Eu estava desesperada para me afastar o máximo possível da cena
que presenciara no solário. Corri em direção às escadas, sem outra
ideia na cabeça que não fosse escapar. Jennie, que permanecera
— um tanto desconcertada — com Alex na cozinha, apareceu:
— Posso fi car com você?
Eu estava segurando as lágrimas e não consegui responder.
Ao descer as escadas, me deparei com um par de chinelos japoneses,
plantados de forma perfeita à porta do quarto de hóspedes,
que abri. Ele não tinha sido usado. Por um segundo, eu contemplei
a ideia de atirar os chinelos na dona deles, mas não poderia confrontar
John e Yoko novamente. Eu me sentia completamente humilhada
e só pensava em desaparecer.
Coloquei um punhado de coisas em uma mala e desci as escadas
correndo novamente. Pouco mais de vinte minutos depois de
ter chegado para o que esperava ser um reencontro amoroso com
John, eu estava de volta ao táxi com Jennie e Alex e me afastei da
minha casa, deixando John e sua amante para trás.
Estava atordoada. Minha mente parecia fl utuar e eu não conseguia
focalizar nada além da imagem vívida dos dois juntos. Cada
vez que me lembrava dela, eu era atingida por uma nova punhalada
de dor, mas ao mesmo tempo não conseguia parar de conjurá-la enquanto
tentava absorver a traição. A intimidade entre os dois era tão
poderosa que me senti como uma estranha na minha própria casa.

Eu não me lembro da viagem com Alex e Jennie ou de ter chegado
naquela noite à pequena casa que eles dividiam. Tudo o que
lembro é que Jennie foi para o quarto dela assim que chegamos. Ela
estava chocada e embaraçada.
— Cyn, eu sinto muito, mas tenho que ir me deitar. Aquilo foi
demais para mim. Vejo você amanhã. Você vai fi car bem?
Fui deixada na minúscula sala de estar, onde saquinhos de feijões
secos e almofadas étnicas estavam espalhadas por todo o chão
e as cortinas continuavam fechadas. Desabei no sofá em frente à lareira,
tendo me levantado apenas para telefonar para Dot e pedir-
-lhe que cuidasse de Julian por mais alguns dias. Graças a Deus ele
estava seguro e feliz com a família dela.
Eu me encontrava em um estado de tamanha confusão que mal
conseguia distinguir o que era real do que não era. Minha mente se
contraía passando de uma ideia aterrorizante para outra. Foi quase
como uma daquelas viagens de LSD. O que eu estava fazendo ali?
Por que havia fugido? Que diabos aconteceria comigo e Julian? O
mundo que eu conhecia estava se desintegrando. Eu me perguntava
há quanto tempo John vinha dormindo com Yoko. Fora eu uma
completa idiota, não tendo conseguido enxergar o óbvio? Ele já vinha
mentindo havia semanas, ou meses? Tinha me mandado viajar
para me tirar do caminho a fi m de poder viver seu relacionamento
com Yoko? Cada novo pensamento trazia mais um tormento.
— Eu acho que você precisa de um drinque, Cyn.
Alex percorreu a sala acendendo algumas velas e depois trouxe
uma garrafa de vinho tinto e duas taças. Eu fi quei grata por ter
algo que pudesse ajudar a aliviar a minha dor e virei várias taças.
Depois, Alex trouxe uma segunda garrafa e nós a bebemos também.
Eu estava exausta e em pouco tempo me senti grogue.
Alex conversava comigo, mas eu mal conseguia registrar o que
ele estava dizendo, até ser tomada de sobressalto pela consciência
das suas palavras:
— Sabe, Cyn? — ele disse. — Eu sempre amei você. Esta situação
é perfeita. Quanto dinheiro você tem? Por que você e eu não
fugimos juntos? Nós poderíamos ter uma vida boa. Isso mostraria
uma coisa a John e Yoko.
Respondi, sem pensar, que tinha umas meras 1.000 libras no
banco. Nenhuma riqueza, nenhuma fortuna, nada. Eu estava tonta,
desorientada, chocada e de coração partido, sem condições de absorver
o que estava acontecendo. Mal conseguia focalizar as coisas
em redor. Tudo na sala fl utuava à minha volta, um objeto fundindo-
se no outro. Alex era amigo de John: o que ele estava pensando?
Aquilo só podia ser algum tipo de piada.
Precisava ir ao banheiro. Eu me sentia terrivelmente enjoada e
vomitei muito. Depois, percebi que o choque fi zera a minha menstruação
chegar com uma antecedência de vários dias. Saí cambaleando
do banheiro, com as pernas vacilantes, e vi um quarto através
de uma porta aberta no térreo. Entrei, caí na cama completamente
vestida, puxei as cobertas para me cobrir e desmaiei.
Algum tempo depois, Alex se deitou na cama e tentou me beijar
e me afagar, sussurrando que nós deveríamos fi car juntos. Eu o
empurrei, enojada.
Na manhã seguinte, acordei de ressaca e contemplei a terrível
realidade de que meu casamento provavelmente havia acabado. Eu
não fazia ideia do que fazer em seguida. Depois do comportamento
de Alex na noite anterior, não me sentia mais à vontade na casa dele.
Ele havia me assediado num momento em que eu estava vulnerável.
Porém, eu não tinha mais nenhum lugar para onde ir, então passei
o dia encolhida no sofá, bebendo chá e tentando decidir o que fazer.
Jennie foi solidária e, felizmente, Alex manteve distância.
Alguns dias depois, cheguei à conclusão de que deveria voltar
para casa. Doía a perspectiva de ver Julian. John e eu podíamos estar
acabando com o nosso casamento, mas ainda tínhamos um fi lhinho
que precisava de nós.
Eu me recompus o sufi ciente para encarar John. Não havia recebido
nenhuma notícia dele e não sabia o que ele estava planejando,
mas precisava descobrir. Tomei um banho quente demorado, ten-
tei parecer melhor do que me sentia, juntei minhas coisas e peguei
um táxi para casa.
Caminhar era difícil: eu não sabia o que poderia encontrar. Porém,
a casa parecia surpreendentemente normal. O sol brilhava, as
cortinas haviam sido abertas e tudo estava perfeitamente arrumado.
Estava claro que Dot tivera um bom trabalho. Quando entrei, me perguntando
quem estava em casa, Julian veio correndo em minha direção
e pulou nos meus braços. Era maravilhoso poder abraçá-lo.
Naquele momento, John saiu da sala de televisão.
— Ah, oi — ele disse casualmente. — Por onde você andou?
Eu olhei para ele. Ele só podia estar brincando. No entanto,
não — John parecia relaxado, normal, e até feliz em me ver: ele caminhou
até onde eu estava e beijou meu rosto.
Aquilo tudo havia sido um pesadelo? Ou John era realmente
capaz de fazer uma coisa como aquela e depois a deixar para trás
como se não tivesse importância nenhuma? Eu o conhecia bem, mas
ele já havia me surpreendido anteriormente com sua capacidade
de compartimentalizar a vida e ignorar tudo com que não queria
lidar. Contudo, ignorar o fato de que eu o encontrara com Yoko parecia
o mesmo que ignorar a presença de um elefante no meio da
sala de estar.
Eu não queria dizer nada na frente de Julian, então, ao longo
das horas seguintes, fi z o melhor que pude para fi ngir que tudo estava
normal. Foi bom ver Dot, que olhava para mim cheia de ansiedade,
mas não disse nada, apesar de provavelmente ter sabido o que
acontecera. Ela não saía de perto de mim, me ajudando a desfazer
as malas e arrumar minhas roupas.
Somente à noite John e eu tivemos a oportunidade de conversar.
Tive que me preparar para o confronto que em outras circunstancias
nós dois teríamos procurado evitar e perguntar a John o que
estava acontecendo entre ele e Yoko.
— Ah, ela? — ele disse, como que surpreso por eu ter perguntado.
— Nada, não é importante.

— Nós temos que conversar, John — eu disse. — Por favor, não
fi nja que nada está acontecendo.
No fi nal, nós tivemos uma conversa que provavelmente foi a
mais honesta e profunda que havíamos tido desde que éramos estudantes.
Falamos sobre os nossos erros e culpas, o amor que tínhamos
um pelo outro, nossas esperanças e sonhos. John falou sobre as
outras mulheres com que estivera e insistiu em dizer que Yoko não
era mais importante do que elas haviam sido.
— É você que eu amo, Cyn — ele disse. — Eu a amo mais agora
do que jamais amei.
Naquela noite, fomos para a cama e fi zemos amor, e o meu coração
machucado fi cou mais leve. Não seria fácil esquecer o que havia
acontecido, mas, se aquilo realmente tivesse fi cado no passado,
eu tentaria. O John nos braços de quem eu passei a noite era alguém
tão diferente do homem que olhara para mim tão impassivelmente
enquanto estava sentado com Yoko no solário que era difícil acreditar
que eles fossem a mesma pessoa. Será que ele estava drogado?
Eu sabia que ele havia voltado a se drogar desde que se desencantara
com o Maharishi. Somente o efeito das drogas podia explicar a
forma como ele havia se comportado.
A verdade é que John nunca renunciara completamente às drogas.
Enquanto estávamos na Índia, minha mãe encontrara um estoque
de LSD que ele havia escondido em casa e dera descarga nele.
Quando descobriu o que ela tinha feito, John fi cou furioso, mas não
podia confrontá-la sem admitir que estava se drogando, então fi –
cou quieto.
Nos dias seguintes, tudo parecia bem. John estava de bom humor,
Julian andava feliz por nos ter por perto e eu ousei alimentar
esperanças de que houvéssemos superado o pior. John e eu tivemos
mais uma série de conversas honestas. Ele falou sobre a sua necessidade
de explorar novas experiências e eu lhe disse que sabia que nem
sempre poderia compartilhá-las com ele. Voltei a ser praticamente a
garota que sempre fora, feliz por estar em casa, sendo esposa e mãe.
Eu me tornara mais independente com o passar dos anos, mas era
essencialmente a mesma. John mudara muito e estava partindo em
novas direções à procura de respostas. Conversar nos aproximou.
Concordamos em que queríamos fi car juntos, apesar de nossas diferenças.
Afi nal de contas, nós sempre fôramos diferentes, e as coisas
haviam dado certo entre nós durante dez anos. Por que não poderia
ser assim por mais dez?
Mais uma vez, eu me sentia determinada a fazer meu casamento
dar certo. Porém, essa trégua feliz logo chegou ao fi m. John deveria
ir aos Estados Unidos com Paul numa viagem a trabalho relacionada
à Apple. Eu sugeri ir com ele: parecia-me que, se quiséssemos conservar
aquela proximidade, deveríamos passar mais tempo juntos,
e uma viagem a Nova York seria divertida.
A resposta de John foi um simples “não”. Ele se recusou a olhar
para mim ou discutir o assunto. Eu senti o meu estômago se revirar:
ele estava se afastando de mim outra vez.
Nos dias seguintes, ele permaneceu irritável e retraído, e eu comecei
a ter uma sensação cada vez maior de pânico, pois não conseguia
me comunicar com ele.
Não queria fi car sozinha em casa, esperando cheia de apreensões
enquanto John viajava, então perguntei se ele se importaria
se eu levasse minha mãe e Julian para passarmos duas semanas
na Itália.
— Claro que não — ele respondeu.
Organizar a viagem para a Itália serviu para manter minha mente
ocupada, de forma que eu me deixei absorver pelos preparativos a
fi m de afastar meu pensamento de John. O que estava acontecendo
com ele agora? Ele já estava arrependido de ter prometido que fi caríamos
juntos e tentaríamos consertar as coisas? Voltando a pensar
nisso agora, talvez eu não tenha sido inteligente ao viajar naquele
momento; talvez devesse ter fi cado em casa a fi m de estar lá quando
ele voltasse dos Estados Unidos em vez de tê-lo deixado sozinho.
Talvez eu não devesse ter viajado com minha mãe, que costumava
irritar John nos melhores momentos, o que havia piorado depois de
ela ter destruído as drogas dele.

Na época, entretanto, viajar pareceu a melhor coisa a fazer: na
Itália eu encontraria o calor, a gentileza e a companhia de que tanto
precisava.
Àquela altura, mamãe havia deixado a casa de Esher e se mudado
para o apartamento de Ringo na Montagu Square, na saída da
Baker Street, que havíamos alugado dele para ela. Mamãe se sentia
entediada em Esher, embora estivesse perto de nós, e preferia Londres,
onde havia mais coisas para ela fazer e explorar.
Mamãe foi de carro até Kenwood com minha tia e meu tio, que
viajariam conosco. Eu sempre me dera bem com Daisy, irmã de mamãe,
e — talvez pressentindo o que estava por vir — queria minha
família perto de mim.
Na Itália, nós fi camos no mesmo hotel de Pesaro em que havíamos
nos hospedado dois anos antes. A família Bassanini foi tão
hospitaleira quanto na nossa estadia anterior, e dessa vez a imprensa
não fazia ideia de que estávamos lá. Apesar das minhas preocupações,
tentei fazer da viagem algo prazeroso para todos. Eu brincava
na praia com Julian e explorava a cidadezinha com mamãe.
Eu lidaria com o que quer que viesse pela frente quando voltasse
para casa.
Uma das copeiras do hotel, uma garota do Lancashire, era
muito divertida. Nós nos demos muito bem, e ela sugeriu que saíssemos
uma noite. Eu não estava certa de que deveria fazê-lo: sentia-
me deprimida naquele dia e estava fi cando com a garganta infl
amada. Além disso, eu certamente não queria que parecêssemos
duas mulheres solteiras à procura de homens. Ela sugeriu que nós
pedíssemos a Roberto, o fi lho dos donos do hotel, que nos levasse.
Disse ainda que ele fi caria muito contente em nos acompanhar, e a
ideia começou a me agradar. Até então, eu havia fi cado quieta no
hotel tranquilamente com a minha família: faria bem para mim me
divertir um pouco.
Roberto era charmoso e cortês, e cuidou muito bem de nós.
Ele era extrovertido e parecia conhecer todo mundo na cidade, tendo
nos apresentado a dezenas de pessoas enquanto íamos de um
bar para outro. Eu me diverti e, durante algumas horas, esqueci os
meus problemas.
Quando o nosso carro estacionou em frente ao hotel por volta
das 2 horas da manhã, Roberto abriu a porta para mim e, ao sair
do carro, eu me deparei com uma fi gura familiar: Magic Alex. Ele
andava de um lado para o outro, agitado. Que diabos ele estava fazendo
ali? Ele olhou para mim e Roberto, e eu senti meu coração
apertar: lá estava eu, chegando de madrugada com um jovem e belo
italiano. Pedi a Deus que Alex não pensasse que eu estava tendo um
caso com ele.
Nós entramos e encontramos mamãe sentada no saguão, parecendo
afl ita. Eu perguntei a Alex o que estava acontecendo, e ele
disse:
— Eu vim trazer uma mensagem de John. Ele vai pedir o divórcio,
tirar Julian de você e mandá-la de volta para Hoylake.
Meus joelhos cederam. Foi como se as forças houvessem deixado
meu corpo, e eu me senti doente. Só pude pensar naquele momento
em como John fora covarde ao mandar seu cãozinho falar
comigo por não ter coragem de me encarar. John fora muito mais
que simplesmente evasivo: ele agira com maldade e crueldade.
Eu só tinha certeza de uma coisa: não importava o que acontecesse,
eu nunca deixaria que John tirasse o meu fi lho amado de
mim. Subi as escadas correndo para onde Julian estava dormindo
e o beijei.
— Eu nunca deixarei ninguém tirar você de mim — sussurrei
no ouvido dele. — Nunca.
Fui para a cama, desesperada para dormir e esquecer tudo, mas
o sono simplesmente não chegava, e fi quei deitada ali, incapaz sequer
de chorar, vendo o dia amanhecer. Então aquele era o fi m: depois
de tantos meses de preocupações, novos começos e esperanças
frustradas… Meu casamento havia acabado. Eu adormeci.
Acordei com febre e uma laringite tão forte que mal conseguia
falar. Eu precisava ir para casa, mas não estava em condições de
viajar. Minha mãe disse que voltaria e tentaria descobrir o que estava
acontecendo. Meu tio e minha tia fi caram comigo para cuidar
de Julian.
Nos dias que se seguiram, fi quei de cama enquanto a signora
Bassanini cuidava de mim, trazendo bebidas quentes e panos molhados.
Quando ela trouxe os jornais, havia uma foto de John e Yoko,
de mãos dadas, em sua primeira aparição pública. Eles haviam ido
assistir à noite de abertura da peça In His Own Write, uma adaptação
dos livros de John feita por um amigo nosso, o ator Victor
Spinetti. Os jornais referiam-se a Yoko como “o novo amor” de
John. A persistência dela funcionara com perfeição: depois de todas
as cartas e telefonemas, de ter aparecido tantas vezes à nossa porta,
Yoko conseguira o seu homem… o meu homem.
Aparentemente, Yoko também era casada. Aquela era a primeira
vez em que eu ouvia falar de Anthony Cox, seu segundo marido, e
de sua fi lha Kyoko, que era quatro meses mais nova que Julian. Eu
me perguntei como eles deveriam estar se sentindo. Será que John e
Yoko haviam parado sequer por um momento para pensar nas duas
famílias que agora haviam sido destruídas? Será que eles tinham alguma
ideia do preço da sua felicidade?
As fotos de John e Yoko já estavam espalhadas pelo mundo,
então todos saberiam que eu havia sido substituída. Já era terrível
ser trocada pelo marido, mas ser trocada de forma tão pública e humilhante
era doloroso.
Assim que me senti bem o bastante para viajar, nós voltamos
para a Inglaterra. Julian e eu tomamos um carro do aeroporto para
o apartamento de mamãe, em Londres. Quando chegamos, mamãe
nos abraçou. Havia um grande buquê de fl ores na mesa.
— Quem as mandou? — eu perguntei.
Mamãe me entregou o cartão, que dizia:
“Cheguei primeiro! John”.