CONDOMÍNIOS IRREGULARES Após denúncia feita
pelo empresário José Souza do Nascimento (acima),
Procuradoria- Geral do Amazonas atesta que documentos
usados pelo Alphaville para construir em terras
da capital são falsos

A cidade de Manaus, capital do Amazonas, voltou a ser um eldorado econômico. Nos últimos seis anos, o PIB cresceu quase 100% e a estimativa para este ano é de uma evolução de 9%, com geração de 120 mil empregos. No bairro de Ponta Negra, o mais nobre da cidade, o reflexo disso salta aos olhos com empreendimentos imobiliários de alto luxo. Às margens do rio Negro, apartamentos do condomínio Riviera são comercializados por até R$ 2 milhões, enquanto grandes mansões começam a ser erguidas no Alphaville de Manaus, que pertence à construtora Gafisa. Há, porém, um problema. Documentos da Procuradoria-Geral do Estado, obtidos por ISTOÉ, atestam que o Alphaville está sendo construído em terras públicas. Ele ocupa a gleba Tarumãzinho, uma área de seis milhões de metros quadrados, que foi registrada como privada com base em documentos supostamente falsos. Os apartamentos também ocupam um milhão de metros quadrados de terras privadas litigiosas e são alvo de uma ação rescisória no Supremo Tribunal Federal.

Somados, os terrenos valem R$ 700 milhões e o caso veio à tona quando o empresário amazonense José Souza do Nascimento denunciou o uso irregular ao Judiciário e ao governo estadual. É ele também o autor da ação rescisória que corre no STF. Essa disputa fundiária em Manaus remonta ao início do século passado, quando um funcionário do governo, Felippe Joaquim, pediu um título provisório da terra. Anos mais tarde uma certidão, que atualmente está em poder da empresa local T. Loureiro, sócia do Alphaville Manaus, transformou o que era provisório em definitivo. Neste ano, no entanto, a procuradora-chefe do Amazonas, Roberta Ferreira de Andrade Mota, atestou que a certidão é falsa. Isso faz com que a área possa ser considerada pública. “O caso está nas mãos do governo, que decidirá o que fazer”, disse ela.

Ainda não se sabe que providências serão tomadas pelo governador Eduardo Braga, mas a história tem repercussões políticas. “Aquela área é comprovadamente pública e o Estado tem de tomar providências”, disse à ISTOÉ o senador Jefferson Péres (PDT-AM), um dos primeiros a denunciar o problema. O vereador Leonel Feitoza também ingressou com uma representação pedindo que o Ministério Público Estadual investigue o caso e torne a área pública. A Gafisa, que é proprietária da Alphaville Urbanismo, preferiu não se pronunciar. Apenas divulgou uma nota informando que o empreendimento está registrado no Registro de Imóveis local. A primeira fase já foi vendida. Agora, os parceiros preparam- se para lançar o Alphaville Manaus II em outros 400 hectares que compõem a área supostamente pública. O Relatório de Impacto Ambiental está pronto e o governador Eduardo Braga foi também informado da pretensão da empresa de ocupá-la. Procurado pela reportagem, o governador não se pronunciou, assim como seu secretário de Estado e Política Fundiária, George Tasso Lucena de Sampaio Calado.

Em paralelo à discussão sobre o uso de terras públicas, outra pendência fundiária se arrasta. Uma área de um milhão de metros quadrados às margens do rio Negro é motivo de ação rescisória que corre no Supremo Tribunal Federal movida por José Souza do Nascimento. Naquela área, há um esqueleto do Hotel Maksoud, que usou cerca de R$ 40 milhões da Sudam e cujas obras nunca foram acabadas, e também o luxuoso condomínio imobiliário Riviera de Ponta Negra, outro empreendimento da Gafisa. “Comunicamos a companhia que aquela área era litigiosa e, mesmo assim, eles decidiram pelo empreendimento”, disse Nascimento à ISTOÉ. “Eles sabem dos problemas judiciais e, mesmo assim, colocam em risco o futuro de pessoas que compram de boa-fé.”

Com ações no Novo Mercado da Bolsa de Valores de São Paulo, a Gafisa chegou a ser intimada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para prestar contas sobre o tema. Em 29 de agosto do ano passado, três dias após a intimação, a companhia entregou uma série de documentos ao colegiado da CVM, mas o caso ainda não foi decidido. A expectativa dos envolvidos no caso é que em mais cinco anos o processo de ação rescisória seja resolvido. “A falsidade dos títulos é notória, só falta ser reconhecida de vez pelo Judiciário”, afirma o advogado de Nascimento, Álvaro Villaça. Quanto às terras públicas, como disse a procuradora, o desfecho vai depender da posição do governador Eduardo Braga.