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Numa manhã de 1933, o garoto Edgar passeava com a sua babá pela Prinzregentenplatz, elegante região de Munique. Na altura do nº 16, onde ficava um palacete de quatro andares, saiu um homem bastante apressado, trajando capa de chuva e chapéu de feltro que tirou da cabeça ao atravessar a calçada e entrar no carro. Os passantes o saudaram: “Heil, Hitler!” Sim, o homenzinho “menor que meu pai” era o ditador nazista Adolf Hitler. “Ele me olhou nos olhos, mas não sorriu”, lembra Edgar, cujo sobrenome Feuchtwanger é célebre na Alemanha – seu tio Lion foi um dos grandes escritores do país nos anos 1920 e seu pai, Ludwig, o editor de Thomas Mann e Georg Hegel, entre outros. Com 88 anos e historiador consagrado na Inglaterra por livros tratando justamente do III Reich, Feuchtwanger acaba de lançar na França as suas memórias do período em que viveu “de frente” para o fürher. “Hitler, Meu Vizinho”narra, segundo o seu olhar de criança, a vertiginosa ascensão do nazismo que obrigou a sua família judia a fugir da Alemanha em 1939. Ele tinha 15 anos e se naturalizou inglês. 

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O PALACETE DE HITLER
O ditador (acima) morava no segundo andar
do prédio, hoje uma delegacia de polícia

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De Hampshire, na Inglaterra, o historiador falou com exclusividade à ISTOÉ sobre essa experiência que ele vinha hesitando em transformar em livro e só o fez agora a pedido dos netos: “Era como viver no centro de um furacão, com a ressalva de que, naquele momento, não sabíamos que ele iria se espalhar pelo mundo”. Embora fosse criança, já entendia a ameaça que pesava sobre a sua família. E, aos poucos, se inteirou de tudo. Residência de fim de semana de Hitler, o apartamento de nove ambientes, localizado no segundo andar, logo se converteu em um local de trabalho. Foi lá que Hitler recebeu o primeiro-ministro inglês Neville Chamberlain e o ditador italiano Benito Mussolini. Passou a ser também o abrigo de amantes, como Geli Raubal, sua sobrinha, que se matou no local. Feuchtwanger conta que o clima de insegurança foi aumentando à medida que se intensificavam os signos exteriores do poder. Era comum a chegada ruidosa de batedores trazendo o fürher, e, de seu quarto, o autor conseguia ouvir até o seco pisotear das botas. Todas as dramáticas decisões do III Reich eram acompanhadas pela saída destrambelhada de carros Mercedes cantando os pneus. Da janela, de onde via a silhueta do ditador, o menino assistiu a eventos como os preparativos para a Noite dos Longos Punhais, em 1934, que eliminou a elite da SA (tropas de assalto), e para a Noite dos Cristais, que deu início à perseguição sistemática dos judeus, em 1938. A partir daí, Feuchtwanger passou a sonhar que o homenzinho, cujos fios de cabelo saindo do nariz o impressionaram, havia se tornado um ogro.

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DOCUMENTO
Passaporte especial de Feuchtwanger com o carimbo nazista.
Na escola, ele aprendia hinos do partido

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