Exatamente seis anos, quatro meses e seis dias depois de um crime que mobilizou a opinião pública em todo o Brasil, a Justiça de Alagoas decidiu, na terça-feira 29, acusar formalmente quatro policiais militares pelas mortes do empresário Paulo César Farias, o PC, e sua namorada, Suzana Marcolino. O juiz Alberto Jorge Correa Lima calcula que até dezembro deva ocorrer o julgamento final. Os cabos Reinaldo Correia e Adeildo Costa dos Santos mais os soldados Josemar Faustino dos Santos e José Geraldo da Silva foram acusados pelo Ministério Público de duplo homicídio qualificado. Depois de analisar o processo de 21 volumes e mais de cinco mil páginas, o juiz entendeu que a acusação é consistente e os PMs serão submetidos a júri popular, quando poderão ser condenados a até 60 anos de prisão. Os quatro eram seguranças de PC – o ex-tesoureiro do ex-presidente Fernando Collor de Mello – e estavam de plantão na noite de 23 de junho de 1996, quando o empresário e sua namorada foram mortos a tiros na casa de praia de Guaxuma, no litoral alagoano, a cerca de 30 quilômetros de Maceió. Tão logo os corpos foram encontrados, tanto a polícia de Alagoas como a família Farias e boa parte da imprensa nacional se empenharam em sustentar a tese de que Suzana teria matado PC e se suicidado em seguida. Por esse raciocínio, nada seria investigado, já que a autora do homicídio estaria morta. Na sua última edição de junho de 1996, porém, ISTOÉ, com base em depoimentos de outros PMs e na própria cena do crime, questionou a versão oficial. A decisão tomada agora pela Justiça alagoana confirma o que foi descoberto pela reportagem há mais de seis anos.

A farsa do crime passional foi endossada pelo legista da Unicamp, Fortunato Badan Palhares, que chegou a elaborar um laudo, anunciado por ele pela revista Veja como conclusivo e definitivo. Novamente, uma reportagem de ISTOÉ questionou a versão. Desta vez com base nas análises de peritos de todo o País, que apontaram inúmeras falhas no trabalho de Palhares, hoje acusado pelo Ministério Público de promover falsa perícia. Diante do impasse, a Justiça determinou que as investigações fossem reiniciadas. Dois novos delegados foram nomeados – Alcides Andrade e Antônio Carlos Lessa – e o promotor Luiz Vasconcelos pediu autorização judicial para a realização de novas perícias tanto nos corpos de PC e de Suzana como no local do crime. O juiz Alberto Jorge atendeu ao pedido e foi nomeada uma comissão de peritos de diversas universidades do Brasil, coordenados por Daniel Muñoz, da USP. O resultado foi taxativo: PC e Suzana foram vítimas de um duplo homicídio. Todos os exames realizados concluíram que era impossível Suzana ter matado PC e depois se suicidado. As novas investigações comprovaram ainda que a cena do crime fora alterada antes da chegada da polícia e que os tiros disparados no quarto do casal eram perfeitamente audíveis aos quatro seguranças que estavam na área externa da casa. Ou seja, ou os quatro tiveram algum tipo de participação nas mortes de PC e Suzana ou estão omitindo informações à Justiça. “É exatamente por isso que eles serão julgados. Afinal, quem contribui para a prática de um crime, seja por ação ou omissão, também comete o crime”, explica o juiz Alberto Jorge. Ele é professor na Universidade Federal de Alagoas e cursa doutorado na Universidade Federal de Pernambuco.

Caim e Abel – Além dos seguranças, o Ministério Público entendeu que o deputado Augusto Farias (PFL-AL), irmão de PC, também tivera participação no crime. Teria sido ele, segundo o promotor, o autor intelectual do duplo homicídio. Na noite de 23 de junho de 1996, Augusto jantou com Suzana e PC e foi o último a deixar a casa de Guaxuma, antes do crime. De acordo com o promotor Vasconcelos, Augusto planejou a morte do irmão motivado pelo dinheiro e pelo poder. PC ficou nacionalmente conhecido como o tesoureiro do ex-presidente Fernando Collor. Durante a campanha eleitoral de 1989, foi ele quem arrecadou o dinheiro e, depois de Collor eleito, era PC quem promovia extorsões contra empresários de diversos segmentos, formando uma gigantesca rede de corrupção em todo o País. Quando foi assassinado, PC estava em liberdade condicional. Com todos os passos vigiados, não poderia movimentar as contas que teria no Exterior e Augusto era o responsável pelas empresas da família.

Como é deputado, Augusto tem direito a foro privilegiado e a acusação contra ele foi encaminhada à Procuradoria Geral da República, que, segundo o juiz, ainda não se manifestou. O problema é que Augusto não conseguiu a reeleição em 6 de outubro e agora a acusação contra ele deverá ser julgada pelo próprio juiz Alberto Jorge. “Quando a documentação da Procuradoria Geral voltar às minhas mãos tomarei minha decisão”, afirmou o juiz. Desde que PC morreu, os quatro seguranças trabalham para Augusto. O ainda deputado nega qualquer participação no crime e continua a apostar na farsa do crime passional. O advogado dos seguranças, José Fragoso, promete recorrer da decisão, anunciada terça-feira 29. “Temos a certeza de que Suzana matou PC e se suicidou. Esse caso só chegou até aqui porque tem dado ibope para a polícia. Não há nada contra os seguranças”, disse.