Antes um símbolo do atraso do Terceiro Mundo, a desigualdade chegou aos países desenvolvidos, em especial os Estados Unidos. Enquanto no Brasil o abismo social é cada vez menor, nos EUA a distância entre as camadas mais ricas e as mais pobres da população só aumenta. O processo se agravou com a atual crise econômica, mas uma pesquisa mostra que a desigualdade social americana tem se acentuado desde o final da década de 1970. De acordo com levantamento do Congresso americano, a renda das famílias 1% mais ricas cresceu impressionantes 300% de 1979 a 2009, enquanto a da classe média avançou apenas 40%.

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ABISMO SOCIAL
Pesquisa revela que a desigualdade social nos EUA
tem se acentuado desde o final da década de 70

Para Francisco Ferreira, economista-chefe do Departamento de Pesquisas para o Desenvolvimento do Banco Mundial, o aumento da desigualdade nos EUA decorre da evolução tecnológica, da globalização, da competição com outros países (que mantêm os salários baixos), e, o fator mais importante, da economia política. “Desde o governo de Ronald Reagan (na década de 80), houve uma desoneração dos mais ricos”, disse Ferreira à I­STOÉ. O Imposto de Renda sobre o trabalho ainda é progressivo no país, mas o tratamento preferencial a bens de capital tem beneficiado os mais ricos – e, entre os americanos com renda acima de US$ 10 milhões, quase metade dela vem de ganhos de capital e dividendos. “A elite tem influenciado o sistema tributário por meio de seu controle político”, afirma o economista. Em 2011, o bilionário Warren Buffett, quarto homem mais rico do mundo, lançou luz sobre a questão ao dizer que pagava ao Estado uma proporção menor de sua renda que sua secretária. Buffett pagou, naquele ano, uma alíquota de 17,7% em impostos, enquanto o americano médio pagou 30%. Essa distorção tem tornado a escada da mobilidade de classes ainda mais íngreme. O maior vilão, segundo o conselheiro da Casa Branca e ganhador do Nobel de Economia, Alan Krueger (e os manifestantes do movimento Ocupe Wall Street), é o setor financeiro. “É claro que a proliferação de altos salários recebidos no setor financeiro contribuiu para o aumento da desigualdade”, disse numa palestra em janeiro. “A proporção de pessoas no topo oriundas de bancos e da indústria imobiliária quase dobrou de 1979 a 2005. E, naquele ano, esses executivos fizeram um quarto da renda do 0,1% mais ricos.”

Com uma classe média em expansão e, portanto, na contramão da tendência americana estão a América Latina e o Brasil. Na última década, a classe média avançou 50% em número de pessoas na região e o Brasil foi responsável por 40% desse crescimento, segundo o Banco Mundial. Ao mesmo tempo, 28 milhões de brasileiros saíram da pobreza extrema no período. O aumento do salário mínimo e os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, foram fundamentais nesse processo. “O Brasil antes era um Estado de bem-estar social só para a classe média e os ricos, porque uma grande massa de trabalhadores informais não tinha acesso a nada”, diz Ferreira, do Banco Mundial. “As novas políticas levaram o Estado a contribuir para os pobres. Os EUA, por outro lado, estão redistribuindo cada vez menos.”

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Apesar do cenário preocupante, um impasse político acionou nos EUA um plano de austeridade forçada. Apelidado de “sequestration”, o plano, que entrou em ação na semana passada, autoriza uma série de cortes automáticos de despesas – US$ 1,2 trilhão nos próximos dez anos. Maioria na Câmara americana, os republicanos insistem nos cortes em programas sociais para reduzir a dívida pública, em vez de aumentar os impostos dos mais ricos, como quer Obama. “Na última década, os americanos não se preocuparam em evitar o aumento da desigualdade”, disse à ISTOÉ Sean Reardon, professor de sociologia da Universidade de Stanford e especialista em desigualdade social da fundação Russell Sage. “Infelizmente, não acho que essa mentalidade mudará no curto prazo.” Krueger e um grupo de economistas argumentam que o recrudescimento da desigualdade afeta a volta do crescimento econômico. De acordo com Krueger, se US$ 1,1 trilhão tivesse sido recebido por 99% da população em vez da camada 1% mais rica, o consumo anual seria cerca de US$ 440 bilhões maior. Além disso, se grande parte da população for privada de acesso a meios que a tornem produtiva, como as universidades, ela vai contribuir menos para o crescimento do PIB do que poderia. 

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