Congressistas brasileiros mostram sinais concretos de que acreditam piamente viver em um mundo de fantasia particular, sem a necessidade de prestar contas sobre atos e decisões. Fulminam com soberba e ironia o senso comum, confrontam leis e juízes, amarrotam a legitimidade do voto que recebem e fecham acordos impróprios apesar dos protestos. Do alto da tribuna desdenham do sentimento geral de indignação e, sem constrangimento, colocam os interesses estritamente particulares, e de seus pares, acima do interesse público. Foi assim mais uma vez para consagrar na presidência do Senado e da Câmara dos Deputados, respectivamente, os nomes de Renan Calheiros e Henrique Eduardo Alves. Ambos peemedebistas com uma avalanche de suspeitas a pesar sobre suas biografias. Nada levou a bancada das duas casas a recuar um milímetro sequer na determinação de entronizar os escolhidos. Um misto de fisiologismo, conchavo e clientelismo, o todo movido pela ânsia de angariar mais e mais vantagens, provocou a combinação perfeita que deu cabo à negociata partidária. O estandarte da decadência política foi mais uma vez erguido naquela Casa, maculando reputações dos que participaram da espúria aliança. Os envolvidos fizeram ouvidos moucos ao grito das ruas. A dupla Calheiros/Alves, à revelia de suas dívidas com a Justiça e o decoro, assumiu assim a condição de altas patentes na esfera do poder federal, entrando na linha sucessória direta da presidência como terceiro e quarto substitutos legítimos a ocupar a cadeira em caso de ausência da titular. Renan Calheiros, num traço de completo descaso às críticas que recebeu, ousou falar em ética durante o seu discurso de posse – ética como “meio” não como “fim”, disse, esquecendo tratar-se na verdade do “princípio”, um valor de conduta inegociável. Ao lado do conterrâneo e antigo aliado, Fernando Collor (esse apeado da presidência em rumoroso processo de impeachment nos anos 90) repetiu sorrisos de vitória pela situação. Ambos estão descompromissados com o seu passado e pareciam gozar, naquele momento, a tal utopia parlamentar. A reiterada convicção de que, não importam os erros ou falhas, eles serão sempre reconduzidos à condição de destaque na cena política, por obra e graça dos lapsos de memória dos eleitores na hora das urnas. Ledo engano. O voto conquistado não se presta a ofensas, nem está ali para deleite e ambições pessoais. O compadrio tem seu preço e a conta ainda vai voltar, alta.