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NO EXÍLIO Brizola em sua fazenda no Uruguai:
“Uma vez que se ultrapassa tudo, nos transformamos
em superpessoas, espécie de planta no deserto”

Ao comentar o magnetismo de Leonel Brizola falando para uma multidão no Rio de Janeiro, Lula se limita a uma palavra: “Impressionante!” Essa reação do presidente da República está registrada no documentário Brizola – Tempos de luta, dirigido por Tabajara Ruas, que mostra a trajetória do político gaúcho desde o seu nascimento em 1922 até a sua morte em 2004. Esse magnetismo de Brizola foi tão intenso que deu origem ao movimento político brizolismo (sufixo que pouquíssimas pessoas tiveram a honra de ver agrupado ao nome, a exemplo de Getúlio Vargas e seu getulismo), criou um fervoroso eleitorado chamado de brizolista e terminou por associá-lo às escolas públicas cariocas (Cieps), rebatizadas como brizolões. É esse político manda- chuva, macho, caudilho (para usar apenas algumas características que ainda o acompanham) que está retratado no documentário recheado de revelações, com estréia programada para o Festival do Audiovisual de Pernambuco, no final deste mês.

A história já começa com uma curiosidade desconhecida: Brizola foi um menino sem nome até os quatro anos de idade. Nascido no minúsculo povoado de Cruzinha, no Rio Grande do Sul, o bebê deveria ter sido registrado pelo pai, o lavrador José de Oliveira Brizola, mas a ida ao cartório foi sendo adiada até que o patriarca foi chamado para lutar nas tropas da Revolução Federalista de 1923. Com apenas dois anos, o “gurizinho”, como a criança passou a ser chamada, viu o corpo do pai voltar sem vida no lombo de um cavalo. Aos quatro anos, ele próprio avisou à mãe, dona Onívea, que queria ter o mesmo nome de Leonel Rocha, um comandante da Revolução que a família admirava. Anexou, sem querer, a sua sina a do homem que o inspirou: ser o capitão da tropa, aquele que comanda.

REGRESSO Brizola é recebido em 1979,
vindo do exílio no Uruguai

Uma reveladora entrevista de Brizola atravessa todo o filme, com assuntos como a infância pobre e os tempos em que foi engraxate em Porto Alegre. Esse depoimento é entrecortado por fatos, entre os quais o histórico direito de resposta que conseguiu na Justiça contra a Rede Globo, em 1994, por ter sido chamado de “senil”, dois anos antes, em editorial do Jornal Nacional. Cid Moreira, à época apresentador do JN, foi obrigado a ler o texto em que Brizola desqualifica a emissora e acusa o seu criador, Roberto Marinho, de enriquecer bajulando o poder. A sua briga com a Rede Globo inclui a denúncia, em 1982, de que a emissora compactuara com o caso Proconsult (publicado pelo Jornal do Brasil), fraude eleitoral que impediria a sua eleição para o governo do Rio.

Brigar com poderosos era para Brizola um esporte. Depois da renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 1961, ele capitaneou como governador do Rio Grande do Sul uma resistência contra o veto dos militares à posse do vice João Goulart, seu cunhado, criando a “Rede da Legalidade”. Colocou trincheiras e tropas ao lado do Palácio Piratini, em Porto Alegre, e obteve a adesão do comando do III Exército. Os militares acabaram aceitando a fórmula conciliadora do parlamentarismo e Jango assumiu a 7 de setembro de 1961. Em abril de 1964, Brizola tentou repetir o gesto de resistência contra o golpe militar, mas foi dissuadido por Jango. Instalada a ditadura, foi exilado no Uruguai e entrou na lista dos cassados pelo AI-5. Foi um período longo e sofrido: “Uma vez que se ultrapassa tudo, nos transformamos em superpessoas, espécie de planta no deserto – aquela que é capaz de viver na seca e na inundação e se alimenta até do orvalho da noite.”

LIDERANÇA Em 1961, em Porto Alegre,
ele lança a “Rede da Legalidade”

Além de deputado, Brizola foi prefeito de Porto Alegre, governador do Rio Grande do Sul e duas vezes governador do Rio de Janeiro. O diretor Tabajara Ruas decidiu retratá-lo “como personagem da vida política brasileira”. De fato, pouco se fala da vida familiar do protagonista, embora alguns depoimentos ressaltem a importância de sua mulher, dona Neusa. Não faltam cenas e relatos de sua participação em acontecimentos históricos como o comício na Candelária durante a campanha pelas Diretas-Já. Da biografia de Brizola, também faz parte a polêmica encampação das empresas americanas Bond and Share e ITT. Como lembrou Ruas, “ele foi o primeiro governante brasileiro a desapropriar empresas estrangeiras”. Na cena do seu cortejo fúnebre, vê-se uma multidão de populares inconsoláveis. Terminava ali uma era de políticos verdadeiramente amados pelo povo.

MANDA-CHUVA Brizola com a família reunida,
tendo à direita a mulher, Neusa, a quem atribuía
muito de sua persistência e força política

COMO PENSAVA LEONEL BRIZOLA

“Povo que não tem história não tem presente e, muito menos, um futuro”

“Viver no exílio é ter a polícia sempre de olho”

“Nossas elites são bobalhonas, desumanas, espertalhonas e comprometidas”