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Investimento insuficiente em obras antienchentes, falhas nos sistemas que deveriam desviar o excesso de água do rio Pinheiros e facilitar o escoamento no Tietê, lixo acumulado no leito dos rios, ocupação urbana desordenada e grande volume de chuva causaram 23 mortes em oito dias. A região metropolitana sofreu. E o pior: as tempestades de verão ainda nem começaram

O ajudante-geral Geomar Souza dos Santos preparava o café. Era terça-feira 8, pouco antes das 6 horas da manhã. Chovia em Santana de Parnaíba, município de 100 mil habitantes a 40 quilômetros da capital paulista. De repente, um estrondo. Um barranco de mais de 15 metros de altura despencou sobre a casa da família. Geomar e a mulher, a auxiliar de limpeza Neusa, conseguiram escapar. Os filhos não. Juliano e Juliana, gêmeos de 7 anos, Geomara, 9, e João Luís, 20, acabaram soterrados enquanto dormiam. Outras quatro pessoas perderam a vida na Grande São Paulo na mesma terça-feira de caos. Todas carregadas pela água ou encobertas por lama. Nos primeiros oito dias deste mês, foram computados 23 mortos e mais de dois mil desabrigados na região metropolitana. Pelo menos 30 municípios foram afetados pelas chuvas. Cento e cinco pontos de alagamento foram registrados na cidade de São Paulo. Vias importantes, como as marginais dos rios Tietê e Pinheiros, ficaram submersas durante horas. Milhões de cidadãos permaneceram ilhados. Residências e comércios foram inundados.

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RECORDE Pouco mais de 20 horas de chuva deixaram São Paulo debaixo d’água. Os rios Tietê e Pinheiros transbordaram

Enquanto os paulistas contavam seus mortos e os prejuízos materiais, o prefeito Gilberto Kassab (DEM) e o governador José Serra (PSDB) tentavam minimizar os efeitos da tragédia e se esquivar da responsabilidade pela crise. “Foi um dia muito difícil. O caos é diferente. Caos é caos”, afirmou Kassab. “Foi um volume muito grande de água. O que há de positivo nessa chuva é que, mesmo com a intensidade de água, o (córrego) Aricanduva e o (córrego) Pirajussara não transbordaram.” Já o tucano usou a rede social Twitter para se justificar: “Foi a chuva mais intensa em um dia na capital desde março de 2006. Em 15 horas, choveu quase 40% do volume previsto para o mês de dezembro”, escreveu. E acrescentou depois: “Em 11 anos, o governo de SP fez 45 piscinões.” O governador não mencionou que, em 2009, o Estado desembolsou menos da metade do dinheiro previsto para obras antienchentes. Em nota, o governo tucano afirmou que R$ 2,9 bilhões foram destinados à redução de enchentes na Grande São Paulo desde 1995. Kassab também não disse que, nos últimos quatro anos, a prefeitura investiu apenas 68% do que foi orçado para essa área.

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É injusto, portanto, atribuir toda a culpa dos deslizamentos de terras e alagamentos à instabilidade do clima. Bombas hidráulicas que deveriam desviar o excesso do rio Pinheiros e facilitar a vazão no Tietê falharam. Um muro de arrimo na altura da Ponte das Bandeiras, na zona norte, cedeu. Os leitos desses rios e de uma porção de outros que desembocam neles, além de córregos e galerias, estão entupidos de lixo. A ocupação do solo é desordenada em São Paulo. Com tanto concreto, a possibilidade de escoamento da chuva fica bem reduzida.
Na terça-feira 8, o Tietê subiu, em média, sete metros. E o Pinheiros, quatro metros. Bombeiros tiveram de resgatar vítimas a nado. Milhões de pessoas não conseguiram chegar ao trabalho ou à escola. Pelas projeções feitas durante a gestão de Geraldo Alckmin (PSDB), com as obras de aprofundamento e alargamento da calha do Tietê (que custaram mais de US$ 1 bilhão), o rio transbordaria uma vez a cada 100 anos. Só em 2009, isso aconteceu duas vezes. Com a chegada das tempestades de verão, se nada for feito imediatamente, é provável que o problema não pare por aí. Pode, inclusive, se agravar. Segundo o técnico em meteorologia Adilson Nazário, do Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE), a expectativa é de que as chuvas nesse verão ultrapassem as médias registradas nos últimos anos.

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CAOS Os efeitos da chuva atingiram mais de 30 cidades na Grande São Paulo.

De acordo com o engenheiro João Francisco Soares, especialista em hidráulica e saneamento e membro do Instituto de Engenharia, algumas obras poderiam reduzir as enchentes. Mas não eliminá-las completamente. Soares diz que um dos principais problemas na região metropolitana de São Paulo é o lixo não coletado pelas prefeituras e que vai parar no fundo dos rios – as águas imundas não respeitam os limites geográficos dos municípios e acabam afetando os vizinhos. O esgoto de diversas cidades é despejado diretamente nos rios. Sem tratamento, os detritos sólidos ficam acumulados nos leitos e reduzem o espaço para a água, diz César Bergström, diretor de Urbanismo do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva.

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Os gêmeos Juliano e Juliana, 7 anos, morreram soterrados em Santana de Parnaíba

A limpeza dos rios, galerias e bueiros e a criação de piscinões e de parques lineares para preservar as encostas seriam soluções mais baratas e mais simples do que a elevação das pistas das marginais e a construção de diques para ampliar a capacidade dos principais rios que cortam a Grande São Paulo, segundo especialistas. Só depois de estourada a crise, Serra e Kassab prometeram ampliar os investimentos antienchentes.

Outros efeitos do caos podem continuar a aparecer. A água jogada para fora do Tietê inundou a Central de Abastecimento de São Paulo (Ceagesp), na zona oeste da capital. Setenta toneladas de alimentos foram perdidas. Calcula-se que o prejuízo tenha chegado a R$ 15 milhões. A Ceagesp afirma ter higienizado a área afetada antes de repor os estoques. A prefeitura teria acompanhado, informalmente, o descarte de alimentos. Mesmo assim, uma porção de gente foi vista levando frutas e verduras enquanto a água não tinha baixado. Pessoas que caminharam no meio da inundação podem ter contraído doenças como leptospirose e dermatites. No extremo leste da cidade, dois mil moradores tiveram suas casas invadidas pela água do rio Tietê, segundo a Defesa Civil. Desabrigados foram levados para uma escola suja e onde não havia água potável. Trinta e cinco famílias receberam colchões no meio da madrugada e pãozinho com mortadela apenas 12 horas depois de chegar a um abrigo improvisado pela prefeitura. Na cidade de Caieiras, ainda há pessoas desabrigadas desde uma enchente ocorrida em fevereiro. O caos não acabou. E os meteorologistas avisam: haverá chuvas fortes nos próximos dias.

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