FERNANDO SOUZA/CPDOC JB

Os filmes brasileiros, em geral, estão cada vez mais bem-acabados, são indicados ao Oscar e ganham festivais internacionais, mas ainda não conseguem a proeza de superar em público a extraordinária marca de Dona Flor e seus dois maridos, assistido por 12 milhões de pessoas. Assina essa produção Luiz Carlos Barreto. Prestes a completar 80 anos, no dia 20 de maio, é o próprio Barreto quem sonha em quebrar esse seu recorde levando agora às telas a saga da família de Luiz Inácio Lula da Silva. O filme vai mostrar a trajetória de dona Lindu, uma mulher batalhadora que criou sozinha 12 filhos – entre eles, o presidente da República. A história dessa família se tornará, então, bem mais conhecida do que a da piauiense Raimunda Barreto, que, também solitária, criou 11 garotos. Ela morreu em 1961 sem imaginar que o caçula, na época fotógrafo da extinta revista O Cruzeiro, se transformaria no maior produtor do cinema brasileiro.

"Sem minha mulher, Lucy, eu estaria na sarjeta. Ela é o som, eu sou a imagem "
Luiz Carlos Barreto, produtor

À exceção da biblioteca com projetor e telão, nada no amplo apartamento de Barreto, no Parque Guinle, na zona sul do Rio de Janeiro, lembra a dedicação ao cinema do produtor e de sua mulher, a também produtora Lucy Barreto. Os incontáveis troféus colecionados desde os anos 60, por exemplo, encontram-se em seu escritório na Cinelândia: "Foi uma decisão que Lucy e eu tomamos. A família respira cinema o tempo todo e precisava de um descanso visual." Ele tem oito netos e dois bisnetos e, em boa forma física, faz ginástica, joga futebol, fuma charuto e ainda toma seus pequenos goles de cachaça para comprovar que "a melhor é a cearense". "Sem Lucy, eu estaria na sarjeta. Ela é o som, eu sou a imagem", diz Barretão, apelido que passou a simbolizar a gana com que ele defende verbas para suas produções. Foi-lhe dado pelo genial Nelson Rodrigues.

A sua vasta cabeleira de outrora também ajudou a reforçar o apelido, mas é claro que não existe mais – seus cabelos estão longe de ser o que eram à época do Cinema Novo, quando ele ajudou a revolucionar as telas juntamente com Glauber Rocha, Leon Hirszman e Nelson Pereira dos Santos. Mas seu raciocínio e seus olhos continuam velozes – Barretão devora textos e nem sequer precisa de óculos para localizar, sob a tevê, os DVDs com os títulos dos filmes que fazem a história do cinema brasileiro e que sem ele não teriam vindo à luz: Vidas secas, A dama do lotação e Bye bye Brasil, entre outros. Ele não perdeu a esperança de ver cumprida a previsão do escritor colombiano Gabriel García Márquez de que "os dois países com maiores vocações cinematográficas eram os EUA e o Brasil". Na verdade, esse é um objetivo que defende até no muque: certa vez acabou com uma festa na casa de um adido cultural ao ver o crítico Salviano Cavalcanti agredir o ator Grande Otelo. Com a mesma energia, ele planeja comemorar os seus 80 anos jogando uma partida de futebol contra o Polytheama, o time de Chico Buarque, justamente o autor da música de Bye Bye Brasil. Depois de décadas atuando no meio-de-campo, Barretão agora pega mais leve pela lateral-esquerda. Mas, quando o assunto é levantar uma produção, ele continua no ataque como centroavante.

GRANDES PRODUÇÕES DE LUIZ CARLOS BARRET
 
DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS (1976) – 12 milhões de espectadores
Dirigido por Bruno Barreto, tem Sonia Braga no papel da personagem criada por Jorge Amado
 
 
 
A DAMA DO LOTAÇÃO (1978) – 7 milhões de espectadores
Sonia Braga interpreta uma adúltera. O filme é uma adaptação de um conto de Nelson Rodrigues
 
 
 
BYE, BYE BRASIL (1980) – 3,5 milhões de espectadores
Um dos maiores sucessos de Cacá Diegues, traz José Wilker no papel de um artista mambembe
 
VIDAS SECAS (1963) – 2 milhões de espectadores
O clássico de Nelson Pereira dos Santos foi adaptado do livro de Graciliano Ramos