Uma verba de US$ 100 milhões (cerca de R$ 300 milhões) deve garantir a retomada do programa espacial brasileiro e permitir que, até o final de 2006, o Brasil coloque no espaço seu primeiro foguete lançador de satélites. O anúncio formal será feito pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas próximas semanas. Se for mesmo mantida, essa verba pode representar o ingresso nacional no milionário mercado de satélites comerciais. A promessa foi feita por Lula no calor da emoção da tragédia de Alcântara, em agosto do ano passado, quando o Veículo Lançador de Satélites (VLS) e a torre de lançamento de Alcântara foram destruídos, matando 21 engenheiros, técnicos e cientistas do Centro Tecnológico Aeroespacial (CTA). As razões do acidente talvez nunca venham à luz. Até porque o relatório sobre a tragédia não busca apontar culpados, só as causas potenciais do acidente. Vice-diretor do CTA e chefe da comissão que apura a tragédia de Alcântara, o brigadeiro Marco Antônio Couto explica que não houve uma causa única para o acidente. Há um somatório de fatores, entre eles o corte de orçamento, a redução dos testes e de funcionários. Espera-se que os novos parceiros espaciais brasileiros – Ucrânia e Rússia – possam contribuir nas investigações.

O acordo com a Rússia é a ampliação da cooperação firmada há oito anos. Na semana passada, uma comissão chefiada pelo vice-primeiro-ministro Boris Alioshin esteve no Brasil. Os russos passaram um pente-fino no projeto, analisaram os restos do foguete e da torre e indicaram que alguns procedimentos, equipamentos e técnicas usados precisam de mudanças, pois teriam causado acidentes semelhantes em seu país. Eles também se prontificaram a colaborar, com transferência de tecnologia e apoio de pessoal especializado, na revisão do projeto e reconstrução do VLS, de modo que a promessa de Lula, de um lançamento até o final de 2006, seja mantida. A proposta russa inclui cooperação integral na construção de satélites, análise e modernização do VLS, e construção de um novo foguete capaz de colocar satélites de grande porte em órbita.

Já a Ucrânia é um parceiro inédito. O acordo foi assinado curiosamente no mesmo dia em que o VLS pegou fogo. Nele, ficaram combinados três itens. O primeiro é garantir a participação de cientistas brasileiros nas unidades espaciais ucranianas. O segundo assegura que os dois países desenvolverão um novo foguete com capacidade para lançar cargas de até cinco toneladas, que deve operar na próxima década. E o terceiro trata de finalizar o Cyclone-3, que será lançado em Alcântara, em conjunto com o CTA. Esse foguete, que dispensa a construção de torre de lançamento, colocará em órbita satélites de seus clientes. Ter um foguete capaz de lançar qualquer tipo de satélite abre caminho para o filé mignon do mercado mundial, que prevê 60 lançamentos por ano até 2008. Os ucranianos pagarão como aluguel ao Brasil US$ 2 milhões por lançamento. A Rússia e os EUA negociam acordos semelhantes.

A mais nova potência espacial, a China, também tem planos de
lançar satélites de Alcântara. Desde 1988, o Brasil mantém um
acordo tecnológico para desenvolver satélites científicos, que são lançados da base chinesa, localizada a 900 quilômetros da capital, Pequim. Dois satélites de médio porte para coleta de dados terrestres, produzidos pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) e pela Academia Chinesa de Tecnologia Espacial, já subiram ao espaço. Trinta técnicos brasileiros participam dessa cooperação, que prevê mais dois lançamentos, em 2007 e em 2009.

O lucro líquido dos oito países que colocam satélites em órbita – EUA, França, China, Israel, Japão, Rússia, Índia e Ucrânia – é estimado em pelo menos US$ 10 milhões por lançamento. O investimento nacional para 2004, de US$ 100 milhões, é ninharia se comparado com o de outros países, como a Índia, que reserva US$ 453 milhões ao ano, ou os EUA, que gastaram US$ 14,1 bilhões em 2002.

O plano brasileiro mais ambicioso passa pela retomada do VLS. A torre destruída em agosto será reconstruída. A base de Alcântara ficou injustamente marcada pelos três maiores fracassos brasileiros na área espacial – a destruição dos três protótipos do VLS em 1997, em 1999 e em agosto de 2003. Ainda assim, ela tem potencial para se tornar a galinha dos ovos de ouro. Localizada praticamente sobre a linha do Equador, a base garante uma economia de até 30% no caríssimo combustível usado nos foguetes, em comparação com bases tradicionais. Quando o lançamento ocorre em bases distantes do Equador, o percurso é maior até a entrada em órbita, o que representa mais gasto de combustível ou uma diminuição da carga a bordo.

A base de Alcântara foi criada por decreto em 1983. A inauguração ocorreu seis anos depois. As verbas federais para o programa espacial começaram a minguar a partir do momento em que as pesquisas se dirigiram para a produção do VLS. “Houve uma sabotagem gradual”, especula o astrônomo Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, do Observatório Nacional, no Rio de Janeiro.

Na semana passada, o relatório final sobre o acidente com o VLS foi entregue ao Comando da Aeronáutica e de lá enviado ao Ministério da Defesa. Entre as falhas estruturais, de projeto, humanas e de procedimentos está também a suspeita de sabotagem. Já se sabe que a sabotagem, se ocorreu, foi por meio de manipulação prévia de peças e equipamentos. “Foi um desastre anunciado”, afirma o físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Por falta de recursos financeiros, os técnicos começaram a usar expedientes, em desacordo com os padrões de segurança recomendados para áreas que envolvem riscos”, diz o professor. Agora, o esforço do governo brasileiro será direcionado para recuperar o tempo perdido.