TÓQUIO 1934 Verger deu ênfase à mulher para
mostrar o lado mais oficial e tradicional do Japão

É possível um filme mudar o destino de uma pessoa? A resposta é sim, se olharmos para a vida do fotógrafo e etnólogo francês Pierre Verger (1902-1996). Por obra do acaso ele tornou-se um cidadão soteropolitano ao fixar residência em Salvador e retratar a cultura afro-brasileira. Antes, porém, Verger rodara o mundo, e é nesse ponto que entra o filme em questão. Nascido numa rica família parisiense, Verger, dono de um temperamento aventureiro, abriu mão do conforto e em 1933, aos 31 anos, foi morar no Taiti após assistir ao filme Tabu – uma combinação de documentário e ficção sobre o cotidiano dos habitantes dessa ilha da Polinésia. Carregou consigo uma câmera fotográfica Rolleiflex. Um ano depois, ao voltar a Paris, sua bagagem estava enriquecida com uma centena de fotos. Foi assim, quase sem se dar conta, que ele se tornou um fotógrafo. As fotografias eram tão boas que Verger foi contratado pelo jornal Paris Soir para acompanhar o renomado escritor Marc Chadourne em um giro pelo mundo. O projeto de Chadourne era escrever sobre os EUA, o Japão e a China, e Verger ilustraria os textos com imagens que captassem as diferenças culturais de cada país. Essa é a produção que marcou o início de sua carreira e que agora está reunida na mostra O Japão de Pierre Verger – anos 30, que abre ao público no sábado 19, na Caixa Cultural, em São Paulo.

Organizada pela Fundação Pierre Verger em comemoração aos 100 anos da imigração japonesa no Brasil, a exposição reúne 100 imagens inéditas do fotógrafo, selecionadas do conjunto de 950 que ele fez no Japão em 1934. Com percepção aguçada para o detalhe, Verger flagra uma cultura em transformação, já bastante aberta às influências ocidentais. Assim, nos inúmeros ângulos das ruas de Tóquio, Kyoto ou Nara, convivem lado a lado mulheres de quimono, tamanco de madeira e rosto maquiado com homens vestidos com ternos risca-de-giz. “O critério para a seleção das obras foi puramente estético”, diz o curador Alex Baradel. “Mas é possível identificar diversos temas que mais tarde seriam constantes em seu trabalho, como retratos e cenas de mercado.”

LENTES Verger registrou bairros pobres de Tóquio (à esq.), o comércio e o navio que o levou ao Japão (ao centro)

Em seu livro 50 anos de fotografia (1982), Verger escreve sobre a sua passagem de um mês no Japão: “Nossa chegada fez-se sob o signo das cerejeiras em flor.” A sedução desse clichê visual logo se dissipa (descobre rápido que muitas flores eram feitas de papel crepom, “artificialmente perfumadas”) e ele sai à procura do “desconhecido”. Cumpria assim a pauta que Chadourne lhe encomendara mostrando a imagem oficial do país com suas casas de bambu impecavelmente lustradas, mas nas horas vagas fugia para as zonas boêmias e os bairros menos sofisticados, enquadrando prostitutas nas janelas entreabertas ou crianças pobres, ainda que trajadas de quimonos floridos. “Não fiz mais que perceber o extremo refinamento dessa civilização onde o chá era servido de acordo com um estrito protocolo e a elaboração de um buquê era uma arte erudita”, escreveu o fotógrafo. “Mas por trás desse Japão de biombo existia uma poderosa indústria e atividades que repórteres de passagem não eram convidados a inspecionar.” Com sua curiosidade em relação ao “diferente”, Verger registrou um precioso painel de um país àquela época ainda cercado de muitos mistérios.