Ao contrário da maioria dos jornalistas de seu tempo, que adorava rebuscar o texto, Julio Mesquita escrevia de forma simples e direta. Em agosto de 1914, quando a Grande Guerra estourou na Europa, quis escrever crônicas semanais sobre o conflito, que todos imaginavam estar terminado em poucos meses. No entanto, após abertas, as trincheiras não pararam de proliferar. A guerra, que matou oito milhões e deixou outros 21 milhões mutilados, se arrastou por quatro longos anos. Primeiro diretor do jornal O Estado de S.Paulo, Julio Mesquita jamais esmoreceu na publicação de suas análises, sempre às segundas-feiras. A última da série é assinada em outubro de 1918. Distante do teatro de operações, ele acabou produzindo uma obra de fôlego, a única do gênero no Brasil. Noventa anos depois, a coleção A guerra (1914-1918) (O Estado de S.Paulo/Terceiro Nome, quatro volumes, total de 920 págs., R$ 200) reúne todas as crônicas em edição primorosa ilustrada com fotografias, mapas e desenhos. Nesta semana, também acontece o lançamento de uma versão do trabalho em CD-Rom, além de uma exposição de fotografias no Sesc Pompéia, em São Paulo. A partir daí, todos os livros poderão ser acessados livremente pelo portal do jornal (www.estadao.com.br).

O resgate da principal obra jornalística de Julio Mesquita se deve ao também jornalista Ruy Mesquita Filho, que reencontrou as crônicas de seu bisavô durante uma pesquisa sobre a história do jornal. Relativos ao ano de 1914, os textos já haviam sido editados em livro, em 1920, por amigos do jornalista, que pretendiam homenageá-lo, mas tiveram de interromper a iniciativa. “Ele era contra qualquer tipo de promoção pessoal”, conta Mesquita Filho. Os arquivos de O Estado de S.Paulo, porém, haviam conservado intactos exemplares da antiga edição, que Mesquita Filho
leu sem parar, durante o réveillon de 2000. “Além da descrição da guerra em si, o que mais me impressionou e me deu prazer foram suas observações sobre a história da humanidade, o horror que demonstrava pelo que estava ocorrendo e seu profundo desprezo por todo tipo de militarismo.” Ao decidir partilhar a experiência com outros leitores, o representante da nova geração dos Mesquita acabou trazendo à tona uma documentação de grande importância histórica.

As crônicas foram editadas tal qual escritas na época, afirma Mary Lou Paris, da editora Terceiro Nome. “Fizemos apenas a atualização ortográfica. O texto está na íntegra.” Cada livro, relativo a um ano da guerra, conta com uma introdução do historiador Fortunato Pastore. Outros especialistas convidados a participar também ajudam a entender a dinâmica do período. Para relatar um conflito que devastou a Europa, o próprio Julio Mesquita dependia apenas dos telegramas diários que recebia do estrangeiro. Em diversas passagens, revelou-se profético. “O fogo, em toda a linha de combate, é mais nutrido, mas ainda não chegou ao grau de violência que, de meados de abril em diante, deve dar à guerra novo e mais terrível aspecto”, escreveu em 22 de março de 1915. A Primeira Guerra Mundial, como seria posteriormente conhecida, iniciou-se sob o signo da euforia patriótica e com a expectativa de acabar em meses. Em pouco tempo, contudo, a mescla da tecnologia bélica com mobilização em massa e inépcia militar transformou o conflito numa carnificina interminável, na qual metralhadoras e gases venenosos ceifavam milhões de vidas, bombardeios destruíam cidades e civis eram massacrados. Depois de quatro anos de destruição, a ordem européia pós-napoleônica veio abaixo com a queda dos impérios alemão, austro-húngaro, russo e otomano. As cicatrizes do conflito foram tão profundas que geraram os fascismos, a grande recessão e, finalmente, a Segunda Guerra Mundial.