Carlos Magno

“A questão da tolerância é superpresente nos programas infantis europeus. Estamos
muito atrasados”

Rio de Janeiro vai sediar, de 19 a 23 de abril, a 4ª Cúpula Mundial de Mídia para Crianças e Adolescentes. Durante quatro dias, a programação de televisão do mundo inteiro será discutida à exaustão por pesquisadores, educadores, publicitários e professores de várias partes do mundo. Eles vão se reunir na imponente sede da Escola Naval, na ilha de Villegagnon, centro do Rio. Aumentar a qualidade da programação dos programas infantis e juvenis é a principal preocupação desta 4ª Cúpula, que elegeu o tema “Mídia de todos, mídia para todos” para permear as discussões.

A coordenadora é Beth Carmona, uma paulistana de voz suave que há um ano trocou os Jardins pelo Leblon, no Rio, com a missão de presidir a Rede Brasil (que congrega as TVEs do Rio e Maranhão, além das Rádios MEC AM e FM do Rio e de Brasília) e ampliar o compromisso social da tevê pública no País, atraindo patrocínios. Beth foi um dos destaques da geração que fez da TV Cultura, de São Paulo, um canal com programação competitiva e índices de audiência de grandes canais.

ISTOÉ – O que deve mudar na programação dessa 4ª Cúpula por ocorrer num país do Hemisfério Sul?
Beth Carmona
– Dependendo do lugar onde a cúpula acontece, há uma preponderância dos temas que mobilizam o continente. Na última reunião, que ocorreu na Grécia (as outras foram na Austrália e na Inglaterra), houve certa similaridade com a discussão que estamos tendo no Brasil porque a Grécia se identifica com os países menos desenvolvidos. Foi nesse encontro, em 2001, que a América Latina, a África e a Ásia defenderam uma mesa-redonda batizada de “Mídia de todos, mídia para todos”, que virou o tema da 4ª Cúpula.

ISTOÉ – Esse tema pode envolver países ricos e pobres?
Beth
– A globalização mudou o eixo da discussão. Se, por um lado, ela liberou o acesso, por outro fechou muitas portas porque os conglomerados ficaram ainda mais poderosos. O marco da mudança foi o 11 de setembro e, mais recentemente, o 11 de março, em Madri. A sociedade mudou sua visão de mundo, passou a querer formar gente com melhor cabeça, para se proteger mais. As pessoas desejam uma sociedade mais equilibrada e nisso a mídia tem um papel fundamental. A questão da tolerância é superpresente nos programas infantis europeus. Há uma série em que uma menina americana é levada para viver em um país muçulmano e vice-versa. O Brasil não faz nada disso. Estamos muito atrasados.

ISTOÉ – Qual é o maior desafio para as tevês educativas
Beth
– A situação mudou com as tevês por assinatura. Elas só alcançam uns 10% da população, mas mudaram a concorrência com os canais infantis 24 horas. Pesquisas indicam que, quando tem opção, a criança sempre escolhe a programação infantil. Ainda há os canais comunitários e os universitários. O espectro da programação aumentou e o mercado se dividiu. Acredito que seja possível fazer uma tevê educativa se houver boa vontade dos empresários.

ISTOÉ – A sra. concorda com os que consideram a televisão a maior responsável pelo aumento da violência?
Beth
– A tevê exerce uma forte influência, mas não é a única culpada. É ruim quando a televisão exagera, carrega nas tintas. O desenho japonês Power Rangers é um exemplo. As pessoas estão andando na rua e de repente aparece um monstro. Esse tipo de coisa tira o parâmetro da realidade, cria medo, susto, em um contexto impossível demais. A tevê, a novela, os programas policiais criam uma situação complexa de exacerbação das situações e você fica com medo de sair na rua.

ISTOÉ – Mas isso produz o medo, não necessariamente a violência.
Beth
– A sociedade americana está se armando pelo medo. O Michael Moore diz que, ao incutir o medo, a mídia incita a violência. Nós estamos muito mal na parte regulatória, não temos muita regra. Quem tem a concessão tem a concessão e pronto. Os limites, os deveres, o uso, tudo é muito livre.

ISTOÉ – É possível regular sem censurar?
Beth
– Claro que sim. Há países com marcos regulatórios bem interessantes. Eles não se limitam a dizer o que não pode, mas estimulam o que pode e estabelecem limites, horários, coisas mínimas. A gente sabe que auto-regulação não funciona. O governo deve ter uma política regulatória e deve haver uma sociedade que desligue os canais, pressione. A publicidade precisa ser mais consciente. Se o anunciante é orientado a não botar dinheiro no que é ruim, tudo muda.

ISTOÉ – A mídia tem sido criticada pelo comportamento social, muita liberalidade, muitas cenas quentes nas novelas. A sra. concorda com as críticas?
Beth
– Realmente o Brasil é muito liberal. Em outros países, as pessoas se escandalizam com o que vemos em horário livre aqui. Na Europa ou nos Estados Unidos, não seria possível veicular muitas coisas. Somos um pouco responsáveis pela perda da infância precoce, pela erotização, por adiantar temas que não deveriam estar na preocupação das crianças. Mas, já que isso existe, deveria ser feito com mais responsabilidade.