O telefone não pára de tocar, há várias mensagens na caixa-postal e seu dia está repleto de reuniões. Antes de explodir, uma das melhores atitudes a tomar é tentar extravasar a tensão e a ansiedade em uma atividade que nada tenha a ver com o trabalho. De preferência, ocupando as mãos para descansar a mente. Recomendada por especialistas no combate ao stress, a estratégia tem sido cada vez mais utilizada, em especial por quem é obrigado a fazer intensos exercícios intelectuais durante o dia. Está crescendo a presença de engenheiros, advogados, executivos e médicos, entre outros profissionais, em cursos de marcenaria, de cerâmica e até de canto.

Quem visitar pela primeira vez o Ateliê da Madeira, em São Paulo, pode se espantar com o modelito da maioria dos alunos do curso noturno. Diversos profissionais chegam de terno e gravata, mas logo trocam a indumentária pelo avental de marceneiro e colocam a mão na madeira. São médicos, dentistas, veterinários e técnicos em informática, entre outros, que duas vezes por semana, em vez de voltar do trabalho para casa, preferem frequentar as aulas por três horas. Nessa hora, nada de números, problemas, ansiedade. O que vale é a intuição, a sensibilidade e o prazer, sentimentos que têm levado cada vez mais gente às instalações do ateliê. “Em 2002, houve um aumento de 20% na procura do curso por parte deste novo público”, afirma Wânia Maria Fernandes Peixoto, proprietária do estabelecimento. A mesma tendência pode ser notada no estúdio da ceramista Bia Camargo, de São Paulo. “A maioria dos meus alunos procura a cerâmica para se distrair, relaxar e estimular a criatividade”, garante a professora. Bia acredita que as pessoas passaram a encarar a técnica como uma atividade terapêutica. “A cerâmica possibilita o contato com os elementos da natureza – terra, fogo e água –, o que faz bem para o corpo e a mente”, diz Bia.

Na verdade, esse tipo de saída promove muitos outros benefícios. No Espaço Musical, também em São Paulo, a música propicia a vivência de experiências únicas aos alunos acostumados à rotina do trabalho. “A melodia vinda dos instrumentos permite às pessoas entrar em contato com seus sentimentos e aprender um pouco mais sobre si próprias”, acredita Ricardo Breim, proprietário do local. A psiquiatra paulista Marianna Gonzalez concorda. “Por meio da arte, o indivíduo expressa sentimentos, afetos e idéias que estão no seu inconsciente e normalmente não são colocados para fora no dia-a-dia. Essas atividades também mexem com os sentidos, como o tato, e a noção de estética, geralmente não trabalhados no cotidiano”, explica a psiquiatra, de São Paulo.

Muitas vezes, praticar outras atividades além do trabalho é ainda uma maneira de exercitar ou ampliar o convívio social. Nesses cursos, as pessoas fazem amigos, trocam informações e geralmente acabam se reunindo em um jantar ou para um happy hour. O melhor é que nesses encontros, sempre descontraídos, pouco se fala de trabalho. O resultado é que os participantes conhecem mais sobre o universo de pessoas diferentes daquelas com as quais estão habituados a conviver e se esquecem, pelo menos por algumas horas, dos problemas. A primeira coisa que o executivo alemão Hans Bucher, 41 anos, residente no Brasil desde 1986, faz ao chegar na aula de marcenaria, por exemplo, é colocar uma cervejinha para gelar. “Aqui falamos de vários assuntos, como futebol, filhos e política. Outro dia fui embora à meia-noite. Não há a pressão de sair correndo e voltar para casa”, conta Bucher (leia mais no depoimentos na página seguinte).

O entusiasmo do executivo é tão intenso que nem mesmo a distância percorrida entre seu trabalho e o curso o desanima. Ele leva cerca de uma hora e meia para chegar ao ateliê e mais uma hora para retornar a sua casa. Bucher está certo em não desistir. A ciência já sabe que quando o indivíduo só pensa em trabalhar e não se dá a oportunidade de descansar, ele pode sofrer sérias consequências físicas e emocionais, como perda de memória e depressão. Isso porque o organismo funciona como uma máquina. Se não houver um tempo para o recarregamento das baterias, ele entra em pane. “O ideal é alternar o período de trabalho com atividades mais calmas”, explica Eliane Correia Chaves, enfermeira especializada em psicologia da Universidade Federal de São Paulo. Para escolher a melhor atividade a praticar, o único requisito necessário é fazer apenas o que se gosta. “Sem compromisso financeiro ou preocupação com a qualidade”, aconselha Ana Maria Rossi, psicóloga de Porto Alegre especializada em stress.

Carlos Augusto Camargo, 47 anos, engenheiro

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“O interessante da cerâmica é ter liberdade para criar. Você não precisa respeitar etapas e compromissos, como no trabalho. Adoro chegar aqui e sujar a mão de barro, entrar em contato com a natureza. Faz bem para o meu corpo e meu espírito. Também tenho a oportunidade de conhecer profissionais de outras áreas, que falam sobre assuntos diferentes dos comentados entre meus colegas de trabalho. Aqui todos estão em harmonia, à vontade, soltos. As
peças são feitas devagar, cada um seguindo o seu ritmo. Demorei um mês para moldar a última e ela não ficou exatamente do jeito que queria. A técnica nos faz aprender a ter paciência, a aceitar que nem sempre as coisas são como gostaríamos.”

Hans Christian Bucher, 41 anos, executivo

“Meu trabalho é muito cansativo. Represento três multinacionais no Brasil e passo o dia ao telefone vendendo produtos e falando com clientes. Sem contar os e-mails que preciso responder. Antes praticava squash. É um esporte puxado e desisti porque saía estafado do escritório e não dava conta de jogar. Me lembrei que quando estava na Alemanha adorava frequentar aulas de artes e, ao ver um anúncio sobre o curso de marcenaria, não pensei duas vezes. Faz oito meses que comecei. No dia em que tenho aula, acordo bem, pego meu avental e fico louco para trabalhar na peça. Conto os minutos para chegar a hora de ir ao curso. Me esqueço dos problemas e minha atenção fica voltada para o que estou criando. O importante é não ter pressa nem compromisso de produzir algo, como no trabalho. Fiz um banquinho de madeira e dei para o meu filho de três anos. Foi a forma que encontrei de estar presente no dia-a-dia dele, já que sou separado. Sempre saio da aula feliz e bem mais relaxado.”

Regina Rie Imada, 33 anos, médica

“Desde criança gosto de música. Já experimentei tocar piano, instrumentos japoneses, participei de coral. Quando entrei na faculdade, parei de tocar, pois não tinha tempo. Só voltei depois que comecei a trabalhar, em 1994. Resolvi aprender flauta porque a sonoridade do instrumento me atrai. A experiência é maravilhosa. É ótimo praticar uma atividade desvinculada da sua profissão. Minha rotina é puxada. Começo a trabalhar às 8h e não tenho hora para sair. Isso sem contar que sou chamada para plantões no meio da noite. Trabalho muito com a mente. Tocar para mim é um prazer. Além disso, a música estimula a minha criatividade. Às vezes, preciso fazer novos arranjos ou improvisar um pouco, o que também ajuda na minha profissão, pois em determinados casos devo usar a minha criatividade para resolver o problema de um paciente. A música tem a capacidade de reunir as pessoas. Nos finais de semana, me encontro com amigos que também tocam. Tocar um instrumento não é meu saco de pancada, não é um bode expiatório. Essa atividade mexe com meus sentimentos.”


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