André Dusek

"É muito fácil culpar os secretários de Segurança, que ficam fazendo no varejo o papel que o governo federal deveria fazer no atacado"

O secretário de Segurança, Anthony Garotinho, recusa a idéia de que há uma crise na Segurança Pública do Rio. No centro do furacão em que a guerra na Rocinha mergulhou a cidade, ele diz que o episódio é isolado e não contém as características de uma crise. Nada parecido, compara, com o 11 de setembro de 2002, quando Fernandinho Beira-Mar dominou Bangu I e paralisou a cidade, ou com as ações sincronizadas do PCC para controlar os presídios paulistas. Mostrando estatísticas que revelam redução em nove dos dez indicadores de criminalidade, o ex-governador cobra ações federais, anuncia a ocupação permanente das maiores favelas e nega que pretenda trocar o cargo por funções menos desgastantes. “Os covardes é que evitam assumir missões difíceis.”

ISTOÉ – Se a polícia foi alertada sobre a invasão da Rocinha, por que não
agiu antes?
Anthony Garotinho –
Há seis meses temos a informação de que, por causa do enfraquecimento dos demais centros de drogas, com a prisão das quadrilhas, uma organização criminosa tentaria retomar a Rocinha. Bloqueamos comboios de diversas favelas em direção à Rocinha, inclusive com 13 mortos em tiroteio. Alguns bandidos entraram pelo Vidigal, vestidos de garis com armas nas latas de lixo, e outros trombaram com a polícia na avenida Niemeyer.

ISTOÉ – Há solução para a crise na segurança pública no Rio?
Garotinho –
A crise não é da segurança, mas localizada na Rocinha, o maior entreposto atacadista de drogas do Estado. O barulho é grande porque a zona sul abriga figuras influentes. Outras situações mais dramáticas, envolvendo populações que não podem expressar seu grito, não têm essa repercussão. No mesmo dia, em São Paulo, morreram seis em uma só chacina e havia 19 corpos da guerra entre garimpeiros e índios de Roraima. Na Rocinha, três civis inocentes foram mortos. Não comparamos a vida, que é um bem precioso em qualquer lugar, mas a repercussão tem sido diferente.

ISTOÉ – Os moradores da Rocinha lamentaram a morte do traficante Lulu por terem mais medo de seu inimigo Dudu. Por que não consideram uma terceira alternativa de poder, a do Estado?
Garotinho –
Quem vai controlar essas áreas é o próprio Estado. A mansão que o traficante construiu com dinheiro sujo e o sangue de muitos jovens servirá para educar adolescentes. Será uma escola técnica. Quanto ao Dudu, terá o mesmo destino de Lulu e de outros. Será preso ou, se tentar enfrentar o Estado, vai pagar com a própria vida.

ISTOÉ – O sr. foi irônico ao responder à oferta de ajuda do governo federal. O deboche não lhe causa um desgaste político?
Garotinho –
Em momento algum fui irônico ou debochado. Tratei e trato o caso com seriedade e responsabilidade.

ISTOÉ – O sr. acha que as Forças Armadas poderiam ser comandadas por um secretário estadual? Não seria uma quebra de hierarquia?
Garotinho –
No Carnaval de 2003 as Forças Armadas atuaram sem problema e, pela governadora Rosinha, teriam permanecido. Os dois maiores problemas do Rio são de responsabilidade federal: drogas e armas. As armas apreendidas na Rocinha eram alemãs e suíças. É muito fácil pôr a culpa nos secretários de Segurança, que ficam fazendo no varejo o papel que o governo federal deveria fazer no atacado.

ISTOÉ – Os militares deveriam ou não combater o crime no Rio?
Garotinho –
Acho que não é o papel deles, mas podemos montar um projeto
no qual algumas unidades, como os pára-quedistas, possam nos ajudar com
seu excelente treinamento. Há um fenômeno importantíssimo que ninguém notou. No Rio está a elite das Forças Armadas, que treina rapazes para usar armas pesadas e depois os dispensam. Vão para onde? Quando prendemos o traficante Nei Facão, chefe da Maré, o segundo dele era um pára-quedista. O chefe do tráfico da Ilha do Governador, que prendemos, era o Marcelo Pqd, pára-quedista. As quadrilhas hoje sabem manejar armas pesadas, conhecem os mecanismos internos das instituições, desviam o armamento e treinam os garotos sem perspectivas das favelas. O governo precisa entender isso e adotar como prioridade do País o emprego. Em seguida, a segurança.

ISTOÉ – É possível acabar com o tráfico de drogas na Rocinha?
Garotinho –
As pesquisas apontam que 7% da população do Rio e de São Paulo é usuária de drogas. A sociedade está doente e precisa ser curada. Nosso papel é desarmar e acabar com as quadrilhas. Contra o consumo, só uma ação firme da família, escola, sociedade.

ISTOÉ – Mas não é possível acabar com as bocas de fumo, que todos
sabem onde ficam?
Garotinho –
É possível e por isso encaminhamos a proposta que o governo federal chamou de inviável. Ocupações temporárias não resolvem porque o tráfico volta. Estamos contratando quatro mil homens para formar um batalhão de ocupação permanente e definitiva das oito áreas mais complexas, incluindo Rocinha, Alemão, Dendê, Mineira-São Carlos e Maré.

ISTOÉ – O sr. planeja deixar em breve a Secretaria de Segurança?
Garotinho –
Não. Só sairei se a governadora pedir o cargo. Estudo segurança desde 1993 e vou lançar um livro no qual apresento soluções nos níveis municipal, estadual e federal. O que mais pode irritar uma população é o jogo de empurra. O indivíduo que sai de casa para trabalhar não quer saber se o bandido é estadual, municipal ou federal. Nessa briga só deveria haver dois lados: o da segurança e o dos traficantes.

ISTOÉ – O sr. deixaria a secretaria para abrir espaço para as Forças Armadas?
Garotinho –
São hipócritas políticos e autoridades que dizem que uso o cargo para me promover. Se há um cargo que ninguém deseja é esse, ainda mais no Rio. Eu poderia ser secretário de Promoção Social para gerir mais de 60 programas, mas resolvi assumir a responsabilidade da qual muitos homens públicos fogem. Os covardes é que evitam assumir missões difíceis. Não sou covarde.