O consolo para quem foi viajar no Carnaval e passou os quatro dias enfurnado em casa, mofando com a chuva, é que muito provavelmente seu vizinho, seus parentes e também os seus amigos viveram situação parecida, ainda que em cantos diferentes do País. A chuva, que castigou 15 Estados desde o início do ano e teve seu ápice na semana da folia, deixou no ar uma pergunta. Afinal, que verão é esse, com chuvas de Norte a Sul? Em que num dia se veste manga comprida e no outro, camiseta. Os temporais deste ano resultam de uma combinação de três fatores: dois são climáticos e um terceiro, histórico. O primeiro fenômeno meteorológico foi uma frente fria corriqueira, que partiu do Sul e subiu o Brasil rumo ao oceano Atlântico. Já ao segundo fenômeno, os meteorologistas dão o pomposo nome de vórtice ciclônico dos altos níveis. Traduzindo: é uma massa de ar em forma de disco carregada de chuva nas bordas, que viaja a até dez quilômetros de altitude sobre o oceano, em direção ao continente. Como flutuavam em sentidos opostos, os dois eventos climáticos trombaram, produzindo um aguaceiro sem tréguas. O saldo desde o início do ano é trágico: mais de 60 mortes, pelo menos 105 mil desabrigados e um prejuízo de RS$ 100 milhões, só em casas destruídas. Fenômenos como esses se repetem todos os verões. É aí que entra a razão histórica. São cada vez mais evidentes os sinais de que o mundo atravessa um caos climático.

No Brasil, ele ficou claro nas últimas semanas, com as inundações no Nordeste, região que se acostumou a conviver com o drama das secas. “Desde 1985 não chovia desse jeito, a precipitação foi mais do que o dobro dos verões anteriores”, explica Carlos Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Em geral, o período de chuvas nordestinas vai de fevereiro a maio. Só que este ano as águas caíram antes, em janeiro. O mesmo aconteceu em outras regiões do País. No Distrito Federal, contam-se nos dedos de uma mão os dias em que não choveu em fevereiro. Em janeiro, nem isso. Na capital paulista, nos quatro primeiros dias de fevereiro caiu mais água do que em todo o fevereiro de 2003. No meio de tanta catástrofe, houve ao menos uma boa notícia. A Agência Nacional de Águas (ANA) anunciou que o período de enxurradas deve garantir, por dois anos, o abastecimento de água nas regiões do Nordeste atendidas por grandes reservatórios, como o de Orós, no Ceará, que há 15 anos não enchia.

As oscilações de temperatura no inverno passado, a falta de chuvas no verão do racionamento, em 2001, são outros exemplos de que há algo estranho no ar. “Se levarmos em conta mês a mês, houve diferenças bruscas no último inverno. Junho foi quente, julho foi normal e agosto foi frio. Isso não é comum, é indicador de que tem algo errado”, afirma José Antonio Marengo, do Centro de Estudos Climáticos do Inpe. Para alguns especialistas, esses eventos atípicos seriam sinais das mudanças climáticas globais provocadas por fatores naturais, mas que se intensificam em decorrência da ação humana. O desmatamento, as queimadas, os incêndios acidentais e o uso de combustíveis fósseis, como o petróleo, são apontados como os grandes responsáveis pelo aquecimento do planeta. Desde 1850, quando começaram as medições meteorológicas, aumentou em 31% a emissão de gases poluentes (leia quadro ao lado). O gás carbônico (CO2) é o grande vilão e agente do efeito estufa, que impede a troca de calor com a atmosfera e cria uma espécie de manta sobre o planeta.

“Está mais do que evidente que o ser humano está mudando o clima”, diz Enéas Salati, diretor técnico da Fundação Brasileira de Desenvolvimento Sustentável. Ainda assim, os meteorologistas lembram que a Terra passa por ciclos naturais e por alterações climáticas ocasionais e inesperadas. É bom lembrar que durante a era do gelo, quando a temperatura era cinco graus inferior à de hoje, sumiram da Terra animais como o mamute e a preguiça gigante. “O grau de alteração e de impacto no clima pode ser menor do que as previsões catastróficas que se fazem. Só que, quando se provoca um desequilíbrio na natureza, não sabemos como ela vai reagir”, diz Nobre. A Terra pode reservar surpresas e, por isso, na meteorologia, se trabalham com cenários e previsões.

Amazônia – “Ninguém pode afirmar que a quantidade de chuvas no Brasil é decorrência direta do aquecimento global. Só não podemos, em hipótese alguma, descartar essa possibilidade”, diz o físico Paulo Artaxo, coordenador do Instituto do Milênio da Universidade de São Paulo. Na semana passada, um estudo de Artaxo, publicado na revista científica americana Science, colocou mais lenha na polêmica. A pesquisa decifrou o ciclo hidrológico da floresta Amazônica, um dos mistérios do maior reservatório de água doce do mundo. Já se sabe que o desmatamento é um dos agentes do efeito estufa, mas Artaxo conseguiu definir de que forma as chuvas estão ligadas ao uso que se faz da floresta. Em um de seus artigos, ele revelou o impacto das queimadas na frequência e intensidade das chuvas. “Quando uma parcela de floresta ou de pasto é queimada, grande quantidade de partículas é emitida para a atmosfera, o que altera o mecanismo de formação das nuvens”, explica. “O resultado é a supressão da chuva”, conclui Artaxo. Decifrar o ciclo hidrológico amazônico tem desdobramento mundial. A Amazônia é um importante regulador do sistema climático do planeta. “O gás carbônico liberado no Brasil pode chegar ao Japão em uma semana. Se o nível de desmatamento subir, haverá mudanças no regime de chuvas de outras partes da Terra”, projeta Artaxo. Na quarta-feira 25, o Ministério da Emergência da Ucrânia precisou ir a público tranquilizar a população assustada com o tom amarelado da neve que cobriu o país. É que ali estavam os grãos de areia do Saara, varridos por um vento poderoso.

Por sua abrangência, a questão climática tem implicações políticas e econômicas. Desde 1765, início da Revolução Industrial, europeus, americanos e russos derrubaram boa parte de suas florestas para alimentar o forno das indústrias. Depois, queimaram carvão, petróleo e gás para suprir de energia as cidades, fábricas e automóveis. A fumaça lançada no espaço se acumulou na atmosfera desde então. Por isso, uma das exigências do protocolo de Kyoto é justamente que as nações mais ricas arquem com o ônus de reduzir a poluição causada por suas chaminés. Pelo acordo internacional, elas teriam de reduzir as emissões de poluentes em 5,2%, a partir de 2012. Detalhe: isso em comparação com os índices de 1990, quando se sabe que os últimos três anos foram os mais quentes da história. “Só esse porcentual não resolve”, lamenta o meteorologista Nobre. Como cortar a poluição é sinônimo de achatar a economia, isso é impensável em ano eleitoral, como é o caso dos EUA e da Rússia. Sem os americanos, o acordo de Kyoto pode ir para a frente, mas está manco. Para ele entrar em vigor, faltam os russos aceitarem os cortes. A decisão final é um mistério. Ora os russos criticam os americanos pela falta de empenho em controlar o aquecimento, ora eles não se dizem dispostos a desacelerar sua economia.

Claro que há quem se beneficie desse processo de descontrole climático. Locais congelados poderiam ter maior área de plantio se seu território fosse banhado por um calor tropical. Já no turismo, o aquecimento exerce efeitos positivos, e outros negativos. Regiões inóspitas, como as geleiras da Sibéria, poderiam se tornar paraísos de veraneio. O chuvoso Sul da Inglaterra teria o clima da riviera francesa, mas precisaria enfrentar o problema de escassez de água para irrigar sua agricultura. Em outras regiões, o mar viraria sertão, e o sertão realmente viraria mar. A perspectiva negativa veio de um estudo da Organização das Nações Unidas (ONU). A falta de neve afastou os turistas das estações de esqui nos alpes mais badalados durante este inverno, no Hemisfério Norte. A partir de 2070, diz a ONU, muitos resorts gelados serão economicamente inviáveis. Se os piores cenários vingarem, a mudança no regime de ventos e de chuvas tende a provocar inundações mais frequentes, assim como aumentar os tufões e furacões na costa leste americana.

As consequências mais visíveis do aumento da temperatura do planeta são o derretimento das geleiras dos pólos, das montanhas cobertas de gelo e o aquecimento das águas dos mares. Esses dois fatores juntos contribuem para a elevação do nível dos oceanos, já que o calor dilata as águas. “Não dá para dizer que a vida na Terra vai acabar, porque os animais que vivem bem no calor sobreviverão. O que vai acontecer é uma mudança na composição das espécies e o surgimento de novos bichos”, diz o biólogo Ângelo Augusto dos Santos. Se a humanidade se empenhasse em resolver os problemas atuais, quem sabe os filhos dos nossos netos teriam direito a um planeta rico e pleno de vida, como a Terra já foi um dia.

 

Sem bolor, com estilo

Enquanto alguns contam os prejuízos causados pelas enchentes, há quem fature alto com o tempo fechado. No “mercado da chuva” tem de tudo: da boa e velha capa plástica aos caríssimos aparelhos desumidificadores. O maior fantasma, porém, é a umidade que provoca mofo e bolor, danificando pinturas de paredes, roupas e outros objetos. Para quem está disposto a investir alto contra o inimigo, os desumidificadores são uma boa saída. O da marca Arsec, por exemplo, sai por R$ 750. “O aparelho faz a sucção do ar, condensa o vapor e devolve o ar mais seco ao ambiente”, explica Ricardo Franceschi, diretor da empresa. A cada temporal, ele comemora. “De dois anos para cá, as vendas só aumentaram.”

Saída mais em conta para combater o mofo e os ácaros domésticos – pesadelo dos que sofrem de problemas respiratórios – são os antimofos vendidos em supermercados. Eles absorvem a umidade do ambiente e podem ser colocados dentro de armários e nos cantos da casa. Os da marca Secar variam de R$ 3 a R$ 6. O pote maior – e mais caro – é a versão baby, indicada para tirar a umidade de brinquedos e do armário das crianças.

A moda também pegou carona no clima. O estilista Mario Queiroz
inclui na coleção masculina de outono-inverno as parcas e as jaquetas feitas de fios impermeáveis. “No Brasil o inverno costuma
ter ventos e chuva. Em vez de roupas forradas com tecidos grossos, optei por uma saída que protegesse do frio e da garoa”, explica. As peças custam de R$ 260 a R$ 350. De olho no filão, a italiana Benetton, marca queridinha do mundo fashion, lançou uma linha de guarda-chuvas em cores diferenciadas (verde-limão, laranja e pink) e a preços inflacionados: de R$ 80 a R$ 100. Afinal, nem sempre quem sai na chuva quer se molhar.

Dolores Orosco