O mundo precisa transformar hábitos e atitudes para viver mais. E é bom começar logo. No relatório anual sobre a saúde da população do planeta, divulgado na semana passada, a Organização Mundial de Saúde (OMS) enumerou os dez fatores de risco que mais causam danos ao ser humano. Somados, respondem por 40% dos 56 milhões de mortes anuais contabilizados no globo. A lista compreende problemas estruturais, como a falta de saneamento básico, e o estilo de vida, caso do tabagismo. Em razão disso, a entidade pede que governos e cidadãos combinem esforços para aumentar a expectativa de vida entre cinco e dez anos.

Segundo a OMS, os maiores perigos à saúde são: desnutrição, comportamento sexual de risco, hipertensão, tabagismo, alcoolismo, falta de saneamento básico e de água tratada, colesterol alto, fumaça procedente da queima de combustíveis sólidos (como o carvão), carência de ferro na alimentação e obesidade. Alguns desses fatores são velhos conhecidos. A desnutrição é um exemplo. A entidade calcula que o problema causou 3,4 milhões de mortes em 2000, principalmente de crianças. A situação, obviamente, é mais grave nos países pobres. Estima-se que nessas regiões o número de pequeninos com peso abaixo do normal seja de 170 milhões. Mais terrível do que isso é saber que três milhões deles podem morrer neste ano devido à falta de alimentação adequada.

As consequências da desnutrição são graves. Pouca comida na mesa representa menos anos de vida e comprometimento da qualidade da saúde. “Desnutrição não significa somente baixo peso e estatura diminuída. Com o tempo, a criança apresenta alterações de comportamento, como a apatia, e dificuldade de aprendizado. E pode ter problemas associados, como a diarréia”, explica o pediatra Domingos Palma, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Em relação ao Brasil, não há estatísticas atualizadas, mas dados de 1996 do Ministério da Saúde apontam que o mal atinge 10,5% dos habitantes.

Para cuidar da saúde da população, a solução não é simplesmente encher o prato. A saída é equilibrar a alimentação para evitar, por exemplo, a carência de ferro, uma das deficiências nutricionais mais prevalentes e indicada pela entidade na lista das maiores ameaças à vida. No mundo, dois bilhões de pessoas não consomem o mineral na quantidade necessária. E 800 mil morrem por esse motivo. A carência de ferro causa anemia e dificuldade de desenvolvimento. Mais uma vez, as principais vítimas são as crianças. Nesse caso, não escapam nem mesmo os jovens moradores dos grandes centros, onde se presume que a qualidade da alimentação seja melhor. Um estudo da Unifesp revelou que cerca de 50% dos menores de dois anos que vivem no Estado de São Paulo sofrem dessa deficiência.

Prevenção – Além das deficiências alimentares, um antigo inimigo da saúde é a falta de saneamento básico. A OMS afirma que 3,1% das mortes no planeta (o equivalente a 1,7 milhão de pessoas) estão atreladas a condições sanitárias precárias e à água não tratada. Se esse cenário mundial for duramente combatido, a entidade acredita que será possível evitar quase dois bilhões de casos de diarréia por ano. Seria uma diminuição de 17% no total de ocorrências registradas. No Brasil, segundo dados dos programas Saúde da Família e Agentes Comunitários de Saúde (ambos do Ministério), a prevalência de diarréia em menores de dois anos é de 9,4%. No Nordeste, o índice é quase o dobro do Sudeste: 9,8% e 5,6%, respectivamente.

A disparidade regional do Brasil é um retrato dos contrastes entre os países pobres e ricos, que a OMS classificou de chocante no relatório deste ano. Com base nisso, a epidemiologista Márcia Westphal, professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, diz que, por trás dos fatores de risco, há outro problema sério: a falta de reformas sociais. “Não será fácil prevenir esses fatores apenas por conhecê-los. Como os contrastes são escandalosos, é preciso ter coragem de promover a equidade. Trabalhar nesse sentido quer dizer dar mais a quem tem menos”, observa. Márcia afirma, portanto, que uma das formas de vencer a desnutrição é garantir emprego para as populações desfavorecidas. “Nosso grande obstáculo é a falta de estrutura”, conclui.

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Hábitos fatais

Lia Bock

Se mostrou ao mundo que algumas das principais ameaças à saúde estão ligadas à pobreza, o documento da OMS também confirma que outros grandes responsáveis pela mortalidade estão associados aos hábitos pessoais. Comportamento sexual de risco, cigarro, álcool, colesterol alto e obesidade – problemas comprovadamente relacionados ao tipo de vida que se leva – estão entre as principais causas de morte apontadas pela entidade. Isso significa que não só os habitantes de países em desenvolvimento, onde falta comida e saneamento básico, estão mais vulneráveis, mas qualquer pessoa que não cuide da própria saúde. “Esse relatório é importante pois joga a responsabilidade pela saúde sobre as pessoas, e não em algo milagroso para salvá-las”, afirma o médico Fábio Nasri, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo.

Além de apontar a responsabilidade dos governos em relação à desnutrição e à falta de saneamento básico, o relatório também deixa claro que as pessoas têm de se conscientizar de que viver bem e mais depende muito de cada um. O chefe do ambulatório de clínica geral do Hospital das Clínicas de São Paulo, José Antônio Atta, lembra que, na história da medicina, as grandes realizações com efeito direto na qualidade de vida e na quantidade de anos vividos não estão ligadas a remédios, mas ao saneamento básico, campanhas de vacinação e mudanças de hábitos de vida. “No ambulatório, vemos as pessoas mais preocupadas com o resultado do exame do que em cumprir as recomendações para que tenham uma alimentação melhor, por exemplo. Está errado. É preciso entender que é importante cuidar da saúde de forma preventiva”, garante.

O problema, no entanto, é que mudar hábitos é mais difícil do que parece. O médico Nasri, no entanto, defende que a tarefa poderia ser também estimulada pelas autoridades governamentais. “Não se vê propaganda de massa na televisão orientando as pessoas ou frutas sendo vendidas na cantina da escola, por exemplo. Para que a mudança ocorra, é necessário muito mais do que informação. É necessário educação”, argumenta. Isso significa motivar a população, testar a informação passada para verificar se foi absorvida e principalmente oferecer opções. Enquanto essa consciência não se formar, as pessoas continuarão a ser vítimas de seus próprios hábitos.


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