As noites de forró ficaram para trás, mas ele ainda adora dançar. Só que não dá tempo porque o sr. Abrahão Kasinski só quer saber de trabalhar. Até nove, dez da noite. Dona Ivone, sua segunda mulher, com quem vive há 15 anos, não gosta, mas aceita. Ele é fogo. Teimoso, alegre, irriequieto e destemido como uma criança.Topou o filme proposto pela W/Brasil para o lançamento da moto Kasinski GF 125 com enorme satisfação. O protagonista é ele mesmo, presidente da empresa. Até aí nenhuma novidade no fato de um presidente de empresa anunciar seu próprio produto. O que é absolutamente surpreendente é que neste filme Kasinski aparece para demonstrar o desempenho de uma nova moto com arranque e transmissões digitais. E aí todo mundo fica de boca aberta. Ele empina a moto, fica de pé, faz piruetas e malabarismos como se fosse um garoto exibido e desajuizado. É ele mesmo ou um dublê? Kasinski dá uma risadinha marota e encerra o assunto. A campanha nacional teve um investimento de mídia de aproximadamente R$ 2 milhões nesta primeira fase e tudo o que ele quer é vender suas motos.

Piruetas – Kasinski adorou o filme, talvez porque, de alguma maneira, tenha reforçado a sua capacidade para superar as piruetas da vida – empresarial e pessoal. A maior delas foi a venda, em 1998, da Cofap, gigante do setor de autopeças que faturava US$ 1 bilhão e exportava para 97 países, para a alemã Mahle. A segunda é o motivo da venda da Cofap, um troféu de excelência que ele exibia com enorme orgulho: a rancorosa disputa familiar pelo controle da empresa. Outra: o mal resolvido afastamento de seus dois filhos, Roberto e Ronaldo, do primeiro casamento (um mora em Miami e outro é fazendeiro no interior de São Paulo), provocado justamente pela disputa de poder. “Eles (os filhos) diziam que eu não era bom pai, que só trabalhava.” O primeiro casamento acabou depois de 20 anos, minado pelas novelas da tevê que prendiam a atenção da mulher (que ele nunca menciona o nome) durante os melhores horários da noite e o deixavam sozinho, lendo jornal e sem abrir a boca. Vinte anos nessa monotonia não é qualquer um que aguenta. E ele, dono de um olhar de quem sabe apreciar os prazeres da vida, foi embora para um flat. Passou ali cinco anos “muito felizes”, amargou a venda da sua Cofap e jogou no lixo o prego e o martelo que o rondavam para a aparentemente inevitável cerimônia de pendurar as chuteiras.

Hoje Kasinski está a um passo de começar a produzir um carro popular, que não custe mais do que R$ 10 mil, em Manaus, na fábrica de 18 mil metros quadros de onde saem motocicletas 100% nacionais e o triciclo utilitário Motokar, que leva placa de moto mas não é exatamente uma moto. “Nossa fábrica pode fazer veículos de uma, três, quatro, oito rodas”, diz ele, abrindo o álbum de fotos da planta. O Motokar é uma moto de três rodas (tem placa de moto, o que diminui os custos em relação a impostos) e é, ao mesmo tempo, um utilitário com uma roda a menos do que o carro. Faz 30 quilômetros com um litro de gasolina. Foi feito para o interior do Brasil, onde é usado pelo correio, como táxi e por empresas de serviço de entregas. Tem três versões básicas – pick-up, táxi, com taxímetro e maquininha que fornece recibo impresso, e furgão. Dessas três versões, a Kasinski acaba de lançar mais sete, utilizando o mesmo chassi, adaptadas para realizar, a 50 km/h, diferentes serviços: entregar gás e compras de supermercados, lanchonete ambulante, socorro para consertos nas vias públicas (o Rio já está usando), outdoor móvel e carro de som.

A Kasinski (que antes se chamava Companhia Fabricadora de Veículos (Cofave), uma espécie de transição para o doloroso desligamento da Cofap) trouxe a idéia da empresa Bajaji, da Índia, de onde Kasinski acaba de chegar e para onde já foi outras três vezes. “Eu copio tudo”, diz. Copiou o conceito do “bajaji”, como são chamados os 4,5 milhões de triciclos que circulam na Índia, e daí para a frente teve uma enxurrada de boas idéias. A fábrica em Manaus, que emprega apenas 100 pessoas e é totalmente automatizada, foi construída com dinheiro do próprio empresário (as duas tentativas de parceria, uma delas na Bahia, com um executivo que já teve alta patente no mundo dos negócios, seriam exercícios de bandidagem e ele não quis). Kasinski é rico. Dizem que recebeu US$ 30 milhões pela Cofap. Mas ele diz que não é rico e vive sem opulência. Foi pobre, muitos e muitos anos atrás, quando seu pai, Leon, imigrante russo, chegou a São Paulo, onde viria a abrir a loja 3 Leões, de peças para carros, na avenida Celso Garcia, esquina com a rua Bresser, na zona leste da capital. Os três leões eram o pai e dois filhos mais velhos. Kasinski ainda era “leãozinho” quando o próspero negócio começou. Quando o pai morreu, ele abandonou o primeiro ano de medicina para tomar conta dos negócios com um dos irmãos. E foi aí que descobriu o mundo das autopeças.

Lula – A Cofap nasceu em Mauá, na região do ABC paulista, onde Kasinski conheceu o sindicalista barbudo em quem votaria para presidente da República no último dia 27. Patrão duríssimo, teve seus 35 mil funcionários parados numa greve comandada por Lula nos anos quentes do ABC. Hoje, ele dá risada quando conta que quis subir no carro de som para interromper a greve e saiu às pressas, ouvindo desaforos do tipo “judeuzinho safado”. De quebra, sujou a camisa ao atravessar a chamada “teresa”, corda impregnada de graxa preta que os trabalhadores em greve usavam para conter (e identificar) os fura-greve. De Mauá restaram as lembranças e um sítio onde ele cultiva dez mil orquídeas, duas mil delas com perfume, raríssimas, trazidas da Alemanha.

“Não consigo ficar parado. Sou doido varrido. Podia estar descansando em qualquer lugar do mundo, mas não quero. “Não foi fácil vender a Cofap. Fiquei seis meses parado, quase louco. Mas o circo tem que continuar. Eu sou o gerente do circo que fica com o paletó de paetê, cartola e apito na boca. Quando meu palhaço não faz o público dar risada, não fecho o circo. Troco o palhaço. Tem outro jeito? A vida é assim.”

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