Eu a conheci em seu apartamento em Havana.
Tudo que havia ali, naquele quarto e sala, tinha voz própria. Na estante, um boneco de madeira com os membros unidos por fios de metal, um objeto folclórico e alguns livros: Neruda, Houellebecq, Vargas Llosa. Um porta-retrato com a foto do filho pequeno numa mesa de canto. Sobre a mesa de refeições, um computador modelo jurássico sem acesso à internet.

E, emoldurada e pendurada na parede, a capa da edição da revista “Time” que apontou a moradora do local como uma das 100 personalidades mais influentes do mundo.
Consegui o endereço de Yoani Sánchez tecendo uma rede complexa de amigos dos amigos dos meus conhecidos na ilha de Fidel. A blogueira não é uma pessoa exatamente popular por ali. E sabe disso. “O governo cubano diz que sou amiga da CIA, pessoas no exterior dizem que sou da segurança do Estado, que bom que há multiplicidade de opiniões, isso não me preocupa.”

Yoani é jovem. Tem hoje 37 anos. É da geração pós-revolução. Na Cuba que conheci, há uma clara divisão geracional. Os pré-revolução, que em sua maioria idolatram o Comandante que os libertou do subjugo americano, e os jovens que querem o que o mundo oferece: dos tênis de marca à liberdade de expressão.

A blogueira diz que virou referência justamente por usar seu blog para “expulsar os demônios internos. A apatia, a tristeza, a acomodação. O problema é que os jovens de Cuba deixaram de sentir que o país lhes pertence”.

Talvez Yoani já pudesse prever a polêmica que provocaria em sua visita ao Brasil. Mas fico imaginando se ela deseja o contraditório pelo prazer em provocá-lo. Não me parece. O que ela percebeu é a delícia da possibilidade. “Eu tenho uma vida real e uma vida virtual. Minha vida real é esta que você está vendo aqui neste apartamento, mas a pessoa do blog tem uma existência paralela. Vive no cyberespaço. Tem possibilidades de alcance que não tenho na minha vida real.” 

Possibilidades! Em Cuba, fazer e distribuir um jornal é um delito. Propaganda inimiga. Nas grandes democracias, você pode fazer o jornal que quiser.
Mas dificilmente sua voz vai ultrapassar os muros da mídia consolidada sem uma sólida alavanca comercial.
A internet é outro bicho. Um território ainda sem fronteiras delimitadas. Para o bem e para o mal.
A própria Yoani explica: “O muro de Berlim caiu em 1989, e eu vi aquelas imagens pela primeira vez em 2000, quando vivi na Alemanha. Mas há duas semanas um jovem universitário discutiu com o presidente do Parlamento cubano, aqui em Havana, e eu tive acesso às imagens do bate-boca quase imediatamente. Há uma rede de distribuição e difusão de informações pela internet que é irrefreável!” Irrefreável não significa fácil.

Vi Yoani escrever seus artigos sentada na sala de casa, salvá-los em um pen drive e sair pela cidade buscando uma conexão que levasse seus demônios para o mundo. Seu mérito, a meu ver, é fazer parte da rede que paira sob os regimes, democráticos ou não. E a beleza da história da blogueira é que qualquer um, em qualquer lugar do mundo, pode ser Yoani. Se usar essa e outras tantas possibilidades de maneira inteligente, será candidato a merecer, um dia, uma capa de revista – como aquela do apartamento de Yoani – pendurada na parede de casa.

Ana Paula Padrão é jornalista e apresentadora