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Exigência: alunos do primeiro ano da unidade espanhola da Les Roches aprendem a maneira correta de servir e pôr uma mesa

Muitos deles não arrumavam a própria cama antes de sair de casa, mas, na busca de um sonho, digamos, empreendedor, são capazes de fazer até 20 camas por dia. Mais do que isso: lavam louças, arrumam a mesa e desossam frangos, sem reclamar ou fazer cara feia. São jovens do mundo todo que se submetem a uma rígida educação para estudar hotelaria na Suíça. É dessa rotina puxada que nascem os grandes líderes do setor hoteleiro. E as melhores escolas do ramo fazem questão de ensinar essa cartilha. Em outras palavras, quem sonha com cargos de direção em grandes redes de hotel, como Sheraton, Accor e Renaissance, terá muita cama para arrumar até chegar lá. Mas, ao que tudo indica, chegará. Apesar da crise econômica mundial, a World Tourism Organization (Organização Mundial de Turismo) calcula que até 2020 o número de turistas viajando mundo afora deve triplicar. Isso significa que, para abrigar os esperados 1,6 bilhão de viajantes, serão necessários mais e melhores aeroportos, hotéis e resorts.

De olho nesse mercado, a escola de hotelaria Les Roches, localizada no pequeno vilarejo de Bluche, ao sudeste da Suíça, saiu na frente há mais de 20 anos. Adotou o currículo bilíngue numa época em que o inglês começava a aparecer como idioma oficial dos negócios e a suprimir o francês. O sucesso foi tanto que a instituição – atualmente com mais de 600 alunos vindos de 60 países – acabou pautando a concorrência. E, hoje, a suíça Lausanne, primeira escola de hotelaria criada no mundo, fundada no final do século XIX, também tem as principais aulas ministradas em inglês. Mas a força da Les Roches não pára por aí. A filial da escola na cidade de Marbella, no litoral da Espanha, cresce expressivamente. Criada em 1995, com pouco mais de 20 alunos, já soma 250 estudantes e, para dar conta da procura que não pára de crescer, atualmente reforma o campus e aumenta o prédio de dormitórios. Em cinco anos, o número de alunos deve dobrar.

Mercado – Ao completar seu cinquentenário, a Les Roches vive mais um momento de ouro. Inaugurará até dezembro uma unidade em Xangai, na China, sempre de olho no mercado, como explica o coordenador da Les Roches para a América Latina, Dourival Pinotti. “Boa parte dos alunos de Bluche é chinesa ou indiana. Com a unidade de Xangai, sobrará mais vagas para outras nacionalidades”, diz. Na filial de Marbella, a maioria dos estudantes é espanhola e em segundo lugar estão os marroquinos. Esses, aliás, marcam presença não só na escola, mas na cidade como um todo. Afinal, essa espécie de Angra dos Reis espanhola está apenas a uma hora de carro do Estreito de Gibraltar.

São detalhes assim que fazem do campus de Marbella um espaço atraente para brasileiros – são hoje 17 alunos. A pedagogia é a mesma da matriz suíça, mas a alma é espanhola. “Gosto muito daqui, me sinto cobrada pela escola, mas acolhida pelos professores”, comenta a paulistana Aline Ruiz, 19 anos. Aluna do segundo ano da graduação, o chamado ano de kitchen (onde se aprende tudo sobre cozinhas à la carte e bufê), Aline vive pra baixo e pra cima com as conterrâneas Bruna Bichara (quarto ano) e Juliana Romano (da pós-graduação). “Saímos com italianos, marroquinos, portugueses, espanhóis. É uma riqueza de culturas que não vivenciaríamos no Brasil”, comenta Juliana.

De fato, é desse caldeirão de nacionalidades que se faz a escola. “Procuramos respeitar a individualidade do aluno e a tradição cultural que traz de seu país”, diz o diretor da Les Roches suíça, Clive Taylor. Afinal, é importante aproveitar o que cada nacionalidade tem de melhor e aprimorar o que falta. E nessa missão alguns ajustes são indispensáveis. “Às vezes é tão difícil ensinar pontualidade aos brasileiros quanto trabalhar a pronúncia inglesa com os asiáticos”, exemplifica o coordenador do departamento de estágios, Hans Ferch.

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Intercâmbio: a brasileira Aline aprende os segredos da boa cozinha com o professor da Les Roches, da Suíça (fachada na foto abaixo).
Ele também dá aulas na Espanha

Um bate-papo descontraído com alguns dos mais de 30 alunos brasileiros que estudam na Suíça, mostra que a disciplina é dos principais desafios para os nossos estudantes. “Sempre brincam com a gente, marcando encontros com meia hora de antecedência, para chegarmos na hora”, conta a aluna Tathiana Pinotti. Mineira de 22 anos, Tathi, como é reconhecida em seu name tag (uma plaquinha que faz parte do uniforme e identifica os alunos, da mesma forma que se faz nos hotéis), está cursando o quarto e último ano da graduação, o chamado BBA, um bacharelado em administração hoteleira. Na mesma turma, estão os paulistanos Daniel Pollak, 23 anos, e Daniela Mateos, 25. Ele, um bonitão de 1,85m, cursou os três primeiros anos de hotelaria no Senac, em São Paulo, e foi fazer o quarto ano na Suíça. “O começo é difícil. No Brasil, eu era cabeludo e assistia às aulas de bermudão. Aqui, é cabelo curto e uniforme.”

Dramas – Conhecida como a prefeita da escola, por sua incrível capacidade de comunicação, Daniela cursou todos os anos lá e fala com propriedade dos dramas que passou. “Apesar de o primeiro ano ser puxado, porque é de serviços em geral, lavação de louças e polimento de copos, o segundo ano, o de cozinha, é o mais duro”, diz. “Cozinhar para 300 pessoas durante seis dias na semana não é fácil”, completa a aluna.

Para sossego dos brasileiros que têm filhos sonhando com a Les Roches, os semestres de aula são sempre intercalados com semestres de estágios, arranjados pela própria escola. “Na Suíça pagam em torno de dois mil francos, ou R$ 4 mil, por mês de estágio, um bom retorno para o investimento. No Brasil, costumam pagar meio salário mínimo”, conta Daniela, que no seu currículo já tem nomes como Sheraton-SP, Cordon Bleu-Paris e Le Mirador, na Suíça. Nada mau para uma garota de 25 anos.