O problema da gratidão, já dizia um sábio, é que ela tem memória curta. Tão estreita que é quase inexistente. Tome-se o exemplo de Fernando Henrique Cardoso, que agora acusa Dilma Rousseff de ser uma pessoa “ingrata”, que “cospe no prato em que comeu”. Em 1994, depois de vencer a eleição presidencial no embalo da estabilidade de preços, ele rapidamente se esqueceu de que o Plano Real se fez sob a égide de Itamar Franco, que passou a ser ridicularizado em seu governo. Anos depois, quando Lula tomou posse, num quadro econômico difícil, mas não catastrófico, a situação deixada por FHC foi eficientemente transformada em “herança maldita”. Hoje, é o senador Aécio Neves quem afirma que Dilma e Lula exaurem a herança deixada pelos tucanos.

Assim caminha a humanidade. Na política, a gratidão é uma moeda sem grande valor e não existe passado – apenas futuro. A regra é aniquilar adversários e, se possível, recriar a história a seu favor. O PT, por exemplo, já nem se lembra dos 70% dos votos que teve no Rio de Janeiro em 2010, quando o apoio do PMDB foi fundamental, e estimula uma candidatura ao Palácio Guanabara, a do senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que pode detonar a aliança com o grupo do governador Sergio Cabral. No PSB, Cid Gomes já se esqueceu do apoio de Eduardo Campos – e este, por sua vez, é também constantemente acusado de ser ingrato em relação a Lula.

Num mundo ideal, o reconhecimento pelos méritos alheios deveria ter mais valor do que a esperteza. Assim seria possível enxergar o governo do ex-presidente José Sarney como hábil para fazer a transição da ditadura para a democracia. O de Collor como essencial na construção de uma nova agenda. Itamar Franco, por sua vez, teve o mérito de delegar a uma equipe independente a tarefa de construir um plano que eliminou a indexação de preços, e, na sequência, a inflação. FHC conduziu privatizações necessárias, que modernizaram setores estratégicos, como a telefonia, e também expurgou esqueletos do sistema financeiro público e privado. Lula aperfeiçoou a estabilidade, com um Banco Central muito melhor do que todos de FHC, acumulou reservas internacionais e ampliou o alcance dos programas sociais. Dilma, por sua vez, avança onde é possível, reduzindo, dentro das regras de mercado, o Custo Brasil. Por essa análise, o Brasil viveu, com seus últimos governos, o “melhor dos mundos possíveis”. Não é exatamente isso, mas a trajetória, desde o início da redemocratização, tem sido marcada por inequívocos avanços políticos, econômicos, institucionais e sociais, na velocidade que o País permite. É possível até que, no futuro, todo esse período seja visto como uma coisa só, sem grandes antagonismos. A única coisa que falta, para que o Brasil amadureça, é que alguém convide urgentemente Lula e FHC para dividirem um chope.