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O telefonema de uma garota de 16 anos para um serviço de emergência do Texas desencadeou uma operação que culminou na semana passada na retirada de 416 crianças e adolescentes de uma comunidade religiosa praticante da poligamia. Na ligação, ela contou, segundo a Polícia, que havia sido obrigada a se tornar a sétima esposa de um homem de 50 anos, com quem depois teve um filho, hoje com oito meses. A garota disse ainda que era agredida com freqüência pelo marido e forçada a manter relações sexuais com ele. Num segundo telefonema, ela tentou retirar a denúncia, mas o Rancho Yearning for Zion, onde morava, já estava prestes a ser invadido. No decorrer da ação, respaldada pela Justiça, crianças e adolescentes foram levados para um abrigo a 60 quilômetros de distância e ficaram sob custódia do Estado. Livres das regras internas que as impedia de ultrapassar os muros da propriedade, 133 mulheres deixaram voluntariamente o rancho e se juntaram às crianças.

Todos vestiam roupas similares às usadas pelos colonos pioneiros dos EUA, uma das práticas da Igreja Fundamentalista de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, que há quatro anos instalou no rancho um de seus complexos religiosos. A igreja, que contabiliza cerca de dez mil seguidores no país, prega que os homens precisam ter pelo menos três esposas para alcançar o reino dos céus. O ingresso das mulheres no paraíso, em contrapartida, depende de sua total submissão ao marido. Os investigadores encarregados de apurar a denúncia da garota, por sua vez, concluíram que todas as crianças da comunidade se encontravam em risco “de abusos emocional, físico e sexual”. Para identificar a autora da denúncia, eles estão cruzando informações de documentos encontrados no rancho, que se estende por 688 hectares e conta com um templo de 25 metros de altura.

MUNDOS OPOSTOS
A sede do rancho, de onde só os homens podiam sair sozinhos, e meninas e mulheres da comunidade em abrigo do Estado

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Entre os seguidores da igreja, há um homem com o mesmo nome citado pela garota como o de seu marido “espiritual” – Dale Barlow. Ele também tem 50 anos, mas vive no Arizona, Estado que não pode deixar sem ordem judicial. A restrição se deve à pena que recebeu em abril de 2007, quando foi condenado a 45 dias de prisão por ter mantido relações sexuais com uma adolescente de 16 anos. Agora com 25 anos, a então adolescente é uma das três mulheres que vivem com Barlow. Enquanto ele garante às autoridades que não vai ao Texas desde 1977, o batalhão de profissionais encarregado pelo Estado de prestar assistência às crianças e adolescentes retirados do rancho vem encontrando dificuldade para executar a tarefa. “Estamos lidando com pessoas que não estão acostumadas ao mundo exterior, de forma que estamos tratando se ser sensíveis às suas necessidades”, justificou Marleigh Meisner, porta-voz do Serviço de Proteção ao Menor.

Os moradores da pequena cidade de Eldorado, a nove quilômetros do rancho, sabem bem o que esta falta de contato com o “mundo externo” representa. Desde que a comunidade religiosa se instalou em suas imediações, eles jamais tinham visto nenhuma mulher ou criança do grupo. Apenas os homens apareciam na cidade de dois mil habitantes, para comprar gêneros de primeira necessidade e pagar contas, sempre em dinheiro. Eram educados, mas não conversavam com ninguém. Este é um comportamento- padrão entre os seguidores da Igreja Fundamentalista de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, criada em 1890, como dissidência da Igreja Mórmon, que havia banido a poligamia. O líder do grupo, Warren Jeffs, é considerado o nono profeta da igreja e encontra- se atrás das grades, em Utah, desde novembro do ano passado. Ele está cumprindo sentença de dez anos de prisão, por obrigar uma adolescente de 14 anos a se casar “espiritualmente” com um primo de 19 anos. Nos Estados Unidos, é crime manter relações sexuais com menores de 16 anos. Também proibida por lei, a poligamia é, porém, praticada em comunidades religiosas do Arizona, Colorado, Texas e Utah. A principal barreira para uma intervenção nesses grupos é o chamado fantasma de Waco, referência a um episódio sangrento ocorrido em 1993. Depois de um cerco policial de 51 dias ao rancho de religiosos fundamentalistas na cidade texana de Waco, 80 pessoas acabaram mortas. Ninguém quer repetir a tragédia.

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TRAJETÓRIA
Em livro, Carolyn conta como fugiu do grupo

"ELAS ESTÃO APAVORADAS"
Nascida e criada entre ardorosos seguidores da Igreja Fundamentalista de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, Carolyn Jessop tinha 35 anos quando fugiu da comunidade onde vivia, levando seus oito filhos, em abril de 2003. No livro Escape, ainda não traduzido para o português, Carolyn relata sua trajetória, que incluiu o casamento “espiritual” aos 18 anos com um homem 32 anos mais velho. Assim que soube da invasão do Rancho Yearning for Zion, ela viajou para a região para levar seu apoio às mulheres da comunidade. Foi em vão. “Elas estão apavoradas”, comentou Carolyn, em entrevista à imprensa. “Não acreditam que alguém possa ajudá-las.”