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CARNAVAL S.A.
Roni Lutero (à esquerda), da Acadêmicos da Rocinha, Lúcio Bairral (à direita),
da Mocidade, e Edson Alexandre (sentado), da Grande Rio, cercados
por duas passistas: captação de patrocínio para o samba

O que era barracão agora é chamado de fábrica. Carnaval virou plataforma. E estandarte pendurado na quadra hoje é banner. A nomenclatura usada no ambiente corporativo migrou para as escolas de samba do Rio de Janeiro, junto com uma grande quantidade de especialistas em captação de recursos, oriundos do mercado financeiro – alguns de multinacionais e munidos de MBA –, e ganha visibilidade nos desfiles deste ano, no auge do profissionalismo das agremiações. Até o organograma das escolas se assemelha ao de uma empresa, com diretorias e departamentos comuns a grandes corporações. Faz sentido: para colecionar notas dez no Sambódromo, e competir ao título de campeã da festa considerada o “maior espetáculo do planeta”, uma escola não gasta menos do que R$ 12 milhões, sendo que as maiores chegam, ou ultrapassam, R$ 15 milhões. Numa era em que os tradicionais patronos, a maioria ligada ao jogo do bicho, perdem hegemonia, esses mercadores do samba ganham espaço. Cada uma das 12 integrantes do Grupo Especial recebe em torno de R$ 6 milhões de subvenção oficial (leia quadro). Cabe a esses experts em marketing e finanças captar o resto. Ao lado de presidentes, eles formam as novas comissões de frente que visitam empresas atrás de patrocínio.

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A estratégia varia. Há quem tenha a sorte de conseguir um único patrocinador – como a Beija-Flor, que recebeu R$ 6 milhões –, e quem trabalhe mais no varejo, juntando vários patrocínios em cotas menores. A campeã do ano passado, Unidos da Tijuca, do consagrado carnavalesco Paulo Barros, tem como enredo a Alemanha, tema sugerido pelo país europeu. Isso abriu alas para o apoio de multinacionais germânicas, mas não sem, antes, arrolar muitas reuniões de negócios durante oito meses. “As empresas, no início, tiveram resistência, mas quatro fecharam o patrocínio: as alemãs Volkswagen, Merck e Stihl e a francesa GVT”, conta Bruno Tenório, 31 anos, diretor de comunicação da escola. O pool empresarial somou R$ 3,5 milhões. “Chegamos com um plano de negócios pronto. O mercado corporativo teve dificuldade para entender que o Carnaval é uma fabulosa oportunidade de negócios, mas isso está mudando”, diz Fabiana Amorim, 33 anos, diretora de marketing da Unidos da Tijuca. A escola ainda arrecadou R$ 2,5 milhões com eventos, como os 200 shows anuais da bateria no Brasil e no Exterior. “Os carnavalescos tentam se superar no luxo e na grandiosidade. Nossa tarefa é viabilizar isso”, afirma o presidente Fernando Horta, uma liderança entre os comerciantes portugueses do Rio. “Temos a obrigação de tocar a escola como se fosse uma empresa. Não há espaço para amadorismo”, diz o presidente da União da Ilha, Ney Filardi.

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MUDANÇAS
Ney Filardi, da União da Ilha, aprova a gestão empresarial:

"Não há espaço para amadorismo"

A sortuda Beija-Flor buscou um caminho bem específico e muito aquinhoado ao levar para a avenida a história da raça de cavalo brasileira mangalarga marchador. A associação nacional dos criadores do animal repassou, sozinha, mais de R$ 6 milhões para o desfile. Para chegar a esse valor, foram mais de 20 reuniões em salas refrigeradas de ambas as entidades, no Rio e em Belo Horizonte (MG), onde fica a sede dos criadores. “A história do cavalo é muito bonita e a escola vai contá-la de uma forma poética. Será uma oportunidade única de mostrar essa cultura para o Brasil e o mundo”, avalia o presidente da associação, Magdi Shaat. A Beija-Flor, que ainda tem o bicheiro Aniz Abrahão David, o Anísio, como patrono, também busca ampliar o faturamento com shows e eventos na quadra. Até uma luta de MMA foi realizada no local de ensaio.

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MARKETING
Anderson Abreu, diretor de Carnaval do Salgueiro, escola que explora
o merchandising e é uma das mais lucrativas do Grupo Especial carioca

A Mocidade Independente de Padre Miguel apostou num gênero musical para evoluir na avenida. Vai homenagear neste ano o rock, através do Rock in Rio. Recebeu R$ 600 mil em patrocínio da Artplan, a produtora do festival. Mas o recém-criado departamento de marketing da agremiação foi atrás de outros apoios. Conseguiu R$ 1,5 milhão da Leader, R$ 500 mil da Souza Cruz e R$ 70 mil da Tim. Sob a direção de Lúcio Bairral, 32 anos, com MBA em marketing pela Fundação Getulio Vargas (FGV), a equipe montou a estratégia. “A gente apresenta primeiro, a proposta com as contrapartidas. Depois, fazemos a apresentação de slides com a história da escola, em reunião. Sempre fui bem recebido”, afirma Bairral.

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CAPTAÇÃO
Fernando Horta, presidente da Unidos da Tijuca: ele e seus marqueteiros conseguiram
R$ 3,5 milhões de patrocínios de várias empresas para falar da Alemanha

Ter capital de giro o ano todo é fundamental para manter no quadro os melhores profissionais — uma vantagem do presidente da Grande Rio, Edson Alexandre, que conta com um grupo de pelo menos 40 empresas que doam, anonimamente, entre R$ 2 mil e R$ 30 mil por mês, o ano inteiro. O motivo? “Querem ser amigos do samba”, explica o paulista, que é marchand e mora no Rio há 15 anos. O enredo deste ano será a importância dos royalties do petróleo para a economia e o meio ambiente fluminenses. Ele próprio negociou os patrocínios: R$ 500 mil da Organização dos Municípios Produtores de Petróleo (Ompetro), além de duas outras empresas, cujos valores doados Alexandre não quis revelar. Ambas do ramo: Libra, de logística, e Supreme, de lubrificantes. A Ompetro divulgou nota negando que tenha patrocinado a Grande Rio.

Para o diretor do curso de administração da ESPM do Rio, Marcelo Guedes, especialista em marketing de carnaval, as escolas ainda estão começando a perceber seu real potencial econômico. “Elas não podem mais sobreviver no modelo de décadas atrás. Viraram grandes empresas e é natural que organizem sua nova logística”, diz o professor, que já prestou consultoria para a São Clemente e a Portela. Mas há quem veja limitações nessa busca de recursos. Para o pesquisador e musicólogo Ricardo Cravo Albim, o espetáculo requer mesmo uma receita milionária, mas não é qualquer enredo que dá samba. “Ainda bem que o desfile não é igual aos realizados nas décadas de 1940 e 50. É sinal de que não caiu na mesmice e progrediu. Mas não é conveniente fazer um enredo totalmente comercial. O patrocínio precisa ser diluído”, afirma.

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MERCADO
Fabiana Amorim, diretora de marketing, e Bruno Tenório, diretor de comunicação, da Unidos da Tijuca:

"O samba é uma fabulosa oportunidade de negócios"

O temor do pesquisador tem sentido. A Vila Isabel ganhou o patrocínio da multinacional do setor químico Basf para falar da importância da produção agrícola para o mundo. A empresa preferiu não revelar o montante destinado à escola, mas garantiu que não faltará dinheiro. “Escolhemos a Vila porque é bem estruturada, esteve quase sempre no desfile das campeãs e tem um trabalho social muito forte”, revela Maurício Russomanno, vice-presidente da Unidade de Proteção de Cultivos da Basf. Em pouco mais de um ano, ele fez 15 viagens ao Rio para negociar com a agremiação. O cantor e compositor Martinho da Vila, um dos autores do samba-enredo, afirma, porém, que o tema não foi escolhido depois que surgiu o patrocínio, e sim, o contrário. “Nós sentamos com eles e dissemos que não aceitávamos imposição nenhuma no nosso enredo sobre agricultura. Escolas que se curvam às imposições do patrocinador ainda não estão conscientes da força que têm. Já dispensamos muitos enredos”, disse Martinho à ISTOÉ.

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A guerra de versões não existe no Salgueiro. Na escola, a venda do enredo ficou explícita. O diretor de Carnaval Anderson Abreu reconhece que a escola foi procurada por uma revista de celebridades com a proposta do enredo sobre a fama. E que eles cederam. Em troca, receberam R$ 4 milhões de patrocínio. O Salgueiro também explora o merchandising e a venda de bebidas na quadra do bairro da Tijuca, considerada uma das mais lucrativas do Rio. O profissionalismo das escolas cariocas não se restringe ao Grupo Especial — até porque, todo ano, a última colocada desse reduto “cai” para o Grupo A, e a primeira deste “sobe” para o Especial, numa eterna dança das cadeiras. O reconhecimento de que todas são importantes se confirma na decisão da televisão de transmitir ao vivo, a partir deste ano, também os desfiles do Grupo A. A Acadêmicos da Rocinha se arma para tentar voltar ao topo. O administrador de empresas Roni Lutero, 42 anos, optou pelo esquema de cotas varejistas e fechou um acordo de três anos com a cervejaria Itaipava, que repassará R$ 1 milhão nesse período, o supermercado Extra e o energético Energetic Plus – o primeiro com produtos e, o segundo, com R$ 50 mil. “A mentalidade do Carnaval mudou.  Escola de samba sem gestão empresarial,  estratégias de marketing, patrocínio duradouro e apoio da comunidade não chega a lugar nenhum”, afirma Lutero. Que arremata sem atravessar o samba. “Aquela figura de mecenas que bancava sozinho o carnaval é coisa ultrapassada.”

Colaboraram: Mariana Brugger e Tamara Menezes