Mas também existem riscos aos que escolhem a profissão de office-boy na terceira idade. O geriatra lembra que esse serviço exige longas caminhadas por calçadas nem sempre bem conservadas, exposição à chuva, ao sol e ao calor, além de flexibilidade com os horários e os cardápios das refeições. "Em última instância, com o envelhecimento do Brasil e do mundo um novo personagem se apresenta: o idoso que vai trabalhar",diz Coelho. Seu Francisco já é protagonista nesta história.