Silvana Garzaro / Claudio Gatti

Amigos, amigos… Marcos Mendonça
(à esq.) é candidato ao cargo que pertence a Cunha Lima há nove anos: briga acirrada

Dois pesos pesados subiram no ringue para protagonizar uma disputa inédita que está agitando o meio político-cultural de São Paulo: os tucanos e amigos Jorge da Cunha Lima e Marcos Mendonça entraram na briga pela presidência da Fundação Padre Anchieta, “mãe” da TV Cultura. O primeiro é o atual presidente e está no cargo há nove anos; o segundo foi secretário de Cultura do Estado durante quase o mesmo período e é conselheiro da Fundação. Mendonça, que tem o apoio do governador Geraldo Alckmin (PSDB), diz que decidiu entrar na disputa com o amigo “a pedidos de funcionários da tevê e de pessoas da classe artística”. O cineasta Ugo Giorgetti, por exemplo, não foi um dos que sugeriram a candidatura, mas dá seu aval ao ex-secretário: “Não que eu tenha críticas à atual gestão, só acho que é bom mudar. Por que não?”, diz ele. O presidente também conta com um cineasta no seu time: Fernando Meirelles já declarou que Cunha Lima tem seu apoio.

No frigir dos ovos, quase não há diferenças entre as propostas dos dois candidatos para a nova gestão. Segundo Mendonça, sua missão é “renovar e usar a experiência na secretaria para captar recursos.” O ex-secretário diz que pretende abrir espaço para projetos de literatura e dramaturgia, o que, segundo ele, poderia atrair novas linguagens e talentos. Mendonça evita criticar a atual gestão, mas ressalta: “Eles estão trabalhando com equipamentos obsoletos. Posso detectar que existem carências.” Do outro lado, Cunha Lima promete, entre outras coisas, “equilibrar as contas, efetivando contratos já negociados, que somam R$ 30 milhões”, e “incrementar a tradição em parcerias para produzir programas.”

O resultado da eleição, a ser definida pelo voto dos 44 conselheiros da Fundação Padre Anchieta no dia 19, é imprevisível. Os dois postulantes se dizem preferidos dos eleitores. Contra Cunha Lima pesa, além do desgaste político natural causado pelos anos de poder, um passado de crise. Em 2003, duas grandes demissões – 309 funcionários no total – reduziram o quadro de pessoal. “Economizamos R$ 11,7 milhões e evitamos um perigoso desequilíbrio financeiro que poderia levar a mais demissões”, justifica o presidente. Hoje, a TV Cultura conta com 1.018 funcionários. No entanto, a falta de infra-estrutura tem reduzido significativamente o número de novas produções. Além disso, Cunha Lima parece não agradar internamente. Em junho do ano passado, um abaixo-assinado de funcionários foi encaminhado a Alckmin. Os 574 signatários reclamavam da “desvalorização da produção, resultando na queda quantitativa e qualitativa dos programas”, de “investimentos inadequados” e do privilégio dado a amigos “em detrimento de verdadeiros profissionais”. Ao final, pediam ao governador a mudança “da atual direção por outra comprometida com o caráter público da tevê”. Mas não é isso que Mendonça promete. Para ele, o governo pode continuar repassando apenas os R$ 80 milhões anuais e o restante deve vir de outras fontes: “A Cultura tem que encontrar caminhos para captar recursos”, diz.

Na emissora está no ar apenas um silêncio sepulcral. A alguns dias da escolha, poucos se manifestam sobre o tema sucessão. A secretária estadual de Cultura, Cláudia Costin, também prefere o recolhimento e não dá entrevistas, mas já entrou em rota de colisão com Cunha Lima. Prova de que o governo não está contente com a atual gestão é a nomeação, em 2003, da economista Julieda Puig Pereira Vaz para o cargo de superintendente da Fundação, com a missão de otimizar os gastos. No acordo proposto pelo governo, Mendonça ficaria à frente da autarquia e Cunha Lima na presidência do Conselho Curador, hoje nas mãos de Antônio Carlos Ronca, que não pode mais se reeleger.

Mesmo com ingredientes que podem levar à confusão entre as partes, é bom lembrar que, durante oito anos, os dois candidatos foram parceiros administrativos. “Não é um confronto entre Corinthians e Palmeiras. É como uma disputa entre pai e filho”, diz Mendonça. O amigo também afaga o ex-secretário: “Indiquei-o para o Conselho e o teria feito mesmo se soubesse que seu objetivo era concorrer à presidência. A democracia também se faz com disputa. Pior seria a Fundação perder sua independência”, arremata Cunha Lima.