Um dos sonhos da humanidade – o de viver cada vez mais – já é realidade. No Brasil, de acordo com o IBGE, a expectativa de vida subiu de 70 para 71 anos. Mas de que adianta prolongar o tempo de vida sem melhorar a sua qualidade? Qual o prazer de viver 71 ou 85 anos passando os últimos períodos sem andar direito, sem conversar, ou, pior, sem se lembrar do nome do filho ou da esposa? Sem saber que aquele homem ali, em pé, ao lado da cama é seu filho e aquela mulher sua esposa? Viver dessa maneira não traz alegria a ninguém. Por isso, para evitar que a maioria das pessoas chegue à velhice com dificuldades como essas, a ciência se dedica a decifrar o cérebro, o órgão onde são processadas as nossas emoções, onde está guardada a nossa memória e onde começam os nossos movimentos. O objetivo é conhecer cada compartimento dessa máquina. A partir disso, novos recursos são criados para manter o cérebro azeitado, funcionando como a orquestra afinada que é. “O importante é prolongar a capacidade intelectual. Dentro de dez anos, a ciência terá condições de manter boas as funções cerebrais de uma pessoa de até 90 anos”, afirma Edson Albuquerque, professor da Universidade de Maryland (EUA) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E o Brasil está inserido nesse esforço. Se depender do neurocientista Miguel Nicolelis, da Universidade Duke (EUA), dentro de três anos teremos o Instituto Internacional de Neurociência de Natal (RN). O projeto inclui atendimento a doenças mentais, um museu da história da ciência, além de um centro de pesquisa de ponta. “Atuaremos nas grandes linhas da neurociência para contribuir na busca de terapias”, assegura Nicolelis. Enquanto o futuro não chega, conheça os avanços nos tratamentos das principais doenças cerebrais.

Mal de Parkinson

Máx G Pinto

Arte: a pintura auxilia Ilda a superar o Parkinson

No começo, aparecem alguns sintomas. O tremor nas mãos é um deles. Com o tempo, há dificuldades para caminhar e as tarefas do dia-a-dia tornam-se um fardo. É assim que ocorrem as manifestações da doença de Parkinson. O mal é caracterizado por um desequilíbrio na quantidade da dopamina, uma das substâncias que fazem a comunicação entre os neurônios e está relacionada à coordenação dos movimentos. A enfermidade atinge cerca de 145 mil indivíduos no Brasil.

Ninguém sabe exatamente como a doença surge e quem corre mais riscos de desenvolvê-la. Mas existem pistas. Onze genes foram associados à enfermidade. “No futuro, essas informações ajudarão a desenvolver terapias para corrigir os genes com defeito”, disse a ISTOÉ Andrew Lees, da Universidade College London, na Inglaterra, que realiza trabalhos nessa área. Embora não existam respostas para se combater com precisão a doença, é possível conviver bem com ela, desde que tratada de forma adequada.

A medicina investe em recursos para a melhora dos sintomas. Um deles deve chegar em junho. É um remédio, do laboratório Novartis, feito com a combinação de drogas já usadas contra o mal de Parkinson (levodopa, carbidopa e entacapona). Uma de suas promessas é a diminuição dos efeitos colaterais, como movimentos bruscos e involuntários. “Ele parece promissor, mas é preciso ver se funcionará na prática”, diz o neurologista Francisco Cardoso, da Universidade Federal de Minas Gerais. Outro caminho é a cirurgia, indicada para 1% dos pacientes (aqueles com a doença em estágio bem grave). A operação torna inativas áreas cerebrais responsáveis pelos sintomas.

Alguns estudos são muito inovadores. É o caso da pesquisa do neurologista Cícero Coimbra, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Ele analisou mais de 400 doentes com grau variado de dificuldades motoras. Constatou que todos tinham deficiência da vitamina B2. Muitos seguiam dieta rica em gordura animal, principalmente carne vermelha, ou praticavam exercícios pesados. Ao perceber isso, ele resolveu dar cápsulas da vitamina aos pacientes, retirar a carne vermelha das refeições desses indivíduos e recomendou a suspensão das atividades físicas. “Alguns conseguiram novamente dirigir e trabalhar. E os que estavam com a doença em estágio inicial não tiveram mais o problema”, afirma. Coimbra ressalta, porém, que faltam mais pesquisas. É preciso saber, por exemplo, como a carne vermelha contribui para agravar o mal.

Especialistas analisam os resultados com desconfiança. “Há problemas na metodologia usada no estudo, o que compromete seus resultados”, diz Francisco Cardoso. Outra crítica é a de que esse tipo de trabalho induz à crença de que existe uma fórmula mágica para tratar a doença. “E os pacientes deixam de fazer o tratamento tradicional”, alerta o neurologista Henrique Ballalai, da Unifesp. Num ponto os cientistas são unânimes. O tratamento deve ser acompanhado de fisioterapia. “É necessário exercitar as articulações para impedir que a rigidez tome conta do corpo”, orienta o neurologista Egberto Barbosa, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Esse trabalho multidisciplinar é feito na Associação Brasil Parkinson, na capital paulista. Lá, os pacientes fazem fisioterapia, e tomam aulas de canto e de pintura. O resultado pode ser conferido pelo depoimento de quem frequenta. A dona- de-casa Ilda Cury, 83 anos, é uma delas. “Apesar da doença, tenho condições de aprender novas atividades, como a pintura”, conta.

AVC

Dado Junqueira / Ricardo Giraldez

Ajuda: o cantor Sérgio Reis e a dona-de-casa Marina sofreram derrame e tiveram atendimento correto. Estão recuperados

Três horas. Este é o tempo máximo em que deve ser atendida na emergência médica uma pessoa com sinais de acidente vascular cerebral (AVC). Também conhecido como derrame, ele compromete o suprimento de sangue no órgão, lesando o tecido cerebral. Está entre as três principais causas de morte no Brasil. É responsável ainda pela debilitação de muitos pacientes. Dependendo do tipo de AVC, do tempo de socorro e das condições da pessoa, o derrame pode comprometer para sempre a qualidade de vida dos sobreviventes.

Mas existem chances de evitar o mal ou diminuir seus efeitos. Controlar a pressão arterial, manter uma rotina de exercícios e uma dieta equilibrada e reconhecer sintomas são medidas que fazem diferença. A dona-de-casa Marina Lazzari, 73 anos, de São Paulo, é um exemplo disso. Ela sofreu um AVC no ano passado. Habituada a se divertir com palavras cruzadas, um dia notou que as letras saíam em tamanhos diferentes. Marina correu para a emergência. “O derrame foi leve. Quase não tive sequelas”, conta. Ela já retomou seu passatempo.

De acordo com o neurologista Milberto Scaff, do HC/SP, 40% dos casos de derrame levam à morte, 40% dos pacientes sobrevivem, porém com sequelas, e 20% têm recuperação completa. “Isso depende muito de atuar rapidamente”, afirma. Há dois tipos de AVC, o hemorrágico e o isquêmico. O primeiro ocorre quando há rompimento de um vaso sanguíneo. Pode gerar dor de cabeça aguda e súbita e rigidez na nuca. O derrame isquêmico acontece devido ao acúmulo de placas gordurosas, que dificultam a passagem de sangue, ou ao deslocamento de um coágulo que obstrui uma das artérias cerebrais. Ele pode passar despercebido. “Num número significativo de derrames, ao conversarmos com os pacientes percebemos a existência de um AVC anterior. A não-valorização desses indícios permitiu que um evento maior ocorresse”, observa Clovis Francesconi, do Hospital das Clínicas de Porto Alegre.

Para os médicos, identificar os sintomas é vital. “A população desconhece ou confunde os sinais do AVC com outros problemas”, reforça o neurologista Ayrton Massaro, da Unifesp. As consequências são determinadas pela área do cérebro atingida. No caso do cantor Sérgio Reis, 63 anos, que sofreu um derrame em 2002, os problemas surgiram na visão e no braço. “Tinha um coágulo do tamanho de um relógio”, lembra. Reis ficou uma semana na UTI, fez fisioterapia e tomou remédios para dissipar o coágulo. Em 2003, os médicos fizeram um exame para conferir se o cantor estava livre da ameaça de um novo AVC. O resultado apontou que era melhor submetê-lo a uma cirurgia para evitar complicações. “Não tive sequelas. Hoje, acordo, dou risada, rezo e agradeço”, diz.

O tratamento pode ser medicamentoso e cirúrgico. Na fase aguda do AVC isquêmico, por exemplo, uma opção é usar um trombolítico, remédio que dissolve coágulos. Exames de imagem são fundamentais para que se determine a causa do problema. “A tomografia diferencia um derrame isquêmico do hemorrágico. E a ressonância dá uma imagem mais clara da lesão”, explica o neurologista Luiz Manreza, do Hospital São Luiz, em São Paulo. Se for necessária uma operação, o método mais empregado é a angioplastia com stent (espécie de mola que mantém o vaso aberto). Para a recuperação plena do paciente, a fisioterapia é recomendada.

Mas os especialistas buscam novas formas de tratamento. Um dos caminhos envolve a recuperação do que é conhecido como área de penumbra. É a região que fica em torno do tecido cerebral morto. Nela, as células param de trabalhar, como se estivessem num freezer. Uma das abordagens em pesquisa para tratar essa área é ativar neurônios por meio de ondas magnéticas. A idéia é fazer com que essas estruturas ativadas assumam a função de neurônios “perdidos”. A médica Adriana Conforto se dedica a esse campo desde 2000. Ela estuda como se dá o processo de recuperação dos movimentos após um AVC. “Compreendendo melhor esses mecanismos, seria possível tentar criar tratamentos mais eficazes para a reabilitação motora”, declara. mais força para enfrentar o seu drama.

Mal de Alzheimer

Alan Rodrigues

Atenção: Antônio hoje passa seus dias cuidando de Ferdinanda, vítima do mal de Alzheimer, com quem está casado há 37 anos

Entre as doenças que afetam o cérebro, o mal de Alzheimer é uma das mais cruéis. Ela se instala devagar e mina a capacidade do indivíduo de se relacionar com o mundo exterior e consigo mesmo. Ele perde a memória, não reconhece mais o filho, não consegue comer sozinho. A enfermidade faz um milhão de vítimas no Brasil. Principal causa de demência em adultos com mais de 60 anos, o mal de Alzheimer é responsável por alterações de comportamento, de memória e de pensamento.

A doença se caracteriza pela morte gradual de neurônios, as células nervosas do cérebro. As causas desse desastre são pouco conhecidas. Sabe-se que ele está relacionado a um acúmulo de duas proteínas, a beta-amilóide e a tau. Fabricadas em excesso, elas formam placas que sufocam os neurônios, levando-os à morte. Mas ainda se está longe de saber o que leva a essa produção exagerada.

Quando a ciência obtiver essa resposta, aí, sim, se contará com tratamentos mais eficazes. Por enquanto, o que há disponível são drogas paliativas. Basicamente, elas equilibram a presença no cérebro de uma substância importante para o processamento e armazenamento de informações pelo circuito cerebral: a acetilcolina. Por causa da morte progressiva dos neurônios, esse neurotransmissor é produzido em quantidade insuficiente. Os remédios corrigem esse erro. Recentemente foi liberado no Brasil mais um reforço. Trata-se da memantina, composto que atua sobre o glutamato, outra substância associada ao mal de Alzheimer. A substância é indicada para as fases mais avançadas da doença.

Porém, o ideal é encontrar algo que impeça a fabricação anormal das proteínas que levam à atrofia dos neurônios. Uma das esperanças nesse sentido são as vacinas. Elas consistem em remédios que estimulam a formação de anticorpos contra a beta-amilóide. No entanto, os experimentos tiveram de ser interrompidos por causa do surgimento de encefalite (reação inflamatória no cérebro) em alguns participantes. “Mas os estudos serviram para mostrar que as vacinas podem ser uma maneira de combater a doença”, afirma o neurologista Paulo Bertolucci, da Unifesp.

Há outras estratégias em pesquisa. Uma delas é o uso de células-tronco, com capacidade de desempenhar a função de outras células do organismo, inclusive as cerebrais. O problema, entretanto, é que não se conseguiu até agora encontrar os meios de fazer com que essas células realmente migrem para o local certo e se especializem nas funções neuronais. É como se ainda não se soubesse o código de endereçamento postal adequado para que elas cheguem ao destino previsto.

Enquanto esse tipo de obstáculo não é superado, a ciência tenta formas
de identificar mais cedo a doença. Recentemente, estudiosos da Universidade de Pittsburgh (EUA) deram um importante passo nesse sentido. Eles criaram
um composto que se liga às placas de proteínas, denunciando, em exame de imagem, a presença da enfermidade. Antes, a visualização das placas só era possível após a morte.

A medicina também se esforça para amenizar os danos causados pelo Alzheimer que não dependem de medicamentos. Hoje, há uma forte tendência de apoiar o cuidador, a pessoa que, como o próprio nome diz, é a responsável pelos cuidados com o portador de Alzheimer. Com a enfermidade, a rotina desse indivíduo fica complicada. Primeiro porque não é nada fácil acompanhar o lento isolamento e a regressão vividos pelo paciente. Num dia, ele se esquece onde deixou as chaves de casa. Depois, não sabe mais o nome do filho. Numa manhã, não consegue mais subir quatro degraus. Após um período, não sai mais da cama.

Ao cuidador, resta a angústia de ver uma pessoa querida perder o contato com o mundo e esquecer da própria história. Por isso, é comum que ele também caia doente, em geral vítima de cansaço ou de depressão. O aposentado Antônio Duarte Silva, 72 anos, felizmente não ficou doente. Mas chora ao falar de sua esposa, Ferdinanda Henriques, 79 anos. Companheira de várias batalhas pela vida, agora ela passa os dias na cama do sobrado do casal, em São Paulo. “Não posso vê-la desse jeito. Como pode ter acontecido isso àquela mulher que me acompanhou em tantos momentos?”, indaga, emocionado. Casados há 37 anos, hoje a vida de Antônio é cuidar de Ferdinanda.

Para auxiliar o acompanhante, muitos grupos de familiares têm se formado. Nas reuniões, eles conversam sobre as dificuldades corriqueiras – onde encontrar uma fralda mais barata ou como fazer uma comida mais fácil de ser ingerida, por exemplo – e desabafam suas dores. “Eles se identificam uns com os outros. Dividem o sofrimento”, conta a psicóloga Clara Nakagawa, coordenadora de um desses grupos. A estratégia é um bálsamo para os familiares e para o doente. Afinal, está constatado que um bom acompanhante torna menos sombrio o dia-a-dia do portador da enfermidade. E o cuidador, por sua vez, ganha mais força para enfrentar seu drama.