Um grupo de arqueólogos escoceses alega ter desvendado um mistério secular, o paradeiro do HMS Beagle. Foi nesse navio que Charles Darwin viajou pela América do Sul e as Ilhas Galápagos entre 1831 e 1836, quando recolheu elementos para criar sua teoria da evolução das espécies. Com o auxílio de escavadoras equipadas com radar, os pesquisadores localizaram uma embarcação submersa perto de um cais abandonado em Essex, na Inglaterra.
Ainda é preciso confirmar a autenticidade do achado, mas a jornada de Darwin é, inegavelmente, a maior das expedições científicas. Tanto que ofuscou o brilho de outra importante expedição pelas Américas: a do Pacífico, realizada por um grupo de naturalistas espanhóis entre 1862 e 1865. Sua história permaneceu desconhecida até há pouco tempo, quando estudiosos desempoaram as 80 mil peças depositadas nos porões de museus espanhóis.

A mais importante missão promovida pelo governo ibérico no século XIX era composta por um zoólogo, um botânico, um geólogo e um antropólogo, além de um fotógrafo-desenhista e de um taxidermista. Com avançado material de pesquisa para a ocasião, ela recolheu
objetos e fotografias raras. A comitiva, formada por Manuel Almagro, Marcos Jiménez de la Espada, Rafael Ordóñez, Juan Isern, Fernando Amor, Bartolomé Puig e Patrício, partiu do porto de Cádiz com destino ao Brasil e logo seguiu para Argentina, ilhas Malvinas (Falklands, para  os ingleses), Chile, Bolívia, Equador, Peru, Panamá e Califórnia. Viajaram, no começo, a bordo da fragata Nuestra Señora del Triunfo, um dos barcos mais modernos de então.

O grupo era chefiado por Jiménez de la Espada, fundador da Sociedade Espanhola de História Natural, que entrou em contato com índios de várias etnias na Amazônia. Recolheu peças que podem ser vistas numa exposição do Museu de América de Madri, que vai até maio. Entre as mais de 250 peças há verdadeiras jóias da antropologia, arqueologia, mineralogia, botânica e zoologia. Múmias do deserto do Atacama (Chile), estátuas de pedra pré-colombianas de nações andinas, amostras de vegetais que abrangem desde a Amazônia até os campos do Rio Grande do Sul, tecidos, cestas, tacapes e outros utensílios indígenas. Os expedicionários viveram mil e uma aventuras, especialmente nos Andes e na selva amazônica, padecendo de febres e doenças tropicais.

O navio chegou a Salvador em setembro de 1862, e os cientistas se dividiram em grupos para percorrer desde o Rio de Janeiro até o Rio Grande do Sul, durante três meses. Eles recolheram material etnográfico, botânico e faunístico. Os aventureiros compraram peças de colecionadores, arcos, flechas envenenadas, tacapes, capacetes de penas e outros objetos de rituais e adorno, além de peças usadas em cultos afro-brasileiros. No Rio, em condições desconhecidas, adquiriram raros capacetes de penas identificados como pertencentes aos povos guaranis. Porém, os atuais museólogos os relacionam com os índios mundurucu do rio Tapajós. São justamente os objetos mais chamativos da coleção: eles eram usados nas festas tribais para cobrir a nuca, e não a parte superior da cabeça. Um dos documentos expostos pertenceu a Francisco de Paula Martínez. É uma espécie de passaporte expedido pelo consulado espanhol do Rio de Janeiro em 1862, que autorizava Martínez a se dirigir “a Santa Catarina e demais portos do sul do Império”, com a garantia de “todo o favor e proteção”.

O botânico Juan Isern recolheu várias amostras de vegetais gaúchos. O grupo que viajou pela Amazônia partiu do Equador em maio de 1865 e chegou a Pernambuco em outubro. No Equador, eles mantiveram contato com índios redutores de cabeças humanas, com os quais travaram boa amizade, e recolheram objetos de uso pessoal e ritual. Os naturalistas estudaram ainda o misterioso curare, veneno empregado pelos índios para caçar, que paralisa os músculos dos animais. O antropólogo Manuel Almagro, nascido em Cuba, faz referência a outra planta tóxica, o barbasco. Ao ser macerada, ela produz um líquido leitoso que, vertido na água, faz com que os peixes subam à superfície. Muitas dessas informações estavam em seu diário de viagem, até hoje desaparecido.

Talismã – Os aventureiros empregaram duas balsas, quatro grandes canoas e duas menores para navegar pelos rios amazônicos. Em Manaus, fizeram compras, entre elas a de uma rede feita de algodão, plumas, fibras de tucum e papel, possivelmente de índios do rio Negro. Sobre a superfície da rede foram grudadas penas coloridas de vários pássaros, que formam o escudo imperial brasileiro. Os cientistas também escavaram alguns sítios arqueológicos em Chiu Chiu, no vale chileno do rio Loa. Almagro, o mais interessado em arqueologia, descobriu várias múmias. Uma delas, de sexo masculino, foi enterrada sentada e conservou-se graças ao clima seco do deserto. A presença de salitre impediu a proliferação de micróbios.

Na mesma região chilena, os espanhóis descobriram um cilindro de osso de guanaco e outro de madeira, que continham pigmentos usados em pinturas da cultura Chiu Chiu (600 a 1450 d.C). Cada objeto ocultava uma folha de papel com alguns arabescos e fórmulas mágicas. Os pergaminhos eram obra dos mouriscos espanhóis, comuns entre os povos muçulmanos. E protegiam magicamente a tumba dos defuntos. Para o linguista brasileiro Luís Caldas Tibiriçá, autor de um dicionário comparativo das línguas da América, os árabes chegaram à América muito antes de Cristóvão Colombo. “Eles tentaram estender seu império ao outro lado do Atlântico”, diz Tibiriçá. Ele mesmo encontrou mais de 800 palavras de origem árabe entre os indígenas da América Central. Um exemplo: a palavra maia-quiché “al-jabal”, que significa a maneira de designar a progressão aritmética, é muito parecida com “al-jabr”, ou seja, álgebra em árabe.