18/01/2013 - 21:00
OCIOSOS
Prédio localizado na Asa Norte, em Brasília, possui quatro apartamentos da
União sem utilização. Os imóveis estão avaliados em R$ 1 milhão cada um
Cento e noventa anos depois da proclamação da República, o Estado brasileiro desconhece o real tamanho do seu patrimônio e mantém ociosos pelo menos 13.590 dos 572.161 mil bens que conseguiu cadastrar até hoje. Esses imóveis estão vazios e o governo não consegue saber sequer em quais condições se encontram, ou qual destinação será dada a eles.
Para se ter uma ideia da situação, em 2009, a Secretaria de Patrimônio da União conseguiu um financiamento internacional para atualizar seus cadastros em sete unidades da Federação, mas o trabalho e o dinheiro acabaram antes da conclusão do levantamento nos maiores Estados, como São Paulo e Rio de Janeiro. Embora o governo não saiba exatamente o que tem, é razoável estimar que o valor total de seu patrimônio ultrapasse os R$ 200 bilhões, o equivalente a 4,5 milhões de residências do programa Minha Casa, Minha Vida. Negligenciada por sucessivos presidentes, que não souberam dar uso econômico nem social a parte considerável desses bens, o país assiste hoje a iniciativas condenáveis de quem toma posse do patrimônio público para uso pessoal.
ABANDONO
Governo não sabe que destino dar para casa situada
no Cruzeiro, Distrito Federal. Vidros estão quebrados
Em Brasília, ISTOÉ visitou três imóveis pertencentes à União. Encontrou vidros quebrados, portas arrombadas e serviços como água e luz cortados há anos. Abandonados, mesmo apartamentos situados em bairros nobres da capital, não podem ser usados antes que se promovam reformas mais custosas do que um imóvel novo. A negligência com os próprios bens abre espaço para várias formas de delinquência, como se viu no mês passado, quando a Polícia Federal indiciou sete funcionários públicos durante a Operação Porto Seguro. Eles são acusados de emitir relatórios falsos para facilitar outra modalidade de crime – a grilagem de terras públicas. O alvo da quadrilha era um terreno da União localizado no Setor Habitacional Vicente Pires, região administrativa do Distrito Federal, objeto de desejo de grandes empresários. O prejuízo aos cofres públicos poderia chegar a R$ 400 milhões.
As falhas cometidas pela administração pública na gestão dos próprios bens resultaram em pelo menos 984 processos que tramitam atualmente na Justiça federal. As ações apresentadas pela Advocacia-Geral da União tentam obter ordens de despejo ou desocupar terras invadidas. No Rio, uma professora aposentada disputa com o governo a propriedade de uma casa avaliada em R$ 2 milhões, de acordo com o inventário do marido. A viúva se recusa a devolver a casa da União localizada no bairro de Ipanema, alegando viver lá há 24 anos. A briga judicial deve se estender por anos, enquanto a viúva permanecer no imóvel.
As estratégias para se apossar do que é público envolvem também figuras conhecidas e influentes, que usam o próprio prestígio em nome dos negócios privados. O senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) ilustra um desses casos. Ele é um dos sócios da construtora Premium, uma das responsáveis pela construção de um prédio de luxo na margem da Baía de Guajará, em Belém, área pertencente à União. O empreendimento de 23 andares está sendo erguido no bairro do Telégrafo, fechando o único acesso dos moradores a essa parte do rio. Apesar da invasão, a obra tem conseguido licenças ambientais e o prestígio do parlamentar com os poderes da República é citado pelos vendedores como garantia de que o investimento não tem riscos. Nas últimas semanas, grupos de moradores protestaram na frente da construção, conseguindo uma ordem judicial que mandou suspender a obra. Embora os vendedores digam que o senador será o proprietário da cobertura, Flexa Ribeiro garante que não tem nada a ver com o edifício, uma vez que é “apenas um dos sócios da construtora que vendeu o terreno”.
Para o especialista em administração pública e professor da UnB José Matias Pereira essa apropriação indevida de bens públicos por particulares é somente um dos impactos negativos para o Estado causados pela má gestão do patrimônio. “Não dar aos imóveis a destinação correta e deixá-los perder seu valor de mercado por pura falta de ação também é crime”, diz.