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A indiana Sawani à frente do grupo de brasileiros: união aparentemente impossível de duas culturas distintas

Durante seis meses, o maestro Madhup Mudgal – um indiano que mantém um conservatório em Délhi para a classe menos abastada, com 1.600 alunos – viveu atulhado de CDs com uma grande variedade de ritmos brasileiros. Acostumado a se mover dentro dos códigos específicos, quase matemáticos, das estruturas musicais indianas, Mudgal ficou completamente atordoado com o desafio de assimilar tanta diversidade musical. Mas aos poucos foi se familiarizando e deslanchou na sua pesquisa. Paralelamente, um processo semelhante, porém não tão doloroso, acontecia na capital paulista, onde um grupo de instrumentistas procurava entender a assimetria do som indiano. Depois que ambas as experiências ganharam corpo, o indiano e os brasileiros se encontraram e realizaram uma curiosa viagem sonora. Ela é o encaixe perfeito do belo espetáculo Samwaad – rua do encontro, em cartaz em São Paulo, no Sesc Belenzinho, até 27 de junho.

Max G Pinto

Bertazzo: aprendizado que inclui aulas de circo, linguística e até origami

Concebido e dirigido pelo coreógrafo paulistano Ivaldo Bertazzo, a sinergia das duas culturas coordena o que aparentemente seria impossível. No entanto, com sua sensibilidade típica para interpretar o gesto e assim questionar identidades e linguagens, Bertazzo traça uma ponte entre Brasil e Índia de maneira poética e alegre. Acostumado a lidar com o que ele chama de cidadãos dançantes, ou seja, pessoas comuns que podem desenvolver uma expressão pela dança, o coreógrafo trabalhou com 55 jovens de sete ONGs paulistanas, com idades transitando entre 12 e 18 anos. Eles constroem um universo de extremos, mas que se unem e se fecham como se não houvesse fronteiras. Assim, vêem-se shivas graciosas misturando-se a atléticos capoeiristas, todos dançando ao som de tablas com pandeiro e de cítaras com tamborim, provando que os condimentos dos dois países podem resultar em boas receitas conjuntas.

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Cidadãos dançantes: assistência médica, odontológica e psicológica

Para se chegar à compreensão de universos tão distintos, Bertazzo e equipe – no total, são 120 pessoas empregadas – percorreram um longo caminho de esforços no encontro da delicadeza dos passos e dos acordes indianos com a brejeirice do samba. Muitos dos jovens envolvidos já tinham alguma experiência com street dance, dança afro, clássica. Outros vêm do teatro e ou de trabalhos em escolas de samba. Para assimilar a proposta de Bertazzo, contudo, passaram quase um ano em constante aprendizado que incluiu aulas de circo, de linguística, de percussão e até de origami, arte que obriga a uma grande concentração e percepção de detalhes. Também fizeram fisioterapia e sobretudo viveram com o coreógrafo a experiência de seu método de trabalho descrito no livro Espaço e corpo – guia de reeducação do movimento (Sesc SP, 236 págs., R$ 25), com organização e apresentação da crítica de dança Inês Bogéa. A empreitada contou até com assistência médica, odontológica e psicológica. “Só depois do terceiro mês é que se iniciou o conceito do espetáculo”, conta Bertazzo. “Para fazer um minuto de cena, às vezes gastávamos dois dias.”

No palco, é evidente a capacidade do coreógrafo em lidar com as diversidades. A trilha sonora é um caso à parte. Rendeu um CD que traz 35 instrumentistas de escolas de samba, comandados por Rafael Y Castro, um grupo indiano de quatro músicos dirigidos pelo maestro Madhup Mudgal, e ainda Benjamin Taubkin no piano e João Taubkin no contrabaixo. “A princípio aconteceu um estranhamento entre os indianos e os brasileiros, mas aos poucos todos foram perdendo as amarras,” revela Bertazzo. “Os indianos dizem que nós desperdiçamos notas, escalas musicais, que fazemos uso abusivo com muitas possibilidades. A relação de tempo deles é diferente, não só de tempo, mas de gesto.” Um bom exemplo desta diferença é quando entra em cena a bailarina indiana Sawani Mudgal, responsável pelos momentos de erudição de um espetáculo sensual, mântrico e hipnotizante.