Nem luxúria, nem preguiça, nem inveja, nem qualquer outro dos sete pecados capitais. É do excesso de vaidade que padecem os brasileiros. A prova disso está numa recente pesquisa realizada pelo Instituto Gallup, em parceria com o laboratório Allergan – pai do mais cobiçado produto dos últimos tempos, o Botox. O estudo, feito com cinco mil homens e mulheres entre 18 e 64 anos, foi conduzido no Brasil, nos Estados Unidos, na França, no Canadá e na Austrália. E revelou que os brasileiros são, em disparada, os mais vaidosos do planeta. Apesar de ser o único país em desenvolvimento da pesquisa, o Brasil é o que mais se preocupa com a imagem. Por aqui, 61% dos entrevistados consideram a atração física um fator muito importante para prosperar na sociedade. Nos outros países, esse número não passa de 26%. A dermatologista Ligia Kogos, responsável pela parte brasileira do estudo, explica o fenômeno. “Os latinos, em geral, são mais vaidosos. E os brasileiros, que exibem corpos nus quase o ano todo, têm que estar sempre com tudo em cima”, afirma.

Mais do que se preocupar com a beleza e fazer das tripas coração para conseguir o corpo dos sonhos, os brasileiros gostam de anunciar os procedimentos a que se submetem nesta busca. A Miss Brasil Juliana Borges, 24 anos, é um bom exemplo disso. Às vésperas de se candidatar à vaga de miss, no ano passado, a bela gaúcha e seu cirurgião plástico saíram anunciando aos quatro ventos que ela havia feito 19 incisões cirúrgicas para “facilitar a conquista do título”. Mas não foi bem assim. “Na verdade, fiz apenas três cirurgias: lipoaspiração, correção de orelha e silicone nos seios. Esses procedimentos envolvem ao todo 19 incisões. É que num país onde a vaidade é tudo, quanto mais cirurgia, mais espaço na mídia.” A estratégia deu certo. Juliana ganhou páginas de revistas e jornais contando suas peripécias cirúrgicas e causou inveja a muita gente. Tanto que, como revela o Instituto Gallup, 75% dos brasileiros aceitariam se submeter a tratamentos estéticos para conseguir o visual perfeito (leia quadro com dados da pesquisa). Até quem está de passagem por aqui parece se contaminar com a febre da vaidade. Mesmo nascida no país campeão de cirurgias plásticas, a embaixadora americana Donna Hrinak, 51 anos, até a semana passada chamava a atenção não apenas pelo excelente trabalho que desenvolve, mas principalmente por seu avantajado nariz. Agora, por conta de uma cirurgia plástica, a aparência de Donna ficará marcada, no máximo, pelo belo par de pernas que deixa transparecer. “Estava cansada de me ver na imprensa com nariz pontudo. Estou superfeliz”, assume a embaixadora.

O alto índice de adeptos “da faca” não é a única prova da vaidade brasileira. Nas clínicas dos dermatologistas este aumento também é notado. “Há dois anos, costumávamos comprar dois frascos de Botox por mês (um frasco ameniza as rugas de duas ou três pessoas). Hoje compro 25 a cada 30 dias”, contabiliza a dermatologista Mônica Aribi Fiszbaum, de São Paulo. A crescente venda de cosméticos também surpreende. O Presidente da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos, João Carlos Basílio, afirma que o setor cresce cerca de 12% a cada ano. “O faturamento com as vendas de alisantes para cabelos, por exemplo, triplicou em cinco anos”, conta. Não é à toa. Uma das principais queixas das mulheres aqui diz respeito às madeixas rebeldes. Há oito meses, desde que a técnica do alisamento japonês desembarcou no País, artistas e celebridades desfilam por aí exibindo lisas e escorridas cabeleiras. A cantora Mariana Kupfer, 28 anos, quando esteve na Casa dos artistas, desabafou: “Se eu tivesse o cabelo liso, teria com certeza a bunda mais dura, já que não perderia tanto tempo fazendo escova e poderia fazer mais exercícios.” Ao sair da Casa, Mariana se submeteu ao alisamento japonês. “A bunda só não está mais dura porque ando cheia de compromissos com o lançamento do CD e também porque percebi que, mesmo lisos, os cabelos pedem cuidados”, confessa.

Como nem todo mundo pode se dar ao luxo de desembolsar R$ 2 mil para ter os cabelos definitivamente lisos, a velha e boa escova ainda reina absoluta. Roberta Piratininga, 21 anos, estudante, garante que se tivesse dinheiro optaria pelo método japonês, já que não sai de casa com os fios ao natural. O remédio? Escova três vezes por semana. “Só não faço quando estou na praia. É que a resistência não aguenta a potência do secador. Sou vaidosa mesmo e não gosto de me sentir feia.” O cabeleireiro Luciano Cassolari, do salão L’Officiel III, em São Paulo, estudou no Exterior e acredita que no Brasil as pessoas são mais vaidosas porque reparam mais umas nas outras. “Em Londres, ninguém fica te percebendo na rua, diferentemente daqui, onde todo mundo te olha e exige de você uma preocupação extra.”

Homens – Talvez esta seja uma das razões de a vaidade excessiva não ser mais privilégio das mulheres. Cada vez mais homens se submetem a tratamentos estéticos. No próximo dia 12, será inaugurada em São Paulo a Barbearia VIP, clínica estética dirigida somente a este público. “Teremos clareamento dentário, cirurgias plásticas, serviços de dermatologia, nutrição e acupuntura. Fora os serviços básicos, como cabeleireiros, podólogos e massagistas”, adianta Hilton Ioneda, um dos proprietários da clínica. A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica também registra o aumento da preocupação masculina com a vaidade. “Há seis anos, os homens correspondiam a 10% do público total. Hoje, já chegam a 30%”, explica o presidente da Sociedade, Luiz Carlos Garcia. Apesar de a lipoaspiração ser a cirurgia estética masculina mais frequente, a vaidade dos homens chega a levá-los até a implantar silicone no peitoral. Os gêmeos cariocas Maurício e Roberto Lacerda, 33 anos, aderiram às próteses no início do ano. Fãs da malhação pesada, não estavam satisfeitos com os resultados. “Fiz de tudo para crescer o peitoral. Tomei até bomba e nada. Então resolvi comprar um novo”, brinca Maurício.

Ainda que curiosa, a história dos irmãos Lacerda não representa a média carioca. A pesquisa do Instituto Gallup no Brasil traçou as principais diferenças entre paulistas, cariocas, mineiros, gaúchos e pernambucanos. Os habitantes da cidade maravilhosa são, em disparada, os mais confiantes na aparência (63% se sentem seguros com o visual). E por isso são os menos adeptos às cirurgias (apenas 33% encarariam uma plástica). Em Belo Horizonte, o universo estudado demonstrou maior insegurança: apenas 44% estão satisfeitos com seu visual e 67% afirmam que se submeteriam a cirurgias.

Inclusão social – Regionalismos à parte, o fato é que a vaidade brasileira não escolhe cor, sexo ou classe social. Para o presidente do Conselho Federal de Psicologia, Odair Furtado, a aparência é a maneira mais rápida e prática de inclusão social. “O recurso é usado por todos. O pobre quer minimizar sua distância para com as classes mais altas. E o rico quer
ser o mais diferente possível, apossando-se de padrões de beleza internacionais”, analisa o psicólogo. “É como se os menos favorecidos investissem na beleza para substituir o carro, a casa e a universidade que não podem
ter”, conclui Furtado.

A experiência do presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Estética de São Paulo, Valcinir Bedin, retifica o depoimento de Furtado. Há na Sociedade um ambulatório de medicina estética gratuito, criado para atender exclusivamente às pessoas carentes. “Há cerca de mil pacientes na fila de espera. Gente que, teoricamente, deveria estar preocupada em alimentar a própria família. Mas vaidade não é coisa de perua rica, não. Todo mundo quer se sentir bem”, afirma Bedin. Que o diga a empregada doméstica Fátima Tassi, 34 anos. Há dois anos, ela ilustrou uma reportagem de ISTOÉ sobre cirurgia plástica, pois estava na fila do plano de saúde, à espera de uma barriguinha nova. Passado um ano de espera, Fátima finalmente conseguiu entrar no maiô de seus sonhos. “Gostei tanto que já estou na fila de novo. Agora, para diminuir os seios”, comemora. E não pára por aí: ela planeja também tirar a papada do queixo. E, assim, engrossa o coro da democrática vaidade brasileira.

 Vale o sacrifício

Mariana Kupfer, 28 anos
Com 57 kg distribuídos por 1,73 m, a cantora já fez uma lipo no abdome e implantou silicone nos seios. Foi uma das primeiras celebridades brasileiras a aderir ao alisamento japonês

Otávio Mesquita, 43 anos
Vaidoso, o apresentador assume ter feito implante de cabelos e plásticas para afinar o nariz e eliminar a papada. Também fez duas lipoaspirações – uma no abdome, outra na cintura

Rosinha Matheus, 39 anos
Ao entrar na corrida pelo governo do Rio, fez um rigoroso regime, arrematado com uma lipoaspiração na barriga. Também renovou o guarda-roupa e domou os cachos com chapinha

Gugu Liberato, 43 anos
Com problemas para manter o peso, o apresentador já recorreu ao medicamento Xenical e à lipoaspiração. Também fez implante capilar e clareou os cabelos, nem tão loiros assim