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A imagem ao lado já diz quase tudo. Para reforçar, se preciso fosse, bastaria legendá-la com a palavra “elegância”. Luiz Noriega, o decano dos narradores esportivos do Brasil, faleceu um dia depois do Natal de 2012. Um dia calmo, aliás, silencioso, em que todos estão em casa,disponíveis, sem compromisso e refletindo sobre a vida. Elegância até na hora de partir.

Registros respeitosos de sua morte apareceram em razoável volume nos meios de comunicação. Em geral, resumos de sua carreira iniciada na rádio Difusora de Olímpia, vizinha de sua Nova Aliança, cidadezinha do interior paulista. Passagens pela Rádio Tupi, depois pela televisão pioneira de mesmo nome e, claro, o período de 16 anos trabalhando para a Tv Cultura, onde, ao lado de figuras não menos notáveis como Orlando Duarte, fundou uma espécie de curso de pós-graduação em elegância e bom-senso na cobertura jornalística do esporte no Brasil.

Mas talvez tenha faltado dizer que Noriega dominava alguns diretórios do saber que dificilmente são vistos juntos hoje em dia. Sabia vibrar e se deixar levar na medida pelo calor dos jogos e eventos, criando inclusive alguns bordões e assinaturas. Ao mesmo tempo, dominava uma habilidade quase extinta nas transmissões esportivas atuais: a arte de calar.

Seus silêncios ao longo das partidas eram tão precisos quanto suas intervenções. Ele não subestimava a mente do telespectador. Ao contrário, dava-lhe tempo para analisar as imagens e formar sua própria opinião, sem ter que ser bombardeado por gracinhas e opiniões de todos os lados, como se o silêncio fosse uma ofensa ou, pior, algo insuportavelmente constrangedor. Era uma espécie de John Cage da narração futebolística ou uma versão esportiva do que tão bem definiu Clarice Lispector: “Entre duas notas de música existe uma nota, entre dois fatos existe um fato, entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam existe um intervalo de espaço, existe um sentir que é entre o sentir.”

À parte isso, dominava o idioma em profundidade e extensão e detinha um vocabulário muito acima da média. Articulado e culto sem triscar na vaidade ou na arrogância. Na sua boca, classificar como “condição irregular” um mísero impedimento não soava pedante. Ao contrário, explicava melhor o acontecido, emprestava certa dignidade ao erro do impedido, valorizava a esperteza da zaga e enaltecia a marcação corajosa do árbitro.

Luiz era de um tempo em que os objetivos pareciam ser outros. Não se buscava exibir dotes artísticos ou dons humorísticos questionáveis visando a se tornar apresentador de programa de auditório, tomar o lugar de alguém num andar mais acima na hierarquia da emissora ou despertar a atenção de algum outro possível empregador. Muito menos agradar a este ou aquele jogador, empresário, anunciante ou impressionar colega jornalista. A missão era entreter, reportar e esclarecer, levando ao telespectador o máximo possível de informação e, mais do que tudo, da emoção única de um espetáculo esportivo. Tarefa tão ou mais nobre e complexa do que tentar traduzir outra forma de arte qualquer, como um bom quadro ou escultura. Inclusive porque neste caso a obra está sendo composta e esculpida. Ali, na hora e em movimento.

Não se trata de saudosismo, nem de afirmar que não há bons profissionais na narração ou na crônica esportiva contemporânea. Eles existem e há até mesmo os que tratam de preservar e perpetuar a escola fundada por Noriega e outras feras de seu naipe. Trata-se apenas de destacar e homenagear alguém que cumpriu sua vocação com competência e dignidade que ultrapassam de longe as linhas do profissionalismo para atingir e romper aquelas que definem os limites da arte. Sem impedimento.
Nunca um slogan fez tanto sentido quanto na voz de Luiz Noriega: “Esporte é cultura.”