FIM O prefeito Carlos Sampaio mandou lançar fortes jatos de água do mar contra o morro, que foi “dissolvido” a partir de 1920

Dom Pedro II recebeu em 1875 uma petição assinada pelo empresário pernambucano Trajano Augusto Martins. Até aí, nada que surpreendesse muito, pois o que não faltava eram pedidos de favores na mesa do imperador. O que havia de original no documento do empresário Martins, no entanto, era a sua súplica para explorar o morro do Castelo, no Rio de Janeiro, e a convicção com que garantia que em suas galerias subterrâneas havia um tesouro escondido. Pedro II deu-lhe a empreitada. Martins convenceu dois engenheiros, um banqueiro e um latifundiário a se associarem a ele. Ocorreram então escavações e demolições que levaram meses, mas tesouro, que é bom, não apareceu nenhum. Com 63 metros de altura e 18.840 metros quadrados de área, o morro do Castelo, que abrigava a igreja, o colégio, o hospital e a Escola Militar dos Jesuítas, localizava-se na região central da cidade. O fracasso de Martins se deu mais de um século após a expulsão dos religiosos do Brasil (1759), quando as histórias sobre o tesouro já freqüentavam o imaginário popular e eram citadas por escritores como Machado de Assis, Lima Barreto e Monteiro Lobato.

Muita gente foi ao morro do Castelo com um sonho dourado na cabeça, e nem era para menos: o tesouro está descrito em atas da própria Companhia de Jesus. Agora, todas essas histórias estão reunidas no livro Tesouros do morro do Castelo, do historiador Carlos Kessel (Zahar, 101 págs., R$ 29). Numa ata de 1758, por exemplo, está anotado um patrimônio de 67 toneladas de ouro, um cofre de prata com diamantes e um rubi de Ceilão. Estima-se que, só em ouro, em valores atuais, o legado seria de US$ 2 bilhões. Os rumores atiçaram a curiosidade pública, e moradores do morro do Castelo começaram a escavar os quintais de suas próprias casas almejando chegar às galerias. Temeram-se desmoronamentos. O escritor Joaquim Manuel de Macedo registrou no Jornal do Commercio: “O antigo Colégio dos Jesuítas está assentado em solo minado.”


LIVRO Lendas e fatos

A única riqueza que surgiu das galerias foi em 1905, durante a construção da atual avenida Rio Branco, quando os operários encontraram um crucifixo de ouro. Mas o morro do Castelo já estava condenado e com os dias contados. Autoridades sanitárias argumentavam que ele causava “moléstias na cidade” por “obstar o vento mais forte e mais saudável”. O seu “arrasamento” começou em 1920 por ordem do prefeito Carlos Sampaio: o morro foi dissolvido com violentos jatos d’água e sua terra e lama foi usada nos aterros do Flamengo e do aeroporto Santos Dumont. A destruição do Morro do Castelo, apelidado de “feio cocoruto”, “pólipo”, “enorme quisto” e “dente cariado”, custou à cidade uma dívida externa de US$ 24 milhões.

• As galerias do morro do Castelo, no centro do Rio de Janeiro, foram construídas no século XVII, sob o Colégio dos Jesuítas. Nelas estaria escondido um grande tesouro. Tinham três saídas: para o mar, para a rua da Quitanda e para a região que hoje é a Cinelândia
• Em valores atuais, estimase o tesouro em US$ 2 bilhões. Nada foi encontrado
• A Ladeira da Misericórdia, existente até hoje, dava acesso ao cume do morro
• A lama que resultou da destruição do morro do Castelo foi usada no aterro do Flamengo (à esq.)