Um livro do comediante Steve Martin? Chamado A balconista? Ainda por cima com uma capa que exibe um par de luvas de cetim sobre fundo de florzinha? Um quase-preconceito ameaça instalar um quase-desânimo. Mas, ao conferir a estréia literária deste prestigiado ator americano de cinema e televisão, vem à tona a agradável surpresa de que ele soube fazer de A balconista (Record, 146 págs., R$ 30) um bom romance sobre a solidão. Martin tem tiradas de humor ligeiramente nonsense, sem o tom bufão de filmes protagonizados por ele, como Um espírito baixou em mim e Cliente morto não paga.

Ele foi buscar num shopping o lugar ideal para criticar o consumismo e a transmutação em série de mulheres em bonecas Barbie. Mirabelle, 28 anos, é a balconista. Ela vende coisas que ninguém mais compra. Luvas, exemplifica o narrador oculto. Vinda de uma cidade do interior para tentar ser artista plástica na vastidão de Los Angeles, a moça torna-se dependente de antidepressivos e anseia por um namorado tanto quanto quer sentir-se parte do mundo. Primeiro aparece Jeremy, com quem ela estava disposta a sair até surgir alguém menos horrível. Embora estejam “separados por 100 milhões de quilômetros no vácuo”, como descreve o autor, acabam tendo alguns encontros. Depois, surge Ray Porter, um milionário cinquentão interessado em fazer sexo, mas não amor e muito menos família. Obviamente, fere Mirabelle.

Ao longo da história, Martin não perde a chance de observar como são ridículas as mulheres com “duas bolas de boliche num corpo que lembra uma tábua de passar roupa” e de ressaltar como é bom encontrar alguém normal, sem silicone ou botox. Em A balconista não existe o bem e o mal, mas pessoas vulneráveis num mundo cada vez mais frenético. O autor, que também é roteirista, cogita interpretar o amante cinquentão na adaptação cinematográfica em curso. Será rara oportunidade de vê-lo longe da comédia, embora perto do humor.
 


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