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Ao discursar em São Paulo, na terça-feira 21, o presidente Lula deu a senha de que iria acionar armas mais poderosas para combater a crise de confi ança na economia. Além de afi rmar que o controle maior do capital pelo Estado será positivo para o mundo, Lula endossou a tendência relançada na Europa: “Isso é muito importante, porque o coração do regime capitalista começa a tomar gostinho pelo papel do Estado, desmoralizado nos últimos 30 anos.” Dito e feito. No dia seguinte, com seu aval, foi baixada a Medida Provisória 443 que deu ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica autorização para comprar bancos privados e permitiu à Caixa criar um banco de investimentos e uma subsidiária, a CaixaPAR, que poderá assumir participação acionária em empresas de construção civil. A medida amplia a participação do Estado no setor fi – nanceiro e confere ao presidente do BC, Henrique Meirelles, e ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, poderes excepcionais. Meirelles e Mantega passam a competir em pé de igualdade com os donos dos grandes bancos privados. “Estamos aumentando as alternativas para as instituições que têm problemas de liquidez”, justifi cou Mantega. “E ao mesmo tempo aumentamos a concorrência, porque a instituição que quer fazer a alienação terá mais possibilidade e poderá obter um preço melhor”, defendeu o ministro.

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Como era de esperar, houve reação dos partidos de oposição e entre defensores do liberalismo econômico. Abram Szajman, da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, afi rmou que “a estatização dos bancos é um retrocesso histórico”. E o deputado José Aníbal, líder do PSDB, considerou “um abuso a decisão do governo de editar a MP na calada da noite”, atropelando o Congresso. A reação serviu apenas para marcar posição. Políticos e empresários reconhecem que o governo vem acompanhando a crise com sintonia fi na. Mantega e Meirelles têm agido de acordo com as circunstâncias. não resta dúvida de que a pior coisa que poderia acontecer no País nesses dias de incerteza seria a quebra de uma instituição financeira, de qualquer porte. Não custa lembrar que o que pôs a pique a credibilidade da economia americana foi a quebra do banco Lehman Brothers, numa atitude intransigente do Federal Reserve e do secretário do Tesouro, Henry Paulson. No Brasil, se um tamborete de esquina fechar as portas, a reação será imprevisível. Por isso mesmo, Guido Mantega, ao anunciar a MP, fez questão de destacar que “não tem banco quebrando”. Segundo ele, “o sistema fi nanceiro nacional é sólido, não está alavancado nem tem subprimes”. A 443 pode ser vista como o PAC de Mantega: um Pacote de Ajuda ao Crédito. O objetivo do governo, diz o ministro, “é resolver os problemas de falta de liquidez na economia”.

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Quando as fontes de liquidez começaram a secar no início de outubro, o governo acreditou que a munição tradicional seria sufi ciente para socorrer pequenos e médios bancos em difi culdade. Facilitou o acesso às linhas de redesconto e liberou parte do depósito compulsório para incentivar grandes bancos a comprar carteiras de crédito de instituições com ativos de até R$ 2,5 bilhões. As leis do mercado, porém, são implacáveis. Os grandes bancos ofereceram ajuda, mas em condições draconianas. Aceitaram, por exemplo, assumir carteiras de crédito consignado, de risco mínimo, mas cobrando juros extorsivos. Para outros ativos menos líquidos, apresentaram deságios inaceitáveis. Diante da situação afl itiva dos pequenos e médios bancos, o governo optou pela intervenção. Mantega acredita que talvez não seja necessário utilizar os poderes da MP 443. “Às ve zes, basta ter alternativa para dar mais conforto ao mercado”, explicou.

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Certo, porém, é que tanto a Caixa quanto o Banco do Brasil aguardam há muito tempo a oportunidade de ocuparem um espaço maior no mercado fi nanceiro, disputando ombro a ombro com a iniciativa privada. O Banco do Brasil, presidido por Antonio Lima Neto, já trazia na alça de mira há muito tempo a Nossa Caixa e o BRB (Banco de Brasília). Agora, caem por terra todos os obstáculos às duas aquisições e bastará apenas defi nir os preços de compra. Segundo o vice-presidente de Finanças do BB, Aldo Luiz Mendes, o banco estatal dispõe de R$ 5 bilhões para fazer negócios dentro das novas regras. “A MP é muito bem-vinda. Agora, estamos em pé de igualdade com os bancos privados para fazer aquisições”, afirma Mendes. A presidente da Caixa Econômica Federal, Maria Fernanda Coelho, também está com a faca nos dentes. A exemplo do BB, ela pretende comprar carteiras de pequenos e médios bancos “que queiram porventura nos procurar”. Mas a Caixa tem um foco preferencial nas construtoras que se debatem com problemas de liquidez. O setor sofre com a retração do crédito e a paralisação de lançamentos imobiliários. Como reflexo, as ações de grandes construtoras, como Cyrela, Gafisa e Rossi, não param de cair na Bovespa. Maria Fernanda nega, porém, que haja problemas de solvência de empresas da construção civil: “O mercado está funcionando. Já havia R$ 21 bilhões disponíveis para a habitação até o fim do ano. E agora temos a possibilidade de a Caixa participar em algumas construtoras através da participação acionária.”

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A partir da edição da MP 443, muitos críticos afirmam que a decisão do governo Lula se assemelha às operações “hospital” do passado, nas quais o BNDES desperdiçou recursos públicos em empresas privadas que não conseguiram sair do buraco. A intervenção preventiva do Estado, pelo seu caráter de emergência, não seria capaz de separar o joio do trigo. Sendo assim, maus empresários, que não souberam conduzir seus negócios com eficiência, seriam premiados com recursos do Banco do Brasil e da Caixa. O governo garante que isso não acontecerá, pois conta exatamente com a experiência acumulada pelo BNDES e pela BNDESpar, na qual vai se inspirar a CaixaPAR. Maria Fernanda Coelho sustenta que não há o que temer. “Vamos trabalhar com uma governança claramente estabelecida. Seguiremos as regras de mercado”, diz. O BB não agirá de forma diferente, mesmo porque deve satisfação a seus acionistas. “Em nossas aquisições, vamos agir com visão empresarial”, garante o presidente do BB, Antonio Lima Neto.

i71691.jpgHá motivo para acreditar. Afinal, o Brasil é um dos países que menos têm sofrido até agora no meio da tempestade. Disposto a não criar alarme além do necessário, o governo Lula tem acertado na gestão da crise. Sirva de exemplo a ação do Banco Central na semana passada, ao identificar o ataque especulativo contra o real. Rápido no gatilho, Meirelles aproveitou a edição da MP 443 para autorizar o BC a realizar operações de troca de moedas (swap) com bancos centrais de outros países. Deu seqüência às conversas que manteve com o presidente do Fed, Ben Bernanke, na última reunião do FMI em Washington, e equiparou-se aos bancos centrais da Suíça, Austrália, Noruega, Suécia e Dinamarca, que trocam as moedas nacionais por dólar. Nas operações de swap com o Fed, o Banco Central do Brasil entregará reais e receberá dólares, o que lhe dará munição pesada para enfrentar os especuladores, sem perder reservas. Na quintafeira 23, o BC acionou a nova artilharia, advertindo o mercado que poderá vender até US$ 50 bilhões em contratos cambiais. Resultado: a cotação do dólar caiu de R$ 2,50 para R$ 2,30.
A tentativa de defender o patrimônio com a compra de dólares tem ocorrido em todo o mundo. A princípio, a manobra é incoerente, pois a economia americana vai mal e, em boa parte, é responsável pelas desventuras de economias alheias. Na opinião do economista Paulo Rabelo de Castro, os especuladores, ao fim e ao cabo, vão sair perdendo, e não apenas pela ação certeira do BC, que, para atrair mais dólares, também decidiu zerar o IOF sobre aplicações estrangeiras em renda fixa e títulos públicos. “A economia brasileira tem fundamentos sólidos, está resistindo bem e, quando a poeira baixar, o real mostrará sua força”, diz ele. Diante desse cenário relativamente seguro, o que mais preocupa os economistas é a possibilidade de o BC insistir com nova rodada de alta dos juros na reunião do Copom, esta semana. “O mundo está em recessão e a inflação já cedeu no Brasil. Nada justifica subir os juros”, afirma Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos economistas mais ouvidos pelo presidente Lula. A preocupação de Belluzzo é, por sinal, a mesma do presidente e certamente já foi transmitida a Meirelles. O Banco Central está mais forte do que nunca, mas, desta vez, os juros devem ficar onde estão.


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