Ricardo Giraldez

Noitada no Atari Club, na capital paulista, e a banda americana Pixies: sem extravagância

Há algum tempo, uma tribo curiosa vem chamando atenção nas enormes filas formadas em frente às badaladas casas noturnas de São Paulo e Rio de Janeiro. Diferentemente dos clubbers, eles não se montam com acessórios extravagantes, não pintam os olhos, nem armam um circo próprio brandindo objetos luminosos como se estivessem num parque de diversões. Quase discretos, acabam chamando a atenção por usarem apenas tênis All Star, jeans surrados, camisetas básicas e cortes indefinidos de cabelo. No circuito paulistano, os clubes que frequentam em dias alternados da semana se localizam de preferência nos elegantes Jardins ou na festiva Vila Madalena. Em plagas cariocas, o movimento se concentra nas calçadas de Copacabana ou de Botafogo. Engana-se, contudo, quem pensa que esse público está atrás de novos samplers ou de novas batidas extraídas de poderosas pick-ups. Não, o que essa gente de modernidade simplíssima procura é a nova/velha história do bom rock’n’roll. Mas não o produzido por conhecidas bandas milionárias. O som que no momento faz a cabeça dessa rapaziada é o chamado rock indie, abreviação do inglês de independent, ou independente. Um gênero que avança tanto nas pistas quanto nos toca-discos.

Na verdade, o movimento surgiu na Inglaterra, na década de 1980. Chegou ao Brasil com as bandas representantes já consagradas, depois foi para os guetos e agora sai do microcosmo, porém sem perder a pose do conceito independente. Porque bom mesmo para essa turma é curtir grupos lançados por selos diminutos, que vendem poucos CDs e tocam em espaços proporcionais ao esquema que os cerca. Vale é manter a identidade, o espírito ou a essência para usar o termo preferido dos indies. Tanto que alguns heróis antes mais incensados, entre eles os grupos ingleses Radiohead e Coldplay, deixaram de ser alternativos para ter contratos com grandes gravadoras. Os dois continuam rolando nos toca-discos dos antenados, mas bacana de verdade é falar com a maior intimidade do duo alemão Phantom/Ghost, do grupo americano do Texas The American Analog Set ou do inglês Muse, que praticamente ninguém conhece.

Curiosamente, enquanto acontece a troca de figurinhas raras, clubes noturnos vão nascendo como coelhos. Só nos últimos meses, mais de 20 casas dedicadas ao gênero emergiram na noite paulistana, entre elas a Fun House, a JukeJoint e o Atari Club. Em comum, todas abrem espaço para bandas ao vivo e só cerram as portas depois de o sol nascer. No som, prevalece a democracia do independente. Numa mesma noite é possível ouvir The Clash, Sonic Youth, The White Stripes, My Blood Valentine ou Teenage Fanclub, que se apresenta no Recife (1º de maio), em São Paulo (4, 5 e 6) e em Curitiba (7). Para Reinaldo Kazenevskis Seron, um dos sócios do Atari Club, em pouco tempo o rock alternativo terá na noite o mesmo espaço ocupado pela música eletrônica. “Todo final de semana vem gente que nunca apareceu na casa e acaba voltando depois. Daqui a dez anos, só em São Paulo haverá mais de 100 casas dedicadas ao alternativo”, prevê Seron, ou Logan, como é conhecido por seus pendores etílicos.

Mas quem vira noites embalado pelo som alternativo não parece muito entusiasmado com o crescimento da cena. O motivo está na própria raiz do movimento. Fã indie que se preze torce o nariz, ou finge que torce, para tudo que começa a virar modismo, como prova o designer Luciano Rodriguez. “Quanto menos gente, melhor. Mas, tudo bem, o rock está na moda. E, quando passar, algumas casas vão fechar, mas sempre haverá público suficiente para manter as que sobreviverem. O independente é forte.” No sábado 3, ele e os amigos Mikio, Patrícia, Manoela e Adílson sacolejavam sobriamente na pista da Outs, outra meca do indie paulistano, no show dos Borderlinerz. A banda, que faz um som punk com pitadas de Rolling Stones, Beatles e Iggy Pop, é uma das mais cultuadas do universo alternativo paulistano. Tem um CD na praça, Elvis, e se prepara para gravar o segundo. Tudo feito no esquema independente. Atualmente, calcula-se que apenas na cidade de São Paulo existam mais de 100 conjuntos indies. No País inteiro estima-se que sejam acima de mil.

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Os cariocas do grupo Autoramas: alternativos até a medula

Qualidade – A intenção deste pequeno exército é aproveitar ao máximo o aumento de interesse pelo rock fora do dito esquemão. Zeh, baixista e vocalista dos Borderlinerz, acredita que haja espaço para todo mundo. “As pessoas abriram a cabeça e o legal é que o público indie é exigente. Sai de casa atrás de som de qualidade, bom ambiente e gente interessante.” No Rio de Janeiro, duas festas estimulam os alternativos. Às segundas-feiras, o agito rola na Casa da Matriz, em Botafogo. Às sextas-feiras, na Bunker, em Copacabana. É da Cidade Maravilhosa que vem uma das mais interessantes bandas do panorama indie brasileiro: Autoramas. Alternativos até a medula, eles descartam qualquer negócio que os force a abrir mão de suas idéias e convicções. “A gente gosta do que faz e valoriza a boa música. O contrato com as gigantes acaba nos moldando num estilo falso que só visa o lucro”, resume o vocalista Gabriel Thomaz.

Hoje, o grupo tem contrato com a Monstro Records, um dos mais respeitados selos da cena indie nacional, que abriga sob suas asas 24 artistas nacionais. A gravadora começou distribuindo compactos coloridos de vinil e tornou-se uma referência no Brasil. Sediada em Goiânia, venceu o desafio e conquistou espaço fora do eixo Rio–São Paulo. Além dos discos, organiza o Goiânia Noise, um dos grandes festivais de música alternativa do País, e o Bananada, que se realizará em maio. Para a próxima edição, adianta Leo Bigode, um dos sócios do selo, já está confirmado o grupo americano Lemonheads.

MTV – A efervescência da cena independente levou o diretor do Jornal da MTV,
Mauro Bedaque, a criar um espaço exclusivo para os grupos indies dentro da atração. “Queremos ser generosos com quem faz e com quem curte som de qualidade. Estava faltando na mídia um espaço para divulgar os pequenos
grandes músicos”, diz ele. Motivos existem de sobra. Nos dias 7 e 8 de maio, por exemplo, as atenções se voltam para Curitiba. É quando a capital do Paraná abrigará um dos mais cobiçados festivais do País. Em sua segunda edição, o Curitiba Top Festival irá reunir na Ópera de Arame 20 grupos selecionados por músicos, produtores e donos de selos. Mesmo sem divulgação, os seis mil ingressos foram vendidos online em apenas 20 minutos, garante Paola Wescher, idealizadora do festival. Os causadores do furor na web são os americanos do Pixies. Fundada em 1986, a banda conhecida como musa inspiradora do Nirvana e do U2 fará sua primeira apresentação no Brasil. “Estamos esperando excursões de todo o País”, exalta Paola. Os indies irão ao paraíso.