O médico americano Robert Atkins morreu faz um certo tempo – em abril de 2003, devido a uma queda –, mas continua acirrando debates acalorados entre os colegas. Em vida, ele foi bastante criticado por criar uma dieta que abomina carboidratos e libera o consumo de proteínas e gorduras, entre elas as que fazem mal ao coração. E agora, quase dez meses depois, a polêmica volta a toda e envolta num enredo digno de Hollywood. Na semana passada, o Wall Street Journal, famoso jornal americano, trouxe uma notícia bombástica: Atkins teria morrido obeso e com problemas cardiovasculares. A apimentada informação veio de um grupo de profissionais da saúde que condena a dieta e se auto-denomina Comissão de Médicos pela Medicina Responsável (PCRM, em inglês). São adeptos do vegetarianismo e defensores dos direitos dos animais.

A viúva de Atkins, Veronica, ficou furiosa. Acusou os médicos de
práticas ilegais ao obter um relatório médico, sigiloso por natureza,
e de distorcer informações para macular o trabalho do marido, que faleceu aos 72 anos. O grupo, porém, diz se basear num documento
feito pelo New York Medical Examiner, órgão de saúde da cidade. O relatório teria sido encaminhado, por engano, a um cardiologista de Nebraska, que é contra o regime das proteínas e conhece a comissão.
Foi o mesmo que juntar a fome com a vontade de comer. Os anti-Atkins divulgaram, então, que o criador da dieta pesava 117 quilos na época da morte. Para um homem de 1m83, é muita coisa. A brasileira Valéria Guimarães, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, explica que, com esses números, o quadro de Atkins seria de obesidade moderada. Para saber se a pessoa está obesa ou apenas com quilinhos a mais, é preciso obter o Índice de Massa Corpórea. Deve-se dividir o peso pela altura ao quadrado. Se o resultado ficar entre 25 e 30, a classificação é sobrepeso. Acima disso, é obesidade. O índice de Atkins ficou em 34,9. “Os especialistas consideram que IMC acima de 30 é caso de doença”, reforça Valéria.

Stuart Trager, diretor do conselho médico ligado à companhia Atkins, garante que o especialista não estava gordo. Por meio da assessoria
de imprensa da empresa, ele informou que o peso de Atkins variava
entre 81 e 88 quilos. Por que estaria tão pesado no dia da morte?
Porque, segundo o comunicado, ficou nove dias em coma e inchou
nesse período, ganhando 27 quilos.

Sobre os problemas cardiovasculares, mais lenha na fogueira. Não foi feita autópsia em Atkins. Ainda assim, a PCRM desconfia que o guru tenha morrido não apenas por causa do acidente, mas também por um ataque cardíaco durante o coma. A entidade argumenta ter se baseado em dados médicos e exames externos do corpo. A comissão acredita também que Atkins sofria de insuficiência cardíaca e hipertensão. A viúva afirma que, três anos antes de morrer, o marido desenvolveu uma doença conhecida por cardiomiopatia, causada por uma infecção viral. O problema provocou uma parada cardíaca em abril de 2002. Mas Veronica ressalta que o companheiro nunca teve um ataque. Nem complicações geradas pela dieta.

Por enquanto, não é possível medir o estrago que as acusações
causaram aos promotores do regime. A repercussão, evidentemente, foi grande. A Atkins Nutritionals administra o negócio e somente fornece a vendagem de livros nos Estados Unidos: 18 milhões desde 1972. Nos bastidores da indústria da dieta, fala-se, entretanto, em 32 milhões de seguidores apenas na terra de Atkins. Por isso, há razões para que Veronica se queixe de interesses menos humanitários nessa história. “Ficou claro que algo tão simples quanto a verdade pode ser manipulado por indivíduos desonestos, sem preocupação com a ética médica, numa tentativa de não apenas desacreditar o trabalho do meu marido, mas também de lucrar com a sua morte”, desabafou. Para o empresário Argel Pires, 54 anos, de São Paulo, isso faz sentido. “As pessoas tendem a difamar quem faz sucesso”, alfineta. Pires seguiu a dieta antes do Natal passado. Perdeu cinco quilos. “Tinha feito exames de sangue e de coração. Minha saúde vai bem”, conta. Ele quer emagrecer mais cinco e está decidido a fazer o regime de novo.

O grupo anti-Atkins, claro, contesta interesses mercadológicos. Segundo Neal Barnard, presidente da comissão, o grupo preocupa-se com a propagação da idéia de que o médico era saudável e magro. Para a PCRM, Atkins teria sido vítima do próprio veneno. O consumo excessivo de proteínas e gorduras pode implicar riscos ao coração. “Gorduras saturadas, como as de origem animal, se depositam nas artérias”, explica a nutricionista Cynthia Antonaccio, da consultoria Equilibrium.

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A verdade, porém, é que, embora se conheça o papel das proteínas e das gorduras, somente nos últimos anos cresceu o interesse da comunidade científica em investigar especificamente os efeitos da dieta do dr. Atkins. “A popularidade que o tema conquistou fez os cientistas se ocuparem do assunto. Em 2003, foi publicado no New England Journal of Medicine, uma publicação científica respeitada, resultado de um estudo que pode ser considerado o mais importante sobre o assunto até agora”, diz a professora Josefina Monteiro, da Universidade Federal de Viçosa (MG).

O trabalho envolveu cinco universidades americanas. Durante um ano, 63 mulheres e homens obesos foram submetidos a dietas de emagrecimento. Um grupo seguiu um regime convencional (baixo em calorias e gordura e alto em carboidratos). O outro fez a dieta caracterizada pela pequena quantidade de carboidratos e alta dose de proteínas e gorduras. As conclusões não contestam a perda de peso pregada pela dieta Atkins, mas mostram que o resultado não dura muito. Até o terceiro mês, as pessoas que seguiram a dieta protéica perderam mais peso do que a dieta de baixas calorias e rica em carboidratos. “De fato, privar o corpo de carboidrato promove perda rápida de peso”, diz a endocrinologista Marise Tinoco, do Rio de Janeiro. E nesse período os grupos não apresentaram diferenças no colesterol total e no LDL (a fração ruim do colesterol). A dieta Atkins aumentou o bom colesterol.

As conclusões foram menos animadoras. Após o primeiro semestre, alguns praticantes da dieta das proteínas ganharam peso. Uma das possibilidades é a de que os voluntários tenham incluído alimentos vetados no cardápio. No final de um ano, diferenças entre a perda de peso de ambos os grupos não foram significativas e a dieta protéica apareceu como um fator de risco muito maior para as doenças cardiovasculares. “E para pessoas que já apresentam fator de risco para doenças coronarianas, essa alimentação é inadequada”, afirma a nutricionista Monica Bieler, do Espaço Stella Torreão, do Rio.

O estudo serviu também para convencer os pesquisadores a investir
em mais estudos sobre as dietas protéicas. Até porque o dr. Atkins
fez escola. Hoje, outro regime também baseado na ingestão de gorduras e proteínas faz um tremendo sucesso no mundo todo. É a dieta de South Beach, criada pelo cardiologista americano Arthur Agatston. Suas orientações estão no livro The South Beach Diet. Desde seu lançamento nos EUA, há um ano, foram vendidos três milhões de exemplares. Publicado no Brasil em outubro de 2003, a cartilha de Agatston já chegou à marca de 90 mil livros comercializados.

Para conter a fúria dos médicos, o cardiologista criou uma versão light do regime de Atkins. A fonte principal da dieta continua sendo a ingestão de proteínas e gorduras. Mas se recomenda consumir mais carnes magras e peixes e até se permite comer carboidratos, com moderação e, de preferência, integrais. Nas duas primeiras semanas, as dietas South Beach e Atkins são parecidíssimas. Ambas propõem um período de 15 dias em que carboidratos não são permitidos. Proteínas, sim. No entanto, Agatston desaconselha as carnes gordurosas. O médico também preconiza que se dê preferência às gorduras monoinsaturadas, como a do azeite de oliva. Já na segunda etapa, podem ser consumidas mais frutas em comparação com o que manda Atkins e também outros carboidratos. O vinho, bebida proibida na Atkins, pode ser tomado com moderação.

Com essa receita, o cardiologista garante ser possível perder até seis quilos em 15 dias. No entanto, a nova roupagem da South Beach não convence os especialistas. “Ao cortar ou restringir um grupo alimentar, o corpo fica carente de nutrientes importantes”, explica Valéria. O endocrinologista Filippo Pedrinola, de São Paulo, porém, recomenda a dieta e acredita que o segredo está no bom senso. “É preciso adaptá-la ao estilo de vida da pessoa. Se o cliente pratica exercícios, por exemplo, não dá para retirar os carboidratos nem nas duas semanas iniciais. Caso contrário, ele pode se sentir mal durante a atividade física por falta de energia”, diz. Pedrinola ainda defende que a grande sacada de Agatston foi diferenciar os carboidratos e as gorduras boas das ruins e ensinar o público a consumi-los de forma consciente. Esse foi um dos atrativos que levaram a atriz Cláudia Liz, 34 anos, a fazer a dieta. Adepta das carnes magras e dos pães integrais, ela experimentou a South Beach por 15 dias. “Só faço dieta em último caso. Precisava perder um pouco de peso rapidamente e esse regime funcionou. O que faço mesmo é malhar e ter uma alimentação equilibrada”, afirma a bela.

 

Gordura contra gordura

Pesquisadores da Suíça e dos Estados Unidos comprovaram mais
uma vez o potencial da leptina, hormônio fabricado pelas células gordurosas que diminui o apetite e estimula a queima de gordura. Numa experiência em animais, os cientistas constataram que a introdução do gene que determina a produção da substância
promoveu o emagrecimento significativo das cobaias 15 dias
depois. Mas ainda é preciso tempo para saber se a experiência
será bem-sucedida. “É necessário ter calma. A leptina é uma substância importante para o corpo e seu aumento pode trazer
graves consequências a longo prazo, como a queima excessiva
de gordura”, pondera o professor Fábio Bessa Lima, da Universidade
de São Paulo. O hormônio foi descrito em 1994. Ele está ligado também à fertilidade e à diabete.

Lia Bock

 

Do Tibete para a Itália

No mês passado, o primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi causou um rebuliço que nada teve a ver com gafes diplomáticas. Numa aparição pública, o premiê surgiu nove quilos mais magro. A nova silhueta teria sido conquistada depois de Berlusconi ter trocado a dieta Atkins por um regime made in Italy, mas com uma pitada tibetana. A fórmula emagrecedora foi criada pelo cirurgião vascular e nutrólogo Andrea Mangano. “É uma dieta
adaptada ao perfil psicológico da pessoa. Separo os indivíduos em
três categorias: fogo, água e vento”, contou a ISTOÉ. Para a
primeira, o cardápio é hiperprotéico, sem carboidratos e com carnes.
O tipo vento tem de fazer o oposto, cortando proteínas. Quem for água pode abusar de frutas e verduras. Mas todos precisam tomar um copo de água quente pela manhã, em jejum. Mangano inventou esse método com a ajuda de uma escola de medicina tibetana. Em São Paulo, o diretor do Centro Dharma da Paz, de práticas do budismo tibetano, Daniel Calmanowitz, não conhecia a tal dieta. “Na medicina tibetana, os alimentos são separados em quentes e frios e indicados de acordo com o biotipo da pessoa”, afirma. Entre os monges, há vegetarianos, mas isso não é regra. A alimentação no Tibete consiste em farinha de cevada, carne, macarrão, chá e vegetais. Já na dieta “tibetana” do premiê italiano teria carnes magras e restrição de leites e derivados. O político negou ter seguido a dieta, mas Mangano revela que orientou o regime para Berlusconi, um tipo vento. Se o primeiro-ministro mentiu, difícil saber.


 

Inimigo comum

O açúcar de mesa – esse que
usamos no cafezinho, por exemplo
– é um dos principais vilões na guerra contra a balança. Não há dieta que libere seu consumo. “Mesmo uma pequena quantidade significa muito para o corpo. E esse é o grande problema”, explica Anita Sachs, chefe do Departamento de Nutrição da Universidade Federal de São Paulo. Está certo que o alimento é a melhor maneira de garantir energia rapidamente ao organismo. Mas o corpo não precisa dele. Outros carboidratos – sim, o açúcar é um carboidrato – também se transformam em energia, e com vantagens adicionais. Cereais
e grãos integrais, por exemplo, fornecem vitaminas e fibras. Já o açúcar não oferece nada, além de energia. “Hoje, o consumo do produto gira em torno de 45 quilos por pessoa por ano. É muito e está crescendo. Há 50 anos, a ingestão era três vezes menor”, conta Yotaka Fukuda, autor do livro Açúcar, amigo ou vilão (ed. Manoli). Mas ninguém está dizendo que se deve cortar essa especiaria da dieta. É preciso apenas reduzir sua quantidade. Trocar açúcar por adoçantes e mel também funciona.

Lia Bock


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