Flávio Ferreira Sant’Ana tinha 28 anos. Era negro e era dentista. Tornou-se um Tiradentes da questão racial no País. Cinco PMs de São Paulo (um tenente, um cabo e três soldados) desconfiaram que ele assaltara um comerciante. Seguiram o lema de atirar primeiro e perguntar depois: dois balaços no peito do dentista e ele morreu. Os PMs colocaram então uma arma nas mãos dele para forjar um tiroteio (todos os policiais estão presos). O assassinato do dentista Tiradentes exibiu em branco-e-preto como alguns PMs costumam tratar os negros. Mais: exibiu em branco-e-preto como alguns setores da sociedade costumam tratar os negros.

A primeira admissão veio de dentro da casa do dentista – e foi aí que a casa dos PMs caiu. “Tenho certeza de que se ele fosse branco não teriam atirado no meu filho”, disse o pai do dentista, Jonas Sant’Ana. Deve saber o que fala, porque ele próprio, o pai, é policial militar da reserva. A segunda admissão veio do Ministério da Justiça – e foi aí que a casa da igualdade racial desmoronou. “Os elementos sensíveis e exteriores mostram a presença do preconceito, o negro é sempre suspeito”, disse o ministro Márcio Thomaz Bastos. O fato é que Flávio não era ladrão, mas, ainda que a PM se depare com um bandido, ela não pode sair atirando. Some-se o que falou o pai e o que falou o ministro e vai-se do particular ao geral – o que o poeta Castro Alves cantou em seu Navio negreiro: “Que importa do nauta o berço, donde é filho, qual seu lar?”. Nada importa, “o negro é sempre suspeito” (quem falou foi o ministro). Suspeito e rei do crime. ISTOÉ teve acesso a dois acórdãos do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo. Num deles se lê sobre a apelação de um cidadão: “(…) foto do apelado (…), por ela se verificando possuir traços bem definidos, diverso do universo de ‘morenos’ com feições negróides que inunda a marginalidade” (de morenos a negróides, o juiz fez o trecho constar em negrito).

Na outra se lê sobre a apelação de uma cidadã: “(…) ambos sensivelmente discrepando do tipo negróide que campeia na criminalidade (…)”. Como os dois cidadãos, réus nas apelações, são brancos, pode se deduzir que o juiz considera mais fácil e cabal o reconhecimento de um branco, já que o negro “campeia na marginalidade”. Mais: ignorando as razões pelas quais os negros são excluídos da sociedade, o juiz cria um valor de prova jurídica com base em padrões raciais. O caso que aconteceu com o dentista Flávio não é um fato isolado. Espera-se que sentenças como essas o sejam.

 

O desassossego

A ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Políticas de Igualdade Racial, está apurando um suposto caso de racismo que ocorreu em Brasília. Márcio Virgílio dos Santos e mais cinco quilombolas teriam sido expulsos da pousada Sossego. Márcio Virgílio afirma que a proprietária da pousada, Fátima Almeida, impediu que eles se hospedassem dizendo que “negros sujam os lençóis”. No Brasil, o racisnmo é crime inafiançável e punido com prisão
 

O leão branco

O fazendeiro Mark Crossley, que é branco, foi preso na segunda-feira 9, na África do Sul, porque amarrou o negro Nelson Shisane, seu
ex-funcionário, e o jogou para um leão comer. Completamente imobilizado, Nelson foi arremessado, por cima de uma cerca, a um terreno do governo. Nele há leões que vivem em ambientes controlados, visando à procriação. A vítima foi atacada por um leão da espécie branca, que a carregou até uma moita e a devorou. O crime do fazendeiro chocou um país que ainda vive o trauma de décadas do regime de apartheid.