Um dos maiores escritores de ficção científica de todos os tempos, o russo Isaac Asimov dizia que toda tecnologia avançada é indistinguível da magia. A maioria dos laboratórios de pesquisa de universidades e empresas trabalha hoje em projetos que parecem faz-de-conta. Ali são criadas minúsculas câmeras que viajam pela corrente sanguínea para enxergar as entranhas do corpo humano com precisão nunca antes vista. No tratamento de doenças com efeitos colaterais agressivos, elas carregariam remédios ou genes inteiros para medicar e estimular as células doentes, sem comprometer as sadias. Emergente e promissora, a nanotecnologia representa o universo dos objetos quase invisíveis, milhares de vezes menores do que um fio de cabelo, centenas de
vezes mais resistentes do que o aço e capazes de produzir robôs
ainda mais inteligentes. Derivada do grego nano, que significa anão, a nanotecnologia é um ramo do conhecimento que trabalha com dimensões atômicas, cujos reflexos alcançam quase todos os campos da ciência e prometem movimentar quantias astronômicas. Estima-se que até 2015 os investimentos mundiais serão de US$ 1 trilhão.

Na dianteira estão os Estados Unidos, a França e a Alemanha. Só os americanos reservaram US$ 847 milhões para este ano. A China investe algo equivalente, e surge como uma potência, junto da Coréia do Sul e da Índia. Já o Brasil ocupa um posto no segundo escalão, ao lado da Tailândia, Filipinas, África do Sul e Chile. Só ganha do México e da Argentina. Na prática, a nanotecnologia começa a criar um fosso entre países ricos e nações em desenvolvimento, repetindo a ladainha da exclusão digital, que condena parte da população a viver sem acesso ao mundo dos computadores. “O que está em jogo são os benefícios para as cinco bilhões de pessoas que vivem nos países em desenvolvimento”, diz Erin Court, do Centro de Bioética de Toronto, no Canadá.

A recente odisséia em busca de vida em Marte deve ter o efeito de um pé no acelerador para disseminar a nanotecnologia. Os robôs americanos acharam evidências de água no solo marciano, mas a verdadeira prova de que existiu – ou ainda existe – vida em Marte só virá no dia em que os astronautas pousarem no solo vermelho. Como uma viagem tripulada pode levar até três anos, a agência espacial americana Nasa investe pesado em técnicas de nanotecnologia para curar os astronautas antes mesmo de eles adoecerem.

A indústria da beleza pegou carona. A grife francesa de cosméticos L’Oréal lançou em 1998 o creme anti-rugas Revitalift, que incorpora minúsculas cápsulas de vitamina A que se espalham sobre a pele como uma esponja. A Lancôme seguiu a onda ao produzir hidratantes e base para maquiagem com cápsulas que, em vez de se alojar nos poros, nivelam as rugas e camuflam as marcas de expressão. O setor da moda também foi rápido no gatilho. No Brasil, a Santista Têxtil investiu R$ 45 milhões num tecido com cápsulas hidratantes que se rompem com o movimento do corpo. Desenvolvido por uma indústria alemã, o tecido de algodão e elastano inaugura a onda das roupas inteligentes. Algumas funcionam como dosadoras de remédios. Em vez de hidratante, elas carregam insulina, para o tratamento de diabetes, ou substâncias relaxantes para ativar a circulação do corpo e combater o stress. As grifes americanas Levi’s e Eddie Bauer foram as pioneiras ao lançar calças que não sujam. Na Eddie Bauer, elas custam US$ 60, US$ 10 a mais do que os outros modelos. Suas fibras de algodão têm estruturas que formam uma barreira contra manchas de refrigerante, café, vinho e maionese. A calça se modela ao corpo para não apertar a cintura e nem as canelas. E transforma em história do passado a aparência amarrotada. Um processo semelhante foi usado nos casacos à prova d´água Gore-Tex, que mantêm a transpiração do corpo e dispensam a máquina de lavar. Existem ainda em laboratório tecidos cuja trama se abre para ventilar durante o calor e se comprime para esquentar no frio.

Quem plantou a primeira semente da nanotecnologia foi o americano Richard Feynman, Nobel de Física de 1965. Ele deixou a comunidade científica perplexa ao propor a manipulação de átomo por átomo. Decifrador de hieróglifos maias, dançarino e tocador de bongô, o físico que esteve duas vezes no Brasil foi taxado de louco. O assunto ficou adormecido até que, em 1992, o físico Eric Drexler chocou o Senado americano ao difundir a idéia de construir nanorrobôs que manipulam moléculas, como se fossem peças de Lego, só que com dimensões atômicas.

Formigas – “A idéia da nanotecnologia é imitar o comportamento da natureza”, explica o engenheiro Edval J. P. Santos. Coordenador do laboratório de dispositivos e nanoestruturas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Santos explica: “Uma formiga sozinha não faz nada, mas um grupo delas pode construir estruturas gigantescas.” O Brasil tem quatro redes de pesquisa em nanotecnologia. São 300 cientistas de Norte a Sul trabalhando em projetos voltados para agropecuária, comunicações, petroquímica, informática, saúde, indústria e aeronáutica. Se comparada às grandes potências, a verba brasileira é irrisória. O plano original era grande, mas os cortes da equipe econômica reduziram o repasse. Agora, o governo promete investir módicos R$ 9 milhões em 2004. “Isso pode custar ao Brasil a chance de se igualar aos países mais avançados”, reclama Rogério Cerqueira Leite, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde está o Laboratório de Luz Síncrotron, único da América Latina com aparelhos para trabalhar com estruturas invisíveis a olho nu.

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Os críticos alegam que o País derrapa em definir prioridades e nichos
nos quais poderia competir com outras nações. Antes de investir
em pesquisa, o Brasil precisa renovar seus laboratórios. Por envolver partículas tão minúsculas, essa nova divisão exige equipamentos
como os microscópios atômicos. Um deles será inaugurado durante
o 1º Congresso Internacional de Nanotecnologia, que acontece
em São Paulo, no próximo dia 23. Promovido pela Universidade de São Paulo (USP) e pelo Instituto Tecnológico Brasil-Alemanha (ITBA), o congresso terá a participação de uma das maiores autoridades no assunto, Harald Fuchs, diretor do Centro de Nanotecnologia da Universidade de Münster, na Alemanha, que doou um microscópio atômico aos engenheiros da USP. “O Brasil não tem tempo a perder.
A nanotecnologia vai revolucionar as pequenas e médias empresas”, explica Werner Schwarz, presidente do ITBA.

Apesar das dificuldades, o Brasil criou um produto que ganhou reconhecimento mundial. A língua eletrônica desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) imita o paladar humano. Reconhece sabores salgados, doces, amargos e azedos e consegue diferenciar vários tipos de café, vinho e água mineral. Entre vinhos da mesma marca, ela determina qual a safra de procedência e distingue entre um tinto Cabernet Sauvignon ou um Chardonnay. Sua sensibilidade é até dez mil vezes maior do que as papilas gustativas. Tanto que, a partir deste ano, a indústria do café vai usá-la na degustação. “A língua não substituirá os especialistas de carne e osso”, diz Luiz Henrique Capparelli Mattoso, coordenador do projeto que estará disponível para uso industrial em três anos. Agora, os pesquisadores criam sensores para a língua artificial analisar leite e sucos de uva e de laranja.

Outra idéia que parece tornar realidade o sonho dos ecologistas são os nanoímãs que absorvem o petróleo e as substâncias tóxicas despejadas na água por acidente. Envoltos numa microcápsula vazada, feita de um tipo de plástico chamado polímero, eles podem ser modificados quimicamente para repelir a água. No caso de derramamento de óleo, essas minúsculas cápsulas, com um ímã em seu interior, seriam espalhadas na mancha. O ímã atrai o óleo, que é sugado por filtros, que purificam a água. Na indústria farmacêutica, os brasileiros trabalham na criação de cápsulas que carregariam moléculas de um princípio ativo até o órgão doente, reduzindo os efeitos colaterais. Os mesmos nanotubos feitos de moléculas de carbono que filtram o rim dos pacientes na hemodiálise ajudariam a substituir estruturas metálicas na engenharia. É na eletrônica, porém, que a revolução será avassaladora. Em vez de computadores que cabem na palma da mão, a tendência são os chips um milhão de vezes menores que o menor chip de hoje. Isso multiplicaria por mil a capacidade de processamento das máquinas atuais. Os chips se espalhariam por todos os cantos, em particular pelos carros, onde controlariam quase tudo, do sistema de frenagem até os air-bags. Os Audi A4, A6 e A8 já trazem algumas dessas novidades. A mais banal delas é a cobertura do vidro nos carros conversíveis, que impede o reflexo dos raios solares no cockpit. Ao regular a luminosidade interna, a película ultrafina reduz a temperatura do carro, o que diminui o consumo de ar condicionado e de combustível. As possibilidades são muitas para a indústria automobilística e parecem ficção. O melhor exemplo é a tinta inteligente, coberta de sensores capazes de se recuperar sozinhos em caso de arranhões na pintura e que mudariam de tonalidade dependendo do humor do motorista.

Tradicional adepta das novas tecnologias, a indústria bélica esbanja criatividade. Um dos produtos mais inovadores é o uniforme à prova de balas com sensores eletrônicos capazes de detectar explosivos ou gases tóxicos. A roupa monitora o contato do soldado com agentes biológicos e possui um sistema de primeiros socorros para estancar hemorragias e iniciar a cicatrização de ferimentos. Um dos protótipos transforma o tecido numa espécie de tala para engessar o soldado que sofrer uma fratura. O pitoresco é que o uniforme se recobre de miniespelhos que refletem o seu redor, dando a ilusão ótica de invisibilidade.

Perigo – Tamanha revolução não poderia passar ilesa. Há gente de respeito e renome assustada com as possíveis ameaças desses diabólicos robôs minúsculos. Entre eles está o visionário Bill Joy, criador da linguagem Java usada em alguns celulares. Para ele, o domínio da nanotecnologia pode ser mais perigoso do que a clonagem humana, pois coloca em risco a própria existência humana. Até o príncipe Charles, da Inglaterra, engrossou a chiadeira ao propor mais discussões sobre as consequências ambientais, financeiras, sociais e medicinais da fabricação das nanopartículas. Em janeiro deste ano, cientistas britânicos se solidarizaram com o príncipe ao especular que essas partículas poderiam se alojar no cérebro humano. Os profetas já pintaram um futuro sombrio, no qual os robôs se auto-reproduzem sem controle. Há quem duvide desse cenário, mas especialistas, como o escocês Ken Donaldson, professor de toxicologia respiratória da Universidade de Edimburgo, afirmam que existe o risco de esses materiais serem
aspirados para dentro do corpo. Pesquisas com ratos de laboratório mostraram que as nanopartículas depositadas no nariz migram para o cérebro e se movem dos pulmões para a corrente sanguínea. Até agora, não há certeza de que haja uma ameaça aos humanos. O professor Donaldson pede cautela. Hoje, quem vive nas grandes cidades se habituou a respirar muitas partículas de poluição no trânsito ou
mesmo na frente do fogão. Em alguns, isso dispara crises de asma, problemas cardiovasculares e reações do sistema imunológico. Nem
por isso se pode condenar o progresso. O mesmo vale para as
inovações da biotecnologia, da robótica e da engenharia genética.
Mais uma vez, o ser humano se vê obrigado a assimilar uma nova tecnologia, capaz de revolucionar a medicina, a indústria de bens
de consumo e de construção, mas que também promete municiar infindáveis debates sobre o futuro da humanidade.

Um admirável mundo mágico
   
Nitidez: o visor das câmeras digitais ficou mais brilhante e maior, como na Kodak EasyShare, que tem 5,6 cm e resolução de 3,1 megapixel Degustação: ao imitar o paladar humano, a língua eletrônica da Embrapa reconhece os sabores doce, amargo e azedo e determina a safra do vinho, os tipos de café e de água mineral

Medicina: a cápsula revestida com anticorpos é injetada no paciente para denunciar tumores e permitir tratamentos sem efeitos colaterais Beleza: as francesas Lancôme e L’Oréal foram as primeiras a lançar cremes anti-rugas que camuflam as marcas de expressão
             
         
Inovação: o reflexo da luz solar impede a visão dos relógios. Já a película sobre o painel absorve a luz sem prejudicar a leitura e a tinta inteligente é capaz de mudar a cor do carro      

Moda: as peças de roupa vêm com hidratante, se ajustam ao corpo, não absorvem as manchas, nem amarrotam
             
         
Tênis: a raquete da Babolat exige menos esforço e as bolas oficiais da Copa Davis são duas vezes mais resistentes

Esqui: a jaqueta alemã é à prova de vento, de água, mas mantém a respiração da pele, sem nunca juntar sujeira


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